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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 74)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Carrinhos

Lydia Federici

Quase não se repara na nova mania ambulante que anda por aí.

É que foi acontecendo aos poucos. Em cada temporada, uma novidade. A somar-se a outras que haviam surgido muito de manso. Todas elas aceitas sem espanto. Com naturalidade. Porque, para o estômago, comer e beber são coisas naturais. E, infelizmente, imprescindíveis. Se bem que isso que, agora, anda por aí, a tentar-nos em cada esquina, sejam apenas gulodices.

E, com isso tudo, anda mais bonita a cidade. Reparem só.

No começo, na cidade ou na praia, eram os cestos. Principalmente de maçãs coradas. Cestos que ficavam pousados sobre o chão, parados. Tentando, com o vermelho lustroso, tanto os atarefados comissários da Rua XV como as famintas crianças que faziam castelos e bolinhos de areia, na praia do Gonzaga.

À noite, numa das esquinas da Senador Feijó, era o homem da lata quente de salsichas e do cesto fundo de pães macios. Que cachorro-quente gostoso, Deus meu. Na Praça Independência, eram as pretas dos tabuleiros. Com o fogareiro de lata esparramando calor, o bife provocando apetite novo até nos que haviam acabado de jantar.

Eram os cestos de pipoca, paçoca e amendoim torradinho. Era o tubo comprido do dilim-dilim. Os tabuleiros de cocada. Branca e queimada. Hum.

Mas nada disso marchava sobre rodas. Era quase que um comércio estático, embora sendo tipicamente de rua. Um dia, porém, principiaram a surgir os carrinhos. Aquele grande que, chiando, fazia o doce e branco algodão. Sempre com gosto de querosene. Culpa da lâmpada que iluminava a engenhoca chieira. Veio o caminhão da garapa, o único motorizado, a roncar grosso com a moagem da cana. A pipoca saiu do cesto. Ganhou carrinho. Alto, estreito, desengonçado.

E um belo dia, invenção norte-americana, surgiu o carrinho amarelo de sorvete. Novidade absoluta. Carrinho grã-fino, com rodas pneumáticas, baixo e elegantemente bojudo. O modelo, típico, passou, então, a realmente enfeitar a cidade. O mau gosto dos carrinhos de pipoca, a armação desengonçada dos churros e pasteis, foi contrabalançada pela elegância alegremente colorida dos carrinhos amarelos e laranja dos sorvetes, pelo vermelho e pelo verde das bebidas que os americanos nos impingiram.

Toma-se mate em carrinho. Bebe-se laranjada ambulante. Até o cachorro-quente anda sobre rodas de borracha.

Com isso tudo, surgindo aos poucos, as esquinas, praças, praias e ruas da cidade estão lindas. Coloridas. Alegres. Carrinhos fazem fila. Carrinhos desviam-se de carrinhos. Só nós é que deles não conseguimos escapar. Principalmente quando rebocamos crianças. Haja bolso recheado, meu Deus!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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