GENTE E COISAS DA CIDADE Quinze anos
Lydia Federici
Fazia calor e ele suava. Mas o pior não era perceber as costas empapadas contra o encosto de plástico da poltrona. Aquilo, no verão, era
coisa que sempre acontecia. Precisava deixar de tomar tanto líquido. Olhou, com desgosto, para a garrafa vazia de cerveja. Para o copo alto, com um dedo de espuma branca no fundo. O que o afligia era a falta de ar. Por mais que aspirasse, os
pulmões não ficavam satisfeitos.
Um toque de campainha fê-lo levantar-se, procurando no chão as sandálias que descalçara. Custou a encontrá-las. O reflexo azulado da televisão não o ajudava a achar as "japonesas" brancas sobre o tapete claro.
Abriu a porta. O barulho ritmado de frigideiras, reco-recos e o som cavo de um tambor chegaram-lhe aos ouvidos antes que descobrisse o bloco saracoteante de moleques diante do portão. Sempre a mesma história. Queriam divertir-se com o dinheiro dos
outros. Mas com o seu é que não. Fechou a carranca, sacudiu o braço numa negativa vigorosa e, furioso, bateu a porta pesada.
Voltou à sala, danado porque o haviam feito levantar-se à toa. E porque perdera um pedaço do filme de detetive. Talvez justamente aquele em que haveria um detalhe revelador. Diachos! Coçou o pescoço
e, mal humorado, desligou o aparelho. Ouvia tudo, ou não via nada. Moleques vagabundos. E sem vergonhas. Nem divertir-se às próprias custas sabiam. Tinham que estender as mãos.
De fora, no silêncio súbito da casa, chegava, abafada, a batucada dos moleques. Pegou a garrafa vazia, levou-a para a cozinha. Duque, com um ganido, mostrou-lhe que também sentia calor. E que não gostava de Carnaval. Abriu a porta dos fundos. Ele
que não se entusiasmasse e que não principiasse a noite de latidos, roncos e ganidos. Bastava o calor para infernizar suficientemente a noite de qualquer cristão.
"Quieto aí. Nada de barulho". Falou grosso, autoritário, ameaçador. Para reforçar a zanga, bateu o pé no chão. Duque deu meia volta e entrou em sua casinhola de madeira. Conhecia o mau humor do dono. De sobejo.
A vitrola do vizinho tocava um rock. A casa toda iluminada era uma festa. Aniversário de alguém, com certeza. Ainda mais essa. Quem é que vai dormir? Calor, mosquito – deu um tapa no braço -, batucada, cachorro e ainda barulho na casa do vizinho?
Não. Muita coisa para uma só noite.
Um coro de vozes juvenis entoou, vacilante, o primeiro verso do "Parabéns a você". Depois firmou-se, compacto. As vozes femininas, estridentes, cantavam num tom. As dos rapazinhos, noutro, subindo e descendo, desafinadas, sem controle. Eram graves.
Com guinchos inesperados. Eram vozes de meninos que saíam da meninice. Eram vozes de homens que começavam a ser.
"Quinze anos". E, pela primeira vez no dia atribulado, os lábios duros sorriram com certa emoção. E muita saudade. Quanta.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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