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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 46)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Começo de aulas

Lydia Federici

No fundo, no fundo, não há criatura humana que não goste de crianças. Não digo que esse bem querer cheio de ternura não sofra solução de continuidade. Às vezes, até mãe sente vontade de pendurar um filho de cabeça para baixo. São ímpetos naturais. Muito humanos. Criança é um bichinho encantador mas, como todo bicho, tem seus momentos de irracionalidade. E é nessa hora, exatamente nessa hora, que perguntamos:

"Mas será que tem de haver criança no mundo?"

Essa pergunta, durante as férias, é feita, em cem por cento dos casos, pelas mães desesperadas, pelos pais que não encontram sossego. As artes principal quando dois pés pequenos, pela manhã, despencam da cama. Barulhentos apesar de nus. E só terminam – quando terminam – quando a luz se apaga na casa toda. E mesmo nessa hora, entre preocupações maiores, o coração da pobre mãe dá um pulo quando se lembra que tem de contar ao marido que o Tiquinho andou, com pedras, treinando tiro ao alvo na grade do aparelho de ar refrigerado de dona Dindoca.

"Ah! Não vejo a hora em que recomecem as aulas. São, pelo menos, quatro horas de sossego. Uff!".

Mas antes que isso acontecesse, e por causa disso mesmo, a aflição dos pais chegou quase às raias do desespero. Para os poucos pais dos alunos que passaram de ano, só houve, praticamente, um problema: o da matrícula. Nas escolas públicas, uma questão de pegar fila e ter paciência de esperar. Nas particulares, o susto do preço dos estudos. Coisa de desequilibrar qualquer orçamento. Mas enfim. Como criar um filho analfabeto?

Para os repetentes, para os que passaram raspando, a história foi um pouco mais complicada. Há vaga? Está matriculado. Não há? Procure uma escola particular. Pague matrícula, aguente a mensalidade, faça o uniforme, compre todo o material exigido. E pronto.

Isso para o curso primário. Que é simples e fácil, comparativamente ao secundário.

Terminada e resolvida essa época de dúvidas e de agonia, os pais relaxam os nervos. As crianças que aproveitem os últimos dias de férias. Roubaram as goiabas de seu Pedro? Quem o mandou plantar a goiabeira junto do muro? As crianças ainda não voltaram da praia? Ora! Guarde o almoço e não se aborreça. Criança é assim mesmo. Quando se pega solta, esquece-se de tudo.

As aulas do curso primário começaram ontem. Sabe o que foi aquela ventania que castigou toda a cidade? Foi o suspiro de alívio, o ar conjugado que saiu do peito de trinta mil mães e trinta mil pais satisfeitos. Nem há dúvida.

Agora é a vez das professoras, comovidas mas já meio afobadas, dizerem:

"Mas por que será que tem de haver criança no mundo?"


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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