GENTE E COISAS DA CIDADE Orquidário
Lydia Federici
Para os turistas estrangeiros é visita obrigatória. E admirativa. Nos últimos meses do ano, quando principia a floração de várias espécies
de orquídeas, o parque murado, cheio de cor e de formas caprichosas, enche-se também das mais variadas exclamações, gritadas no gutural alemão ou num italiano cantante e simpaticamente exuberante. Entusiasmo que só raros visitantes citadinos acham
exagerados, habituados que estão, desde a infância, a ver pingos de ouro ou lélias purpuradas.
O caso é que aquela gente, de máquinas fotográficas a tiracolo, sempre ouviu falar em orquídeas. Mas nunca as viu. Daí o encantamento diante das flores de veludo e de cetim, lisas como cera, tiotadas como rendas.
Os visitantes do interior, de Santos, o que querem é a praia e o mar. Pode ser que algum casal de cabelos brancos, passando pelo portão, se sinta atraído pela frescura da pérgula de entrada. Pode ser que, diante do convite mudo do guarda, os dois
velhos cansados entrem e se ponham a passear pelo parque. Se fizerem isso, uma coisa é certa: saem de lá de mãos dadas, esquecidos do fastio da vida em comum. Sentindo uma ternura que há muito não lhes esquentava os corações.
O santista, de um modo geral, não liga para o seu Orquidário. Poucos, bem poucos, se dão ao trabalho de sair dos seus bairros para gozar, naquele canto do José Menino, uma hora de encantamento. Pudera! Nesse corre-corre de hoje, quem pode dispor de
uma hora para receber um banho simples e bom de natureza? A alma que se distraia, danando-se num bar, à espera da hora da cabeleireira, ou num cinema com uma pobre fita de colorido mentiroso. Orquidário? Está em floração? Amanhã vou ver se vou. E
esse amanhã nunca chega.
Quem aproveita a sombra fresca das paineiras é o pessoal de lá mesmo. Das redondezas. Há sempre mãezinhas novas a passear, pelos caminhos, o carrinho guinchante de bebês felizes. Há avós carregados, empurrados, surrados pelos netos, netos que
querem ir jogar pão para os marrecos do lago. Há namorados que lá vão esconder o seu eterno cruzar e descruzar de dedos.
Orquídeas? Que orquídeas? Ah! Sim. Muito bonitas.
Mas há sempre alguém que sabe ver. E sentir. E que, ao sair da estufa colorida e perfumada, diz com emoção:
"Obrigado, meu Deus. Obrigado por isso tudo e pelos meus olhos que veem".
Foi o maior elogio que ouvi de alguém que saía da estufa onde se realia mais uma exposição de orquídeas e plantas ornamentais.
- Ly
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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