GENTE E COISAS DA CIDADE Caras pálidas
Lydia Federici
Não se pode dizer que Santos seja uma cidade monótona. Bem ao contrário. De dia para dia ela se diversifica. E essa variedade pode
satisfazer a todos os gostos. Há trabalho febricitante. Ou atividades pacatas. Ruas bonitas e becos escuros. E escusos. As zonas de sol se espraiam, livres. Mas há também as faixas úmidas e sombrias. Arranha-céus de terraços ajardinados atraem, com
a beleza de meios tons, os olhos que se desviaram de casas velhas, cobertas de hera escura. Com cheiro de mofo.
Nas ruas, há carros 62 e charretes madrugadoras que, das latas de lixo, recolhem as sobras malcheirosas para a engorda grátis dos porcos. Encontra-se, nas confeitarias da praia, um pouco mais maquilado de creme, o mesmo doce do bar da estação ou da
zona do cais. São iguais, então? Quase. A diferença está no preço, satisfazendo o bolso de cada um.
Há barulho como há silêncio. Alegria espoucante e tristeza doida, silenciosa. Beleza e feiura. Ternura e brutalidade. Tradição e século XX.
Quem quer praia, tem praia. Há mar traiçoeiro junto à Urubuqueçaba. E mar que mais parece água calma de piscina. Quem gosta de montanha-russa sobe e desce os caminhos dos morros. Os que apreciam a macieza do
liso passeiam nas avenidas da praia. Para os amantes da trepidação violenta há as corcovas da Ana Costa. E de centenas de outras ruas.
Há de tudo neste pedaço de ilha. Um pouco de tudo. Muito de tudo.
Só o que anda igual, igual, nesta cidade de aspectos e vidas diferentes é aquilo que, no fundo, completa a fisionomia de qualquer cidade. O povo. Não falemos dos homens. Que esses, em todo o mundo, fazem a cidade mas não lhe enfeitam nem enfeiam a
vida. Olhemos para o elemento feminino.
Que se vê por aí, em qualquer canto da cidade? De manhã ou à noite? Nas igrejas, nas praias, nos clubes, dentro de casa?
Meninas, garotas, moçoilas, mulheres e senhoras de caras pálidas.
Sempre encontramos dificuldades em identificar os rostos de zigomas salientes, com olhos oblíquos e nariz pequeno dos japoneses. Eram todos parecidos debaixo dos cabelos negros, escorridos. E sobre as pernas curtas, fortes e tortas.
Hoje o problema não é constituído pelos japoneses sorridentes. Aparece em todo lado da cidade e a qualquer hora. Em todos os dias da semana. São os brotos de cabelos altos e de cara lavada. Sem lábios. Sem nariz. Onde só aparecem os olhos
rabiscados de preto. Em pinceladas leves ou borrões de nanquim. Iguais. Iguais.
As caras pálidas de norte a sul, de leste a oeste são a única constante no panorama generosamente variado da cidade. Para os apreciadores do aspecto humano isso deve ser chato de doer. Livra!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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