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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 43)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Jardineiras improvisadas

Lydia Federici

Por que os poucos jardins santistas são revestidos de cerâmica?

O jardineiro, há mais de um mês avisado, solicitado, implorado, não aparecia. Nem satisfações viera dar. Iná olhou para o canteiro na frente da casa. Gramado fofo e alto, irregular, pintalgado de sementes de mato. As folhagens coloridas, contra a parede de pedra, formavam um matagal. Luxuriante. Arnica saindo do alinhamento. Crotons sufocando azáleas. Gerânios apodrecendo. E aquela espinhuda, a tapar o vitrô da sala, abrindo galhos e mais galhos, cheia de folhas secas dando ideia de abandono? Não. Era preciso dar um jeito naquela floresta desordenada. Assim é que não podia ficar.

Na hora do almoço, falou com as meninas. Ambas tinham seus compromissos. Desculpe, mamãe. Olhou para a cozinheira, uma portuguesa sorridente que, depois da cozinha arrumada, seria bem capaz de entrar na brincadeira. Falou com jeito, muito de manso. Mais sugerindo que pedindo.

"Pois, se a senhora, dona Iná, quiser, eu a ajudo".

E foi assim que as duas se meteram no jardim quente e cheio de sol. Começaram por arrancar, do gramado, os "pés de galinha" carregados de sementes. Levaram quase uma hora para limpar o canteiro, o sol escaldando-lhes a nuca, a saia arrastando no chão, os joelhos tloc-tloc a cada flexão das pernas doloridas.

"Já está com outra vista, pois não, dona Iná?" Outra vista? Iná já nem enxerga coisa alguma. As costas, hum, como lhe doem. Mas vai em frente. Passaram a disciplinar o canto das folhagens. Arrancam samambaias invasoras, podam arnicas, amarram dracenas, cortam folhas secas, tiram, cortam, arrancam. Foi um arrasa completo, em nome da ordem e da disciplina. Só as plantas maiores sobraram. E as espinhentas.

Quando se afastaram para ver o efeito da arrumação, tropeçando na montanha de lixo, o canto, valha-nos Deus, estava quase pelado. A floresta sumira. Com as mãos sujas de terra, Iná arregala os olhos, limpa o suor do rosto.

"Acho que limpamos demais, Cândida. Vamos ter que plantar alguma coisa nesses buracos. Assim está muito feio". E suspira, quase chorando.

Acabaram a plantação das mudas murchas quando principiava a escurecer. Nem no lusco-fusco aquilo parecia ter melhorado. E essa agora?

"Para a semana, tudo estará viçoso e bonito, dona Iná". Mas essa semana está demorando a chegar. O jardineiro continua sem aparecer. Nãohá jardineiros suficientes em Santos. Sumiram. Como, consequentemente, somem os jardins. Quem aguenta? Qual. A solução é tacar cerâmica. Pergunte a qualquer dona de casa.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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