Pensei em fugir à tristeza. Pensei em contá-la de forma a que não ficasse, embora por minutos, a escurecer o brilho bonito deste dia ensolarado de abril. Mas não dá, meu amigo. Tem que ser assim mesmo, minha
amiga. Desculpem-me. Conto a primeira história triste com o desejo único de que seu conhecimento evite outras tristezas semelhantes.
Infelizmente é história verídica. Acontecida em Santos.
***
Candinho é moleque. Moleque de rua. É claro que tem família. E que tem casa onde morar. Mas é na rua que ele vive. Com exceção das quase quatro horas em que é obrigado a ficar preso, amolado, entre as quatro
paredes da sala de aula, todo o resto do dia de Candinho é passado na rua.
Candinho tem oito anos. Oito anos que se espremem, apertados, num corpo mirrado de criança de cinco. Mas é vivo, irrequieto e tem uma qualidade difícil de encontrar-se num moleque que vive na rua: gosta de
sorrir. Mostrando os quatro dentes grandes da frente. Única prova, no tico de corpo, de que já passou pela primeira idade do banguelismo.
Vive de short. Um short de pernas muito largas, todo franzido, que vive a escorregar-lhe da cintura magra. Ficando parado, sabe lá Deus como, no limite máximo da decência infantil. É a única roupa que usa.
Vem sempre lá de baixo da Pedro Lessa. Toda a rua São José o conhece. Pois por ali passa e repassa, umas vinte vezes por dia, as pernas sujas e lépidas a sacudir o franzido farto do short colorido. Sempre
descalço, não há pedra ou pedregulho que pareça incomodá-lo. Vai pisando. E tocando para a frente.
"Hei, Candinho. Vai pra praia?"
"Como é, Candinho. Estava boa a água?"
Ele sorri e vai passando. A rua é dele. A praia também. Com o calor, um mergulho é coisa boa, não é? Por que não há de se aproveitar a sua vida? Os bons pedaços de sua vida de moleque livre e rueiro?
Há coisa de 15 dias, Candinho aborreceu-se com um prego que lhe entrou no pé. Aborreceu-se porque lhe custou um trabalhão arrancá-lo. E porque, depois, ficou sem poder pisar direito. Aquele buraquinho de nada
chateava-o um bocado. Doía. Tinha que pisar de banda. Mas não seria isso que o iria impedir de andar pela rua. De ir até a sua praia.
Uma semana depois, na aula, Candinho sentiu uma coisa esquisita. A professora percebeu, apertou-o com perguntas. Mandou recado para a mãe. No sábado, Candinho não se levantou. Não podia. No domingo, começou a
gritar. Levaram-no ao médico. E, depois de mais um dia, vestiram-lhe o seu short de rua, de praia e de mar; puseram-lhe a camisa branca da escola e assim, descalço mesmo, como sempre gostara de andar, Candinho foi ser moleque de céu. Tétano.