GENTE E COISAS DA CIDADE Padaria Honesta
Lydia Federici
Quantas padarias há em Santos?
A resposta não vem ao caso. Que o número atinja a casa da centena ou que o ultrapasse, não importa. O essencial é saber-se que, de milhares de compradores, fregueses de uma ou de outra padaria, não há um que, sopesando o pacote ou mordendo um naco
de pão comum, se sinta satisfeito com a compra. A grita, mais ou menos interna, é geral.
É claro que a balança de alguns padeiros funciona menos avaramente que a de outros. Como é evidente que algumas padarias fazem um pão de farinha menos misturada que a de outras. Por que a diferença? Ninguém sabe. Só os padeiros, talvez.
Havia, há pouco tempo, uma padaria santista, pequena e modesta – uma das raras, raríssimas – em que o pão cozido acusava sempre o peso certo. Se era um filão de 250 gramas não havia dúvida: pesava,na balança, 250 gramas. Como acontecia o milagre,
ninguém procurava saber. Todos abençoavam-no. Como abençoavam a gostosura do pão, de casca fina e dourada e miolo branco e macio. Na hora do forno se abrir, havia fila na padaria. Fila cada vez mais comprida. Porque, afinal, o povo ainda não perdeu
a faculdade de descobrir o que é bom.
Um belo dia, o forno da padaria, não sei por que castigo, deu de arder em lugar errado. Torrou no lugar certo e ainda por dentro e por fora. Incendiou-se todo, queimando a fornada até há pouco tão cheirosa, assustando a vizinhança, logrando os
fregueses habituais.Naquele dia, nãohouve pão. Mas no dia seguinte haveria. Usariam o forno de outra padaria. O suprimento continuaria normalmente. Até aprontarem o novo forno.
Pois sim. Houve pão. Mas não era o mesmo. A média, diminuta, valia um tostão. O miolo, escuro, desigual, nem isso. E os fregueses, com saudades, torciam o nariz e perguntavam:
"Quando vai ficar pronto o novo forno?"
E alguns, mais corajosos, reclamavam contra o pão pequeno e ruim. Mas nenhum deixou de procurar a mesma padaria. Sempre com a esperança de que o novo forno ficasse pronto para fazer o pão de peso certo e farinha branca.
Foi um erro essa solidariedade dos fregueses. O padeiro descobriu que, bom ou ruim, não sobrava pão no balcão. E quando o forno novo começou a esquentar os fundos da padaria, ai! Ai!, nada voltou a ser como era.
Lá se foi a padaria honesta que cozinhava pão de farinha boa e dentro do peso certo. De onde se conclui que honestidade não é uma questão de princípio e sim de ignorância. Prova-o, comercialmente, essa história da antiga padaria honesta. Que foi
honesta só até a hora em que percebeu que podia, impunemente, burlar as leis.
Não dá vontade de chorar?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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