São rapazes de olhos fundos. Que a vida dura transformou em homens. Homens feitos, sofridos, vividos. mas que mostram, na cara larga e queimada, um sorriso fácil, aberto, franco. Cheio de dentes fortes.
Baixos e atarracados, são, apesar de secos, impressão de força e vigor. E são vigorosos e fortes como poucos.
Quem madruga, pode vê-los a andar, num passo largo e rápido, rumo a um tapume ou a um amontoado de tijolos, cal e cimento. Vestem calça larga de porta de loja, barata; camisa de mangas curtas e, oscilando na
ponta do braço musculoso, uma sacola plástica, de qualquer companhia de aviação. Que leva ali? "O almoço e o café, dona".
Parecem feitos na mesma forma, tão iguais são todos. E são. A forma é o nordeste seco, faminto, sofredor. Sem presente. E que futuro? Vindos da Bahia, do Sergipe, da pequenina Alagoas ou do Ceará infeliz,
trazem todos uma saudade danada daquela terra e uma ânsia louca de ganhar dinheiro. De juntar dinheiro.
"De onde você é?" Sorriem. E não dizem. Quando muito falam que vieram do interior do Ceará. Acho que sentem pejo de dizer o nome da cidade que abandonaram provisoriamente. Qual de nós a conheceria: E também
não dizem para que aquele nome querido não os faça estourar em soluços.
Como vieram? É outra coisa que escondem. Pra que relembrar o suplício?
Como vivem aqui? Trabalhando, trabalhando e trabalhando. Carregam massa. Empurram carrinhos de concreto. Desde o dia da chegada. Que qualquer homem sabe encher uma lata com areia. E mesmo um analfabeto sabe
levar, no ombro, uma caçamba de massa. É o que fazem, nas mil construções da cidade. Mês após mês. Com sol e calor. Na chuva gelada.
Nos primeiros dias trabalham com as calças com que vieram. Lavam-nas nas tardes de sábado. Comem pão seco. Regalam-se com um gole de café. Dormem no chão da obra.
Depois vão se arrumando. Companheiros arranjam-lhe um canto onde dormir. Mostram-lhes onde se pode mastigar bastante por pouco dinheiro. Cedem-lhes um fogareiro. Um violão. Alguém lhes dá um short desbotado.
E é de short, sem camisa, que trabalham, o sol castigando-lhes as costas fortes. Não correm no trabalho. Mas levam oito horas andando pra cima e pra baixo, sem parar. Sorriem sempre. Para o pedreiro exigente e apressado. Para o mar que não
conheciam ou que não é verde como o que chegaram a ver na sua terra. Para uma saia pequena e colorida que balança, lá embaixo, na rua. Tão distante.
Quando juntam dinheiro, atrevem-se a tirar uma nota para comprar, no almoço, uma cocada. Que saboreiam com sentimento de culpa. Eles no luxo. E a família, lá longe?
Assim são quase todos os serventes que fazem Santos subir. A quem, com carinho, chamamos de "paus de arara". Como nos chamarão eles?