GENTE E COISAS DA CIDADE Na igreja do Embaré
Lydia Federici
Era uma missa triste, com o oficiante paramentado de preto.
A senhora, moça ainda, alta, de cabelos claros, levava a filha, uma garota de cinco anos bem gordinha. Menina irrequieta. E olhadeira. No começo, ajoelhada, imitou o silêncio e o recolhimento da mãe. Só seus olhos escuros se mexiam. Quando
descobriu, na outra ponta do banco, o amigo comodamente sentado, não teve dúvidas. Sentou-se também, por três vezes, até a saia cor de rosa ficar bem estufada sobre o banco. Ficou rodando a bolsinha branca. Pra cá e pra lá. Pra lá e para cá.
No altar, a campainha trilou, dolorosa. A menina levou um susto. Endireitou-se no banco e, muito quieta, só virando os olhos, foi descobrindo que na igreja dourada o teto era azul, os santos usavam roupa comprida. Passou a interessar-se pelas
pessoas ajoelhadas. Mas cansou logo. Tudo era tão imóvel. Tão silencioso.
À segunda campainhada, a senhora fê-la ajoelhar-se. E ficar quieta. Foi meio difícil. A garota, positivamente, não era do tipo contemplativo. Tinha muita energia no seu corpo forte. Voltou a sentar-se e, às costas da mãe, principiou a trocar
micagens com o amigo. Que, apesar de maiorzinho, também devia estar um bocado entediado. Fizeram, em silêncio – o que já era muito – tudo quanto, dentro de certas medidas, podiam fazer para matar o tempo.
Finalizada a missa, dirigiram-se todos para a entrada da nave. Para a oração final e bênção. Para o abraço de pêsames. A menina, ao lado da mãe, na fila, remexia-se, um pé pisando o outro. Até que descobriu a mesa cheia de velas. Arregalou os olhos
para as tigelinhas coloridas, aproximou-se encantada. A medo, estendeu a mão. O calor assustou-a. A mãe, da fila, fez-lhe um sinal. O vestido cor de rosa estremeceu alegremente, deu um pulo, um rodopio. Dedos frenéticos abriram a bolsinha branca,
esticando, aos repelões, os cordéis que não queriam correr. Uma nota azul foi pescada, finalmente, de lá de dentro. Mostrou-a, triunfante, ao amigo que, fiel, continuava a seu lado.
Foram as duas crianças para o canto da parede dos óbolos. A menina viu a abertura comprida e ia por a nota por ali quando o garoto, segurando-lhe o braço, apontou, arteiro, para uma abertura mais acima. "Pedido de graças". A menina, de relance,
mediu a altura, riu, pôs-se na ponta dos pés e, encompridando-se, empurrou, aos trancos, a nota novinha pela abertura escura. Alcançara ou não? Um suspiro de satisfação levantou-lhe os ombros redondos. Seus olhos travessos brilharam.
"Já dei". Bateu palmas. Feliz. Feliz. Feliz.
Diga-me, Santo Antonio, alguma vez alguém lhe deu alguma coisa pelo simples prazer de dar? Sem pedir nada em troca?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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