GENTE E COISAS DA CIDADE As sandálias de Rosinha
Lydia Federici
Rosinha é o tipo da moça que enfeita a cidade. Qualquer cidade. Felizmente, vive em Santos. Para regalo de todos os olhos que a veem.
Não é uma beleza. Mas quem assiste, embora pela televisão, aos desfiles de Miss Brasil, no Maracanãzinho, pode jurar que muitas candidatas, muito menos bonitas, já passearam por lá.
O encanto principal de Rosinha está no ser mulher. Mulher feminina, frágil, graciosa, meigamente sorridente, que desperta, no mais incivil dos homens, o desejo de proteção, de gentileza, de cavalheirismo.
Rosinha trabalha num banco. E é eficiente. Merece bem o seu ordenado. Ordenado que gasta em coisas bonitas que ajudam a embelezar-lhe a figura graciosa. Mas o que vale, mesmo, em Rosinha, é o seu jeito de ser. Perto dela pode passar outra moça
coberta de seda italiana, emberlocada de colares checos, perfumada a Caron. Mas o que os homens veem e gostam de ver são os cabelos pretos de Rosinha, o seu meio sorriso malicioso, terno, acariciante.
Quem olha para Rosinha pode dizer que viu, naquele dia, coisa bonita.
De salto alto, em passos miúdos, chega a ter certa altivez, certa nobreza. Que lhe vem, principalmente, da postura sempre ereta dos ombros. Da cabeça erguida com grande natural. De salto raso, é toda uma dança. Da cabeça aos pés. Dançam os cabelos
pretos, ondula a saia rodada, balançam, rápidos e lépidos, os pés diminutos e bailarinos.
Conhecida a Rosinha, imaginem o que não aconteceu na Praça Mauá, numa tarde de chuvarada violenta e inesperada, naquela hora em que, acendidas as luzes, meia cidade trabalhadora espera condução.
Ela vinha saltitante, um cinto justo cortando-lhe a cintura fina. Molhada, como todos, dos cabelos aos sapatos. Sapatos, não. Rosinha naquele dia estreava um par de sandálias douradas. Todo o lado de cá da praça olhava a moça a atravessar a rua, os
pés cobertos pela água. Engraçado? Não. Um encantamento o seu jeito de arrastar os pés na água suja. Perto do meio fio.
Rosinha parou de repente. Pulou para a calçada, virou-se e olhou para um dos pés. A enxurrada arrancara-lhe uma das sandálias. Sua aflição era tão grande que diversos rapazes saíram da fila. Afobados. Aflitos também. E, na água escura que corria,
mergulharam mãos e mangas de paletó. Como deixar aquela moça sem sandália?
A sandália foi achada. Rosinha ficou feliz e mais felizes se sentiram todos aqueles pescadores. Nenhum se lembrou de amaldiçoar a chuva ou a insuficiência das galerias pluviais desta cidade alagadiça.
Uma vez que não se consegue ou não se pode solucionar o problema do alagamento de Santos-Veneza, por que não se põe, em cada esquina, em cada rua, para distração de todos, uma Rosinha. A perder a sandália?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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