GENTE E COISAS DA CIDADE Terra desconhecida
Lydia Federici
Eram cinco moças sozinhas, no meio de duzentas famílias, a bordo de um navio que deixava o Japão. Com os olhos rasgados bem abertos,
ficaram vendo a sua ilha sumir para trás. Ilha grande e querida, com toda a terra cultivada: com montanhas altas dominadas por um vulcão enfeitado com um eterno colar de neve, aldeias graciosas, cidades grandes. Disseram adeus a tudo. A única
família que conheciam na única terra que sempre fora sua.
Com o vento desmanchando-lhes os cabelos pretos, que uma permanente afofara em ondas largas, as cinco moças viram a sua vida de 20 anos ir desaparecendo aos poucos. Choraram? Com toda certeza. Lágrimas amendoadas de saudades. Que saudade dá em
qualquer povo. E lágrimas correm de quaisquer olhos.
Ficaram no mar sobre um barco em cujo mastro, toda manhã, uma bandeira branca com um sol vermelho lhes dizia que aquilo ainda era o seu Japão. Cortaram o mar de meio mundo, descobrindo que, dia após dia, era sempre o mesmo mar. Essa descoberta
tranquilizou-as um pouco.
Em Belém viram o primeiro porto da nova terra em que iriam viver. Quanto chão para ser trabalhado. Olharam com curiosidade para a risonha Recife. As montanhas de picos atrevidos e as ilhas poéticas do Rio encheram-nas de respeito e ternura. Mas era
Santos que elas queriam ver. Como seria?
A cidade onde desembarcariam – depois de apresentadas cerimoniosamente aos maridos que conheciam com meio mundo de permeio, através de cartas e fotos, apareceu-lhes de manhã bem cedo.
Duas montanhas verdes e ensolaradas fecharam, num abraço, o pequenino navio que entrava na barra. Uma praia redonda, branca, cheia de luz, muito tranquila, enviou-lhes, de longe, um beijo de paz. As cinco moças sentiram promessas boas nesse beijo
de boas vindas, tão respeitoso, suave e amigo tocou-lhes ele o coração apertado. Sorriram. A nova terra recebia-as bem.
No porto viram trabalho. Muito trabalho. E como havia gente de olhos iguais aos seus, mas muito alegres, a esperar os novos amigos que vinham do Japão. Com o coração aos saltos, foram apresentadas aos rapazes que formariam a sua nova família.
Sorriram mais uma vez, meigas, submissas, sem medo. Com eles viveriam numa terara que as recebera com curiosa simpatia, toda enfeitada de sol e de mansidão, esperando a generosidade de seus esforços, prometendo-lhes trabalho, bem estar, sossego e
fartura.
As cinco japonesinhas gentis pisaram o chão sujo do cais. Sentiram-no firme. Olharam, de manso, para o povo que lhes sorria amigo. Sim. Estavam na sua nova terra. Seus filhos seriam brasileiros. E elas não se incomodariam com essa ideia. Sentiam
que iriam amá-la. Parecia ser boa e amiga.
E é, pequeninas e doces japonesas do Japão. É a sua nova terra.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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