O paredão de cimento bordado que vai do velho Hotel Carlino até o pontão do Ferry-Boat, segurando, de um lado, o mar, e do outro, crianças, moços e velhos, deve ter sido feito com massa imantada. Dia mais,
dia menos, não há quem, em sua amurada de cimento áspero, nele não se debruce.
É lógico que as crianças ali vão para sonhar. Querem a Ponta da Praia pela pipoca dos carrinhos, pelo mar que escachoa, manso, contra as pedras, dando-lhes medo, por um ou outro barco que passa levantando
marola. Teimam em ir até lá por espírito de contradição. Fazem tudo que as mães assustadas gritam que não façam: trepam na amurada, balançam o corpo para fora; para ver como boia a caixinha de sorvete; como balança, com graça, a pipoca muito
branca.
Com a gente moça, os motivos são outros. A Ponta da Praia, embora nunca deserta, é um lugar de paz. Que convida a sonhar. E onde, tomados todos pela mesma ânsia, ninguém perde tempo reparando no sonho dos
outros. O rapaz encosta no paredão, a moça encosta no rapaz e ali ficam os três, quietos, olhando o mar. Sussurrando falas doces como as do mar. Para esses moços a Ponta da Praia já funciona como recanto de saudade. Da saudade que um dia sentirão.
São os casais de cabelos brancos, os homens sós de pele flácida, as senhoras de braço dado com as amigas, que os anos engordaram ou enrugaram, que constituem, entretanto, a verdadeira paisagem humana daquele
canto de praia sem areia. Podem chegar agitados,. Mas saem sempre tranquilos. As mãos rugosas unidas com muito carinho.
Sai um navio de bandeira portuguesa? Vá lá ver, meu amigo, como se enchem com lágrimas brilhantes os olhos do português de camisa esporte, com manga pelo cotovelo e, como passa o lenço pela boca, a velha
senhora portuguesa de brincos de ouro. Que é aquilo? Ora, nada. Só a alegria de ver um pedacinho de sua terra. E um poucocinho de saudade que bateu um pouco mais forte.
Para disfarçar a emoção, param diante de um pescador que, no passeio, sobre uma folha aberta de jornal, esparramou alguns quilos de camarão.
"A quanto? Está doido, homem. Não somos turistas. Somos daqui, sim senhor".
Discutem amigavelmente. E levam ou não. No jantar comem camarões fritos. São pesados? Não com vinho. Com um bom copo de vinho verde. E se não tiverem comprado, amanhã, "hein Maria"? voltarão à Ponta da Praia.