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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 80)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 31 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Buracos

Lydia Federici

Uma rua. Na rua, um buraco.

Buraco que nasceu pequeno e modesto. Mas que, pouco a pouco, foi crescendo. Alargando o diâmetro. Aprofundando-se. Enquanto foi ligeira depressão, ninguém se incomodou. Passageiros descuidados de automóveis e bicicletas recebiam uma sacudida. Praguejavam. E só. Quando, porém, feixes de molas obrigaram motoristas a enfiar a mão no bolso, reclamações violentas exigiram providências. Imediatas.

"Isto é uma cidade ou um trecho da Belém-Brasília?"

As providências chegaram numa bela manhã de sol. Em forma de homens, ferramentas e material. O zum-zum dos operários e o arrastar das enxadas descarregadas do caminhão acordaram a rua. Janelas se abrira. Exclamações saudaram a turma numerosa de consertadores. Bom dia. Bom dia. Adeus, buraco.

Os operários, agrupados, ouviam as determinações do feitor, aparteado por dois sub-feitores que olhavam o buraco e sacudiam a cabeça. Por fim, dois homens, de alavanca pontuda na mão, principiaram a picar o asfalto. Os outros 11 operários encostaram-se ao muro sombreado e puseram-se a examinar, com cuidado, o trabalho ritmado dos dois companheiros.

Quando o asfalto se abriu em pedaços, os homens das alavancas foram substituídos por outros dois que empunhavam picaretas. Quando estes terminaram de picaretar, indo para a sombra, a enxugar o suor que lhes escorria pela fronte queimada, dois outros avançaram e recolheram, para um carrinho, os blocos de asfalto. O dono do carrinho cuspiu nas mãos e levou o entulho para um lado da rua. Vieram os cavocadores. De enxada e pá. Enquanto dois ou três trabalhavam, os outros esperavam, pacientemente, sua vez de entrar em ação. Que isso tudo é muito bem organizado. Cada qual tem sua função específica. E nenhum se mete no trabalho do outro.

Às 10 horas e quinze, o feitor suspendeu o trabalho.

"Hei. Onde é que vão?"

"Hora da boia". Já? Mas o almoço não é às 11? Das 11 às 13?

"É. Mas nós moramos longe. Lá na Caneleira. Se a gente não larga agora, não temos as duas horas de almoço".

Às 13 e 45 voltaram a trabalhar.

Três dias depois, o buraco estava tapado. Como sobrara muito pó de pedra, espalharam o pó branco pela rua. Carros estacionados, jardins, vidraças, viraram paisagem europeia de inverno. Os moradores, sufocados, acabaram varrendo, juntando e dando sumiço àquilo tudo.

Buraco na rua? O povo não exige providências. Espeta um cabo de vassoura, com um trapo pendurado, e pronto. Tudo mundo sabe que ali há perigo. Porque, ruim com buraco, pior, muito pior, com buraco tapado.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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