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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 79)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 30 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Areia

Lydia Federici

Uma carioca bem carioca esteve em Santos. Por dois ou três dias apenas. Que no Rio, como aqui, os patrões têm o mau hábito de exigir a presença, nos escritórios, de seus funcionários.

Morando num apartamento de Botafogo, largou-se, por aqui, numa pensão da praia, perto do canal 5. Frequentadora dominical de todas as praias cariocas, do Leblon às da Ilha do Governador, pegando-se livre, numa hora da primeira manhã santista, não resistiu ao convite do mar calmo e luminoso. Vestiu parte da carne morena com um maiô colorido, besuntou a pele com óleo perfumado, passou a mão no marido dorminhoco e lá foram os dois para a praia.

Atravessando a avenida, a vista de um carrinho amarelo deu-lhe vontade de tomar sorvete. Passou pelo jardim respeitando os canteiros, dividindo o olhar curioso entre a grama aparada e a caixinha de sorvete.

Sentaram-se na areia morna e... ora! deixemo-los em paz. Qualquer cristão brasileiro é livre. Tem direito ao sossego.

Encontremo-los mais tarde. Tostados e felizes. Fazendo, na fala mansa e doce, duas observações realmente interessantes.

"Você sabe que achei a praia tão limpa que não me atrevi a jogar o papel do sorvete sobre a areia? Fiquei com ele na mão, procurando onde deixá-lo".

Ora, carioca gentil! É que você veio fora de temporada. E foi à praia num sábado de manhã. Fosse numa segunda-feira, antes do trabalho das máquinas limpadoras, para ver que lixaria bonita. Até espaguete se encontra. Com molho e tudo.

Essa explicação foi fácil de dar. Qualquer santista a daria, impando de orgulho, desabafando e atirando a responsabilidade da sujeira sobre os visitantes mal avisados dos domingos.

Quanto à segunda observação, pela primeira vez ouvida, que resposta dar?

Quem é que pode explicar por que razão a areia santista não gruda no corpo nem se aninha nas dobras do maiô?

Um técnico talvez diria: "Simples questão de densidade. O grão de areia da praia de Santos é diminuto e pesado. Não aglutina. E, por ser pesado, o mar, em geral calmo, não o traz em suspensão".

Sim. Talvez a razão científica seja essa. Prosaica como a ciência. Mas, estando na praia, mergulhando as mãos, numa carícia na areia macia e morna, sentindo o sol esquentar as costas, aspirando a brisa leve, olhando o céu, percorrendo, de manso, o cume dos morros, vendo o mar de água e o mar de gente, por que não preferir outra explicação?

Qual o grão de areia que teria coragem de abandonar essa beleza toda?

Só se fosse louco.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

31-03-1962  - Lixo nas praias

Nossa colunista Lydia Federici tocou, ontem, em assunto que vale comentar aqui. Não o fazemos pela primeira vez, mas a permanência do mal leva-nos a aproveitar a referência da crônica ao lixo das praias.

Sempre os jornais, inclusive a A Tribuna, têm reclamado contra os resíduos de óleo que, jogados dos navios, vem sujar as águas de beira-mar arrastando as ondas a oleosidade pegajosa para as praias. Isso é um inconveniente muito grande, é o mesmo que proibir o acesso do mar aos banhistas ou a frequência das praias pelos tomadores de banhos de sol. Sem dúvida.

Todavia, é preciso considerar que há uma grande verdade na brilhante cronista quando fala em "lixaria bonita". Se os óleos servidos dos navios nem todos os dias impedem o banho, nem todos os dias engorduram águas e areias, o lixo originado da má educação urbana dos frequentadores das praias é uma coisa inerente, permanente, desses nossos tão agradáveis logradouros públicos.

Claro que o monturo aumenta nas temporadas, mas é, pelo menos, presente em todos os domingos e feriados, principalmente. Se o público não quer educar-se, apesar de velho "habitué" do Gonzaga, do José Menino e do Boqueirão, as autoridades estão obrigadas não somente à campanha educativa, como a fazer com que as máquinas varredoras permaneçam em frequente atividade.

Com a educação do povo, aquilo que disse a banhista forasteira - "não me atrevi a jogar o papel do sorvete sobre a areia" - seria corrigido para "não me sinto capaz de ofender a beleza natural, atirando à praia uma casca de banana". Isso, sim, que é saber dar valor ao bonito da natureza, bonito que se deve respeitar como os religiosos respeitam os seus santos. A natureza, também, é para não ser profanada, se se fala tanto em "culto" da natureza. Se a praia é lugar tão admirável, como vamos transformá-la em Chico de Paula?

Este assunto lembra outro, igualmente antigo: o da construção de balneários em Santos. Com a existência destes, com certeza seria mais fácil controlar os maus costumes públicos, tanto mais que ela obrigaria a uma fiscalização que hoje não se tem. Afinal, por que não se fazem os balneários, se eles até dariam renda aos cofres municipais!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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