Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d055.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/15/15 14:52:43
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 55)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 28 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Serpentina

Lydia Federici

Aconteceu no domingo, no Boqueirão. Depois do desfile de Dona Dorotéia.

Nas varandas dos arranha-céus iluminados, olhos continuavam a olhar para a avenida invadida pelo povo. Mães aflitas chamavam Zé Carlos, Mariazinhas e Tonicos. As crianças, entusiasmadas, catavam montes de serpentinas, atiravam-nos para o ar, batiam palmas e saracoteavam como os alas do "Dengosas". As pernas finas tricotavam os passos de um frevo cujo ritmo só seus ouvidos infantis continuavam a ouvir.

Na confusão calma da gente que se afastava, cansada, só as crianças continuavam o seu Carnaval. E como ficavam bravas quando os dedos de aço das mães as imobilizavam, arrancando-as, num safanão, de junto do meio-fio onde juntavam as fitas coloridas.

"Vamos embora. Já é noite. Não vê que o desfile acabou?"

Sim. Mas só agora é que havia espaço para pular. E brincar.

Duas mãozinhas gordas atiram para o alto um punhado de confete. Catado do chão. As palhetas coloridas sobem com lixo e poeira. E caem sobre o cabelos laqueados de uma morena gorda, que procurava juntar o bando de filhos.

"Para com isso, Neco. Não está vendo que está sujo?"

Neco vê o último confete pousar no chão. Olha para as mãos, enviesa um olhar para a mãe, cruza os braços nas costas. E quando a morena passa a mão no 4º filho, Neco, com um sorriso, limpa as mãos gorduchas nas calças amarelas. E dá um chute numa bola de serpentina. Vê que ele ia perder a ocasião.

"Moça. Me dá essa coisa?" É uma baianinha de olhos pretos e cabelos encaracolados. Com o dedo aponta o que quer. Uma ventarola que a moça levava junto a outras. Como negar-lhe coisa tão simples. A ventarola muda de dona. A criança sai pulando. Volta meio minuto depois.

"Me dá outra? É pra minha irmã". Explica e fica com a mão estendida, À espera. Ganha outra ventarola. E sai nos mesmos pulos alegres. Sacudindo o leque de papelão mole. Volta a pedir pela terceira vez. É pra outro irmão. Mas a moça não dá mais. Sua família também é grande, que diabo. A menina afasta-se de manso. Sem pular.

No palanque, vazio, uma preta de vestido de seda azul vasculha o chão. Descobre duas, três serpentinas ainda enroladas. Agarra-as com sofreguidão. Quando descobre que a observam, sorri, mostrando os dentes brancos. É um sorriso meio encabulado.

"Gente pobre é assim. Pega o que encontra".

Não. Depois da alegria de dona Dorotéia, essas cenas fazem mal. Devia haver serpentina para todos.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série