Não se preocupa em olhar o mar. Vinha observando-o durante todo o trajeto do bonde pela praia. Estava bom. E, caso não estivesse, seria a mesma coisa.
Do bolso da calça de brim tira um saquinho de plástico. Que abre e deixa sobre o paredão de cimento que o sol ainda escalda. Ajusta o caniço, sacode-o, ouve com prazer o silvo agudo. Experimenta a carretilha,
examina a laçada do anzol minúsculo. Do saquinho de plástico tira uns camarões, surrupiados da cozinha, quando a mãe estava de costas, com certeza. Com a unha estraçalha um sete-barbas, espeta um pedaço diminuto no anzol, camuflando, com cuidado, a
ponta enganadora.
Só então examina aquele pedaço de mar calmo. Escolhe, não se sabe por que capricho, o lugar onde vai atirar a isca e, num movimento preciso, faz o anzol percorrer o ar, arrastando a linha fina de nylon, até o
mergulho silencioso no canto de água previamente determinado.
E lá fica ele, de pé, encostado ao paredão, durante horas e horas. De vez em quando, muda o peso do corpo de um para outro pé. Muitas vezes recolhe a linha. Para recolocar mais uma lasca de camarão. Que os
peixes roubam sem abocanhar o anzol. Não se impacienta. Sabe que um acabará ficando preso. Há sempre algum peixe meio bobo no mar.
Chega a pescar? Claro que sim. Se está de caniço é que está pescando.
Mas pega peixe? Às vezes, sim. Às vezes sete centímetros de prata arquejante balança no ar e chega, carretilhada com emoção, até as mãos felizes do pescador. Um peixe que ele comerá ao jantar, Pondo os olhos
em branco. O melhor peixe do mundo. Nunca provou outro mais saboroso.
E assim fazem todos os pescadores de paredão da Ponta da Praia. Grandes e pequenos. Dos sete aos setenta e sete anos. Com um pedaço de bambu e anzol de alfinete ou caniço flexível e cantante de carretilha. E
anzol japonês.
Da manhã até o anoitecer, em todos os sete dias da semana, o paredão da Ponta da Praia é escorado pelos corpos pacientes de centenas de pescadores. Que só têm olhos para ver o pedaço de água em que atiraram
seus anzóis. Que só têm vida nas mãos sensíveis que esperam o puxão de um inexperiente e desavisado peixinho. Observe-os à vontade. Mas não queira puxar conversa. Será inútil. Naquela hora, são pescadores. Olhos, mãos e paciência. Só depois,
abandonado o paredão, é que movimentarão as línguas. Para contar histórias de sete peixes, com sete vezes sete centímetros de comprimento e sete quilos de peso.