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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 72)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 22 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Bondes

Lydia Federici

Não serão muitos, infelizmente, os santistas que pegaram o tempo do bonde puxado a burro. Os de mais de 60 anos, entretanto – benza-os Deus – dele ainda hão de lembrar-se. Era um bonde pequenino, leve, curto, andando sobre trilhos plantados no areão, sobre uma cama de dormentes. Trilhos de bitola estreita, sobre os quais, quando o burrico estava bem disposto, o bonde chacoalhava de assustar. Pegar o bonde, naquela época, era fácil: simples questão de paciência. Só esperar. O difícil era chegar. Se o burro cismasse – e burro é cismador – e desse de não querer andar, chegava-se ao destino, sim. Mas não de bonde.

Um dia, eletrificada a linha para o José Menino, os burros aposentaram-se. Alguns. Que outros continuaram a puxar bonde até a eletrificação total das diversas linhas. Mesmo depois que isso sucedeu, alguns mansos e gordos burricos ainda ganhavam o seu milho diário movimentando os reboques que, nas horas de maior movimento, eram engatados aos bondes elétricos. Ex-alunos do Luso-Brasileiro devem lembrar-se do burro que passava o dia naquele desvio lá em cima da Conselheiro Nébias, perto do José Bonifácio.

Bonde de Santos sempre foi famoso. Pela limpeza, por não dançar exagerado, pela campainha e pela cortesia de motorneiros e cobradores da City. Todos eles, com raras exceções, vindos da boa terra de Portugal. Tendo de lá trazido a calma e o sossego proverbiais dos campesinos, o bom humor dos simples, o trabalho consciencioso, calado e gentil dos que gostam de trabalhar. Com amor.

Cobrador, nesse tempo, lembrava aos que, distraídos, liam o jornal:

"Passagem, se me faz o favoire". Era quase um pedido de desculpa pela interrupção. Nenhum se atrevia a dar o sinal de partida antes das senhoras se haverem acomodado. que elas podiam magoar-se, pois sim senhor.

Quando a mãe de família tocava a campainha, o cobrador saía de lá de traz, da plataforma, onde separava as moedas de 200 e 400 réis, de 500, de mil réis e de tostão, distribuindo-as pelos bolsos do colete e paletó, e vinha, correndo, ajudar as crianças a pisar o chão firme. O motorneiro, por mais que demorasse o apito de seu companheiro, nunca se punha a tilintar, com o pé impaciente, a antipática campainha de apressamento.

Vinha um senhor correndo no meio da quadra? O bonde esperava. Ninguém reclamava. E o motorneiro, sorridente, tocava a pala do boné, em resposta ao agradecimento meio sem fôlego do passageiro atrasado.

Os bondes tomavam seu banho diário na estação da Vila Matias. De manhã,os passageiros ainda encontravam o chão úmido. E limpo de dar gosto. As sanefas subiam e desciam a um simples puxão. E ficavam paradas, firmes, em qualquer altura, tentasse o bonde sacudir quanto quisesse. A campainha de parada, no topo de cada coluna, funcionava sempre. Se, por acaso, falhasse, no dia seguinte já estava em ordem. Lembram-se?

E por hoje, a contragosto, desço aqui.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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