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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 71)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 21 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Padaria Honesta

Lydia Federici

Quantas padarias há em Santos?

A resposta não vem ao caso. Que o número atinja a casa da centena ou que o ultrapasse, não importa. O essencial é saber-se que, de milhares de compradores, fregueses de uma ou de outra padaria, não há um que, sopesando o pacote ou mordendo um naco de pão comum, se sinta satisfeito com a compra. A grita, mais ou menos interna, é geral.

É claro que a balança de alguns padeiros funciona menos avaramente que a de outros. Como é evidente que algumas padarias fazem um pão de farinha menos misturada que a de outras. Por que a diferença? Ninguém sabe. Só os padeiros, talvez.

Havia, há pouco tempo, uma padaria santista, pequena e modesta – uma das raras, raríssimas – em que o pão cozido acusava sempre o peso certo. Se era um filão de 250 gramas não havia dúvida: pesava,na balança, 250 gramas. Como acontecia o milagre, ninguém procurava saber. Todos abençoavam-no. Como abençoavam a gostosura do pão, de casca fina e dourada e miolo branco e macio. Na hora do forno se abrir, havia fila na padaria. Fila cada vez mais comprida. Porque, afinal, o povo ainda não perdeu a faculdade de descobrir o que é bom.

Um belo dia, o forno da padaria, não sei por que castigo, deu de arder em lugar errado. Torrou no lugar certo e ainda por dentro e por fora. Incendiou-se todo, queimando a fornada até há pouco tão cheirosa, assustando a vizinhança, logrando os fregueses habituais.Naquele dia, nãohouve pão. Mas no dia seguinte haveria. Usariam o forno de outra padaria. O suprimento continuaria normalmente. Até aprontarem o novo forno.

Pois sim. Houve pão. Mas não era o mesmo. A média, diminuta, valia um tostão. O miolo, escuro, desigual, nem isso. E os fregueses, com saudades, torciam o nariz e perguntavam:

"Quando vai ficar pronto o novo forno?"

E alguns, mais corajosos, reclamavam contra o pão pequeno e ruim. Mas nenhum deixou de procurar a mesma padaria. Sempre com a esperança de que o novo forno ficasse pronto para fazer o pão de peso certo e farinha branca.

Foi um erro essa solidariedade dos fregueses. O padeiro descobriu que, bom ou ruim, não sobrava pão no balcão. E quando o forno novo começou a esquentar os fundos da padaria, ai! Ai!, nada voltou a ser como era.

Lá se foi a padaria honesta que cozinhava pão de farinha boa e dentro do peso certo. De onde se conclui que honestidade não é uma questão de princípio e sim de ignorância. Prova-o, comercialmente, essa história da antiga padaria honesta. Que foi honesta só até a hora em que percebeu que podia, impunemente, burlar as leis.

Não dá vontade de chorar?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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