A voz chegara num sopro, a medo. Só bons ouvidos a teriam percebido. E o rapaz tinha ouvidos finos. Encolheu-se na poltrona, num movimento instintivo de defesa.
"Nico. É você que está aí?"
Era ele, sim. E ela o sabia muito bem. O muro do jardim era baixo. A trepadeira, desnuda, não encobria a parte lateral do terraço, sem luz, mas suficientemente clareado pelo luar. Ah! Lua abençoada. Respondeu
sem entusiasmo, passando a mão no rosto de barba cerrada. E crescida, apesar de só ter 12 horas.
"Norma não está?" Insistia naquela mania de falar sussurrando.
"Não. Saiu". Como mentir? Toda a vizinhança sabia quando Norma não estava. O silêncio da casa selava, sempre, de forma definitiva, a sua ausência.
"Osvaldo teve que ficar no escritório. Você quer dar uma chegada?"
O convite, na noite calma, aborreceu-o. Mais que das outras ocasiões. No começo, fora interessante. Qual o homem que não gosta de uma novidade? E aquilo até que era divertido. Mas depois a história perdera a
graça. A novidade passara. Nico queria sossego. Principalmente naquela noite. Gostava de sentir a quietude da noite. Quieto ele também. Sem amolação. Porque aquilo, decididamente, já era uma amolação.
Mas foi. Ela estava à espera, não estava? Dona Cota já havia aberto o portão grande. Estava, agora, lá dentro, fechando a casa. A cantarolar. Nico parou um instante no jardim. O perfume da dama da noite era
angustiante. Sufocava-o. Oprimia-o. E entediava-o porque vinha misturado com "Êxtase", do qual a vizinha não fazia economia.
Muito devagar, a contragosto, foi pisando nas pedras irregulares. Sem tocar na grama escura que enchia os intervalos. Mania de criança. Que precisava perder.
O perfume da dama da noite ficou para trás. "Êxtase" era uma tonteira. Nico sentiu enjoo e uma raiva surda contra dona Cota, exigente na sua voz mansa, sempre sussurrada. A resolução veio de repente: "Vou
acabar com isto. Vai ser difícil de explicar". Titubeava. Mas voltou a pensar no sossego que poderia readquirir e criou coragem. Ia ser naquela noite. Já!
Um minuto depois, estacionado o carro junto ao meio fio, Nico explicou à pobre vizinha que ela precisava aprender a dar marcha-a-ré.