GENTE E COISAS DA CIDADE Dona Dorotéia
Lydia Federici
A ideia nasceu num clube. E foi no Saldanha que ela se criou.
A figura gorda de dona Dorotéia, sua filha voluntariosa, um noivo pilantra mas sofredor, conquistaram a simpatia da cidade. O casamento, anualmente realizado na época do Carnaval, é cerimônia que grandes e pequenos, solteiros, casados ou viúvas,
gostam de ver. Pelam-se por ver. Por que? Ninguém sabe explicar. Gostam porque gostam. E isso é suficiente.
Foi coisa que começou a acontecer na Ponta da Praia. Assistida por associados do Saldanha e pela gente daquele pedaço de praia. E, de repente, quando se percebeu, toda a cidade, embora sem receber um convite especial, estava tomando parte na festa.
Deliciando-se com a cerimônia.
Dona Dorotéia, hoje, é a sogra mais conhecida da cidade. Casamento nenhum provoca maiores comentários. Curiosidade mais intensa. Não há noivos mais aclamados. Nem mais felicitados por explosões de risos e de
palmas. E de cochichos maliciosos, irreverentes.
"Onde é a dona Dorotéia?" Todo mundo entende a pergunta. E dá a resposta.
Neste ano, foi no Boqueirão. Num Boqueirão de arranha-céus coloridos, cujas janelas, portas, sacadas e terraços se encheram de olhos brilhantes a iluminar as paredes de 40 metros. Nos passeios largos, cabeças escuras, umas a um palmo das outras,
espicham-se na ânsia de enxergar o centro da avenida. Papel picado e confete, atirados do alto, cabriolando como loucos, dificilmente conseguiam sossegar no chão. O povo, grande atrás, miúdo na frente, forma uma plataforma unida. Densa. Compacta.
Um chão de cabeças.
Para o centro do desfile converge, por todas as ruas, gente que caminha alegre e apressada. As crianças nem se lembram de pedir colo. O que elas querem é chegar logo. Para ver a festa de dona Dorotéia. O Macuco está lá. Passaram pelo canal 4 as
velhas portuguesas de birote e argola de ouro nas orelhas. Com os maridos barrigudos a suar na camisa esporte. Sob o chapéu de feltro. Os netos, na frente, obrigam-nos quase a correr. E dão, para alcançá-los, as suas corridinhas, sim senhores.
Rindo felizes. Pois não vão para festa?
Quem desce do morro de Nova Cintra e do morro de Santa Terezinha engrossa a fila do pessoal alvoroçado do Campo Grande e do Marapé. Vem ou não vem o bonde? Pois é ir tocando. A pé mesmo. E toca a trotar, sob o sol.
Do Itapema, com um bebê pequenino enrolado num pedaço de cobertor, vem a baiana com o maridão atarracado. E orgulhoso. Defende seu embrulho humano, com o braço moreno, contra o peito. Olha para o prédio alto, nas suas costas. Enorme. Parece que vai
cair.
"Como é que tu 'tem' corage de 'fazê' isso, Frozino?" Encosta-se no marido. Mas esquece a tonteira. E o medo. O desfile vem vindo. Bonito.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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