Aos diretores do SASC.
Prezados senhores:
Em primeiro lugar peço desculpas por tomar seu precioso tempo. Mas desejo que me dispensem cinco minutos de atenção para compensar a hora que emprego em escrever-lhes estas linhas. Devem os senhores saber que
tempo de mãe de família também é precioso. Daí o esperar sua atenção. Desde já, grata.
O caso é o seguinte: moro numa casa da avenida Francisco Glicério. Meu marido é caixeiro viajante e nunca está em casa para ajudar na criação e educação de um filho que Deus nos mandou. Um menino muito vivo e
peralta chamado Toniquinho. Esse menino, o Toniquinho, acho que só porque o pai nunca está em casa, pensa que deve fazer a mesma coisa. E vive na rua. E eu, por mais conselhos e surras que lhe sapeque, não tenho conseguido prendê-lo em casa. Só
aparece quando tem fome. E na hora de dormir. Que para isso a casa da mãe serve.
Até o ano passado, o meu filho, o Toniquinho, ia prá escola com gosto. Neste ano, a professora do Grupo mudou e ele não gosta da nova. Diz que só passa lição difícil e que é muito "braba. Mas isso não é
razão, não acham? Todas as crianças aguentam, por que é que ele há de ser diferente? Não senhor. Tem que ir pra escola. Tem que aprender. Para ser um cidadão ilustre. Como vossas senhorias, desculpem o elogio assim sem jeito.
Bem. Mas onde eu estava? Ah! Sim. No Grupo. Pois é no Grupo que o Toniquinho não quer estar. Diz que não vai e não vai mesmo. Na hora de ir para a escola, foge para a rua. Largo o meu serviço e vou atrás
dele. Que culpa de mãe relaxada não quero ter. Vou atrás do Toniquinho e sabem onde o danado do meu filho se esconde? Dentro dos canos de água.
Como é que posso tirá-lo de lá. Ele entra porque é pequeno e magro. mas eu, apesar de não ser muito grande, sou um pouco gorda. E não entro por aqueles canos que estão enfileirados por ali. Nem um bambu
alcança o Toniquinho. Já perdeu mais de 20 dias de aula. Como é que posso dar-lhe instrução? E que é que vou dizer a meu marido quando ele chegar?
Requeiro, pois, aos senhores, que, a bem da educação e da instrução, se dignem mandar tirar aqueles canos daqui. As vizinhas disseram que os jornais já reclamaram contra isto. E que os senhores ainda não
fizeram nada. Mas agora, sabendo do caso do Toniquinho, alguma providência os senhores, que são pais de filhos bem alfabetizados, hão de tomar, não é?
Agradece-lhes, desejando muita saudinha a todos, a munícipe assinada - Maria da Silva".