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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 58)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 3 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

As sandálias de Rosinha

Lydia Federici

Rosinha é o tipo da moça que enfeita a cidade. Qualquer cidade. Felizmente, vive em Santos. Para regalo de todos os olhos que a veem.

Não é uma beleza. Mas quem assiste, embora pela televisão, aos desfiles de Miss Brasil, no Maracanãzinho, pode jurar que muitas candidatas, muito menos bonitas, já passearam por lá.

O encanto principal de Rosinha está no ser mulher. Mulher feminina, frágil, graciosa, meigamente sorridente, que desperta, no mais incivil dos homens, o desejo de proteção, de gentileza, de cavalheirismo.

Rosinha trabalha num banco. E é eficiente. Merece bem o seu ordenado. Ordenado que gasta em coisas bonitas que ajudam a embelezar-lhe a figura graciosa. Mas o que vale, mesmo, em Rosinha, é o seu jeito de ser. Perto dela pode passar outra moça coberta de seda italiana, emberlocada de colares checos, perfumada a Caron. Mas o que os homens veem e gostam de ver são os cabelos pretos de Rosinha, o seu meio sorriso malicioso, terno, acariciante.

Quem olha para Rosinha pode dizer que viu, naquele dia, coisa bonita.

De salto alto, em passos miúdos, chega a ter certa altivez, certa nobreza. Que lhe vem, principalmente, da postura sempre ereta dos ombros. Da cabeça erguida com grande natural. De salto raso, é toda uma dança. Da cabeça aos pés. Dançam os cabelos pretos, ondula a saia rodada, balançam, rápidos e lépidos, os pés diminutos e bailarinos.

Conhecida a Rosinha, imaginem o que não aconteceu na Praça Mauá, numa tarde de chuvarada violenta e inesperada, naquela hora em que, acendidas as luzes, meia cidade trabalhadora espera condução.

Ela vinha saltitante, um cinto justo cortando-lhe a cintura fina. Molhada, como todos, dos cabelos aos sapatos. Sapatos, não. Rosinha naquele dia estreava um par de sandálias douradas. Todo o lado de cá da praça olhava a moça a atravessar a rua, os pés cobertos pela água. Engraçado? Não. Um encantamento o seu jeito de arrastar os pés na água suja. Perto do meio fio.

Rosinha parou de repente. Pulou para a calçada, virou-se e olhou para um dos pés. A enxurrada arrancara-lhe uma das sandálias. Sua aflição era tão grande que diversos rapazes saíram da fila. Afobados. Aflitos também. E, na água escura que corria, mergulharam mãos e mangas de paletó. Como deixar aquela moça sem sandália?

A sandália foi achada. Rosinha ficou feliz e mais felizes se sentiram todos aqueles pescadores. Nenhum se lembrou de amaldiçoar a chuva ou a insuficiência das galerias pluviais desta cidade alagadiça.

Uma vez que não se consegue ou não se pode solucionar o problema do alagamento de Santos-Veneza, por que não se põe, em cada esquina, em cada rua, para distração de todos, uma Rosinha. A perder a sandália?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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