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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 54)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 27 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Dona Dorotéia

Lydia Federici

A ideia nasceu num clube. E foi no Saldanha que ela se criou.

A figura gorda de dona Dorotéia, sua filha voluntariosa, um noivo pilantra mas sofredor, conquistaram a simpatia da cidade. O casamento, anualmente realizado na época do Carnaval, é cerimônia que grandes e pequenos, solteiros, casados ou viúvas, gostam de ver. Pelam-se por ver. Por que? Ninguém sabe explicar. Gostam porque gostam. E isso é suficiente.

Foi coisa que começou a acontecer na Ponta da Praia. Assistida por associados do Saldanha e pela gente daquele pedaço de praia. E, de repente, quando se percebeu, toda a cidade, embora sem receber um convite especial, estava tomando parte na festa. Deliciando-se com a cerimônia.

Dona Dorotéia, hoje, é a sogra mais conhecida da cidade. Casamento nenhum provoca maiores comentários. Curiosidade mais intensa. Não há noivos mais aclamados. Nem mais felicitados por explosões de risos e de palmas. E de cochichos maliciosos, irreverentes.

"Onde é a dona Dorotéia?" Todo mundo entende a pergunta. E dá a resposta.

Neste ano, foi no Boqueirão. Num Boqueirão de arranha-céus coloridos, cujas janelas, portas, sacadas e terraços se encheram de olhos brilhantes a iluminar as paredes de 40 metros. Nos passeios largos, cabeças escuras, umas a um palmo das outras, espicham-se na ânsia de enxergar o centro da avenida. Papel picado e confete, atirados do alto, cabriolando como loucos, dificilmente conseguiam sossegar no chão. O povo, grande atrás, miúdo na frente, forma uma plataforma unida. Densa. Compacta. Um chão de cabeças.

Para o centro do desfile converge, por todas as ruas, gente que caminha alegre e apressada. As crianças nem se lembram de pedir colo. O que elas querem é chegar logo. Para ver a festa de dona Dorotéia. O Macuco está lá. Passaram pelo canal 4 as velhas portuguesas de birote e argola de ouro nas orelhas. Com os maridos barrigudos a suar na camisa esporte. Sob o chapéu de feltro. Os netos, na frente, obrigam-nos quase a correr. E dão, para alcançá-los, as suas corridinhas, sim senhores. Rindo felizes. Pois não vão para festa?

Quem desce do morro de Nova Cintra e do morro de Santa Terezinha engrossa a fila do pessoal alvoroçado do Campo Grande e do Marapé. Vem ou não vem o bonde? Pois é ir tocando. A pé mesmo. E toca a trotar, sob o sol.

Do Itapema, com um bebê pequenino enrolado num pedaço de cobertor, vem a baiana com o maridão atarracado. E orgulhoso. Defende seu embrulho humano, com o braço moreno, contra o peito. Olha para o prédio alto, nas suas costas. Enorme. Parece que vai cair.

"Como é que tu 'tem' corage de 'fazê' isso, Frozino?" Encosta-se no marido. Mas esquece a tonteira. E o medo. O desfile vem vindo. Bonito.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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