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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 51)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 23 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Carnaval de Santos

Lydia Federici

No Rio, é coisa sabida. Arquissabida. Motivo de orgulho.Qualquer morena que luta com um fogão não o faz pelo arroz de cada dia. Isso, nesta terra,nunca falta. As mulatas dengosas que trabalham em Copacabana exigem ordenados polpudos para os gastos do Carnaval. O dinheiro sai de um nono andar muito chique, atravessa a cidade na bolsa que acompanha os requebros da malemolente e vai parar, quase todo, na caixa de uma escola de samba, poeticamente plantada no sopé de um dos morros cariocas.

A crioula da Cidade Maravilhosa, durante o ano, veste uma saia que uma de suas inúmeras patroas lhe deu. Conserta, com alfinetes, a blusa desbotada que a patroazinha ia pôr no lixo. Vara o ano assim. Sem se importar muito com a aparência externa. Sabe o quanto vale o recheio quente e requebrante. Mas,no Carnaval, a morena é rainha. Por dentro e por fora. Todo seu suado ganho de um ano está nos trajes e joias de rainha: nos cetins, nos veludos, nas rendas, nas pulseira amarelas como ouro.

No Rio é assim. E toda a cidade se orgulha de suas cabrochas. Aplaude a graça, aquece-se com o calor das exibições e bate palmas ao luxo das porta-estandartes, à elegância multicolorida das pastoras. Todo mundo sabe o sacrifício que aquilo exigiu.

E aqui, no Carnaval de Santos, como é?

Acredito que, em muitos casos, seja a mesma coisa. Mas o santista descobriu outro jeito de arrumar a sua fantasia. Bem mais simples. Bem menos sacrificado. Descobri-o, por acaso, há dias, num dos açougues da cidade.

Uma freguesa, na fila, esperava, com paciência, que chegasse sua vez de ser atendida. Um dos rapazes do balcão, descobrindo-a, cumprimentou-a alegremente. Ela sorriu e retribuiu o bom dia amistoso. Largando o pedaço de alcatra, o açougueiro enfiou a mão vermelha no bolso do paletó branco, tirou um bloquinho, um toco de lápis e, por sobre o tabuleiro de miolos, estendeu-os em sua direção, olhando-a com um sorriso. Instintivamente ela agarrou o talão e o lápis. E ficou sem saber o que fazer.

"Veja".

Ela olhou. "Cr$ 50,00. Colaboração para o bloco carnavalesco. Tômbola. Prêmios: 1 máquina de lavar roupa, 1 de costura, 1 liquidificador,lança-perfumes, 1 saco de confete". Leu e tornou a ler. E essa agora? Ela não era de Carnaval. Mas como dizer "não" ao rapaz que sempre a atenderá bem? Então ele era de um desses blocos que animavam o Carnaval de Santos? Quem diria. Tão pacato. E vai ver que se arrebentava todo no desfile de rua.

Destacou um bilhete. "Nesse ano vou ver a brincadeira. Pois nãopaguei por um pedaço do espetáculo?"

Carnaval, aqui, é assim. Todo mundo acaba entrando, direta ou indiretamente. É auxílio oficial. São os livros de ouro. São as tômbolas. Carioca que aprenda. Aqui ninguém escapa.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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