É uma rua triste. De passeios estreitos. Sem o verde de um simples matinho rasteiro. Vista de relance, com os olhos apertados, é rua de um amarelo pardacento. Cada vez menos amarelo. Sempre mais e mais pardo.
Oficinas mecânicas, muitas, sempre em multiplicação, são as responsáveis pelo escurecimento triste de sua primitiva cor dourada.
Cheira a graxa a danada da rua. Respirando-se fundo, é só óleo queimado que entra nos pulmões. Óleo generosamente espirrado pelo escape de centenas de caminhões. Que sacolejam nos paralelepípedos mal
ajustados e nos trilhos do bonde. O café, tomado num bar de chão sujo, tem gosto de óleo. E cor de óleo têm as crianças que brincam diante dos porões baixos. No metro de largura das calçadas estreitas e perigosas.
Entre oficinas pretas e garagens negras, casas de moradia. De parede direta sobre a rua. Casas antigas. Ou apenas velhas. De porta e duas janelas. Muitas com porão habitado. Habitado da metade para os fundos,
que, na frente, todos eles foram transformados em lojas, onde se encontra um pouco de tudo.
Num desses meios porões, um alfaiate montou sua pequena oficina. É escura a alfaiataria. Da rua, de passagem, só se descobre a máquina, bem junto da porta larga mas baixa. Là para dentro, costumados os olhos
àquela penumbra, é que se descobre o resto das coisas: uma prateleira e um balcão. Balcão que não passa, afinal, de uma simples mesa. É escura e triste a oficina em que o alfaiate ganha a sua vida. Costurando, pacientemente, os paletós de fazendas
escuras.
Mas há, ali, uma nota de cor. A única que dá um pouco de alegria e de vida à tristeza dos tons de chumbo e ao tram-tram monótono da máquina de costura. São três folhas de um verde brilhante e o vermelho de
uma flor de antúrio. A lata enferrujada, com a planta orgulhosamente espetadinha, grita, em silêncio, a alegria, a glória das cores vivas.
Há coisa de dois ou três dias, o porão pareceu-me morto e triste de vez. A única pincelada alegremente colorida do porão sumira. Uma poeira escura e graxenta cobrira o verde e o vermelho brilhante do pequeno
mas orgulhoso antúrio.
Ontem choveu. Um santo deve ter atendido à reza de um pobre alfaiate. Aos primeiros pingos, duas pernas encarangadas largaram a máquina. Duas mãos cuidadosas levaram a lata enferrujada para o passeio. Tomou
banho e bebeu água o antúrio do alfaiate. Voltou a trazer alegria e descanso a olhos cansados a única nota viva do porão da Luísa Macuco.
Viva! Que para alguma coisa serve a chuva.