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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 77)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 28 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Ponta da Praia

Lydia Federici

Não sei bem. Mas acho que a Ponta da Praia, para o santista, é um canto ou recanto de saudade. De que outra forma explicar, nas tardes tranquilas, tanta gente, de mãos dadas, a olhar para o mar?

O paredão de cimento bordado que vai do velho Hotel Carlino até o pontão do Ferry-Boat, segurando, de um lado, o mar, e do outro, crianças, moços e velhos, deve ter sido feito com massa imantada. Dia mais, dia menos, não há quem, em sua amurada de cimento áspero, nele não se debruce.

É lógico que as crianças ali vão para sonhar. Querem a Ponta da Praia pela pipoca dos carrinhos, pelo mar que escachoa, manso, contra as pedras, dando-lhes medo, por um ou outro barco que passa levantando marola. Teimam em ir até lá por espírito de contradição. Fazem tudo que as mães assustadas gritam que não façam: trepam na amurada, balançam o corpo para fora; para ver como boia a caixinha de sorvete; como balança, com graça, a pipoca muito branca.

Com a gente moça, os motivos são outros. A Ponta da Praia, embora nunca deserta, é um lugar de paz. Que convida a sonhar. E onde, tomados todos pela mesma ânsia, ninguém perde tempo reparando no sonho dos outros. O rapaz encosta no paredão, a moça encosta no rapaz e ali ficam os três, quietos, olhando o mar. Sussurrando falas doces como as do mar. Para esses moços a Ponta da Praia já funciona como recanto de saudade. Da saudade que um dia sentirão.

São os casais de cabelos brancos, os homens sós de pele flácida, as senhoras de braço dado com as amigas, que os anos engordaram ou enrugaram, que constituem, entretanto, a verdadeira paisagem humana daquele canto de praia sem areia. Podem chegar agitados,. Mas saem sempre tranquilos. As mãos rugosas unidas com muito carinho.

Sai um navio de bandeira portuguesa? Vá lá ver, meu amigo, como se enchem com lágrimas brilhantes os olhos do português de camisa esporte, com manga pelo cotovelo e, como passa o lenço pela boca, a velha senhora portuguesa de brincos de ouro. Que é aquilo? Ora, nada. Só a alegria de ver um pedacinho de sua terra. E um poucocinho de saudade que bateu um pouco mais forte.

Para disfarçar a emoção, param diante de um pescador que, no passeio, sobre uma folha aberta de jornal, esparramou alguns quilos de camarão.

"A quanto? Está doido, homem. Não somos turistas. Somos daqui, sim senhor".

Discutem amigavelmente. E levam ou não. No jantar comem camarões fritos. São pesados? Não com vinho. Com um bom copo de vinho verde. E se não tiverem comprado, amanhã, "hein Maria"? voltarão à Ponta da Praia.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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