GENTE E COISAS DA CIDADE Eusébio
Lydia Federici
Apareceu. Vindo, com certeza, de algum lugar do céu. Como chegou, ninguém sabe. Dona Amália descobriu-o, pouco depois do almoço,
parado e infeliz, no canteiro grande de grama recém cortada. Olhou-o de perto. Parecia doente. Com os olhos pretos lacrimejantes. Jururu de dar pena.
"Não, meu filho. Aí é que você não pode ficar. Os moleques vão encher o jardim de pedras. amos lá para os fundos".
E enxotou-o para o fundo do quintal, falando com mansidão a fim de não assustar o pobre bicho doente. E ele foi. Muito devagar, titubeante, mas foi.
"Você deve estar com fome, não?" Foi buscar comida. "Coma. Comendo você melhora". E ele comeu. Tudo. Tateando o chão com o bico. Devia estar bem ruim da vida o pobre bicho. Mas, comendo, melhoraria. Para dona
Amália, fraqueza e doença é uma simples questão de comida. Comeu bem, melhorou.
À noite, empoleirou-se num telheiro. No dia seguinte, pulou para o quintal do vizinho. Foi um grande erro seu. Laike, pequenina mas valente, quase o estraçalha. Se o doutor Armando não vem ver a barulheira,
era uma vez esta história. Para compensá-lo do susto, o vizinho também lhe deu comida e mandou-o para o outro lado do muro. Lá, o jardim era grande e sossegado. E foi assim que ele viveu uns dias. Recebendo comida, apanhando sol, dormitando sob a
sombra tranquila das árvores. Descansando, à noite, sobre um tronco cortado, bem a jeito. Só um perigo poderia preocupá-lo: a gata Matusquela. Mas essa vivia de estômago cheio e estava muito atarefada, naquelas noites de meia lua, a pesar as
possibilidades de cinco ardorosos e miaulentos apaixonados seus.
O fato é que comida farta e sossego conseguiram transformar Eusébio - ganhara nome, sim, que naquela casa tudo é batizado - num ex-doente. A coriza desapareceu, seu peito preto perdeu a aguda magreza e as
asas, novamente fortes, levaram-no a pequenos ensaios aviatórios. Nada de exageros. Simples pousos sobre os telhados da vizinhança. Mas era só ver dona Amália pelo jardim e, pronto, lá vinha ele, num desliza planado, a lembrar-lhe que estava com
fome. Ficou tão confiado que se atrevia a chegar até a porta da cozinha.
Um belo dia, sumiu. Voltou, com certeza, a rodar pelo céu. Pelo mesmo céu de onde, doente, tinha vindo. E em cuja amplidão azul, são e feliz, quisera voltar a voar.
Na casa de jardim grande, dona Amália sentiu falta de Eusébio. Era uma coisa feia. Mas era o Eusébio de quem ela cuidara. E que, ingratamente, sem um "obrigado", se fora. Mas ontem, Eusébio voltou. Dando-lhe
carne, dona Amália, emocionada, mostrou-mo. Deus! Que urubu pavoroso!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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