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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 44)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 15 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Na igreja do Embaré

Lydia Federici

Era uma missa triste, com o oficiante paramentado de preto.

A senhora, moça ainda, alta, de cabelos claros, levava a filha, uma garota de cinco anos bem gordinha. Menina irrequieta. E olhadeira. No começo, ajoelhada, imitou o silêncio e o recolhimento da mãe. Só seus olhos escuros se mexiam. Quando descobriu, na outra ponta do banco, o amigo comodamente sentado, não teve dúvidas. Sentou-se também, por três vezes, até a saia cor de rosa ficar bem estufada sobre o banco. Ficou rodando a bolsinha branca. Pra cá e pra lá. Pra lá e para cá.

No altar, a campainha trilou, dolorosa. A menina levou um susto. Endireitou-se no banco e, muito quieta, só virando os olhos, foi descobrindo que na igreja dourada o teto era azul, os santos usavam roupa comprida. Passou a interessar-se pelas pessoas ajoelhadas. Mas cansou logo. Tudo era tão imóvel. Tão silencioso.

À segunda campainhada, a senhora fê-la ajoelhar-se. E ficar quieta. Foi meio difícil. A garota, positivamente, não era do tipo contemplativo. Tinha muita energia no seu corpo forte. Voltou a sentar-se e, às costas da mãe, principiou a trocar micagens com o amigo. Que, apesar de maiorzinho, também devia estar um bocado entediado. Fizeram, em silêncio – o que já era muito – tudo quanto, dentro de certas medidas, podiam fazer para matar o tempo.

Finalizada a missa, dirigiram-se todos para a entrada da nave. Para a oração final e bênção. Para o abraço de pêsames. A menina, ao lado da mãe, na fila, remexia-se, um pé pisando o outro. Até que descobriu a mesa cheia de velas. Arregalou os olhos para as tigelinhas coloridas, aproximou-se encantada. A medo, estendeu a mão. O calor assustou-a. A mãe, da fila, fez-lhe um sinal. O vestido cor de rosa estremeceu alegremente, deu um pulo, um rodopio. Dedos frenéticos abriram a bolsinha branca, esticando, aos repelões, os cordéis que não queriam correr. Uma nota azul foi pescada, finalmente, de lá de dentro. Mostrou-a, triunfante, ao amigo que, fiel, continuava a seu lado.

Foram as duas crianças para o canto da parede dos óbolos. A menina viu a abertura comprida e ia por a nota por ali quando o garoto, segurando-lhe o braço, apontou, arteiro, para uma abertura mais acima. "Pedido de graças". A menina, de relance, mediu a altura, riu, pôs-se na ponta dos pés e, encompridando-se, empurrou, aos trancos, a nota novinha pela abertura escura. Alcançara ou não? Um suspiro de satisfação levantou-lhe os ombros redondos. Seus olhos travessos brilharam.

"Já dei". Bateu palmas. Feliz. Feliz. Feliz.

Diga-me, Santo Antonio, alguma vez alguém lhe deu alguma coisa pelo simples prazer de dar? Sem pedir nada em troca?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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