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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 59)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 4 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Confusão

Lydia Federici

Rita ganhou um Volks. Ou melhor: o marido comprou. Para a família. Mas o carro é de Rita. Que é, com suas andanças de dona de casa, quem dele realmente necessita. É ela que o limpa e lustra. Todo dia. E, como só mulher é que sabe, realmente, onde se esconde o menor grão de poeira, o Volks amarelinho é o carro mais reluzente da cidade. Brilha tanto que ofusca.

Há anos que Rita possui carta de habilitação. Mas, sem treino, ficou, no primeiro dia, ao lado do marido, a observar como ele engatava as marchas. Vinte e quatro horas depois, alvoroçada, tomou conta do carro. Andou pelas ruas de pouco movimento. Andando 50 metros e parando. Até automatizar os movimentos. Penou um pouco para aprender a sair maciamente. Suou muito para encostar no meio fio, na medida exata, sem raspar os pneus. Vê lá!

Para evitar aperturas, naquele primeiro dia e nos dias subsequentes, ia sempre devagar. A cada esquina, buzina. E, quer estivesse na preferencial ou não, pé no breque. Está doido? Há tanto louco por aí.

E assim, logo, logo, Rita adquiriu prática. E segurança. Se bem que, ainda hoje, seu coração sempre salte quando um ônibus, atrás ou do lado, faz estremecer o Volks dos seus amores.

Depois de dois meses ao volante, só uma coisa ainda atrapalha o desembaraço de Rita. É o querer adivinhar o que os outros carros vão fazer. Para poder prevenir, com folga, qualquer situação apertada. No mais, a moça se desembrulha perfeitamente. Conhece as ruas que dão mão, sabe onde pode estacionar: é até capaz de dizer, de cor, onde estão as sinaleiras, onde ficam os guardas, de dia e de noite, e onde estão os buracos ou valetas das ruas mais comumente percorridas.

Na última semana, entretanto, ao levar o marido para a cidade, recebeu uma boa e estridente apitada de um guarda. Estacou, assustada. O capacete-branco apontou-lhe o poste de sinalização. Entrara com o sinal fechado. O guarda sacudia o dedo. Rita encabulou.

"Eu nem sabia que isso estava aí. Olhei, não vi nada, entrei". O marido sorriu, compreensivo. Nem ele reparara. Mas agora era preciso prestar atenção. A esquina tinha dono. Com três olhos autoritários.

Rita tomou nota. Conselheiro Nébias e Epitácio Pessoa. Sinaleira automática. Custou um pouco para habituar-se à modificação. Mas aprendeu. Chegava ali, olhava e obedecia. Às vezes, não havia nada no cruzamento. Nem indo, nem vindo. Mas Rita obedecia ao olho vermelho. Era chato. Mas era a lei.

Na 5ª feira, o Volks chegou na esquina e parou. O sol batia em cheio nos vidros coloridos. Brilhavam os três, com intensidade igual. E agora? Qual estaria realmente aceso. Não conseguia perceber. Ficou um minuto à espera, ouvindo buzinas impacientes,vendo os carros entrarem de todos os lados. A sinaleira não funcionava. Estava ali para dar confusão?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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