GENTE E COISAS DA CIDADE Um debate na praia
Lydia Federici
Quase desatinadas, marcaram a reunião para a manhã de depois do dia de grande movimento. Que é a manhã mais sossegada da praia. Mesmo
assim, para certificarem-se de que não seriam incomodadas, procuraram o canteiro central com os agaves espinhudos. Lá, raramente aparecia alguém. Só criança boba para pegar uma bola saltitante.
Chegaram, ofegantes, vindas de todas as direções. Acomodaram-se e a sessão começou. Direta. Sem abertura, nem simples nem solene, sem cumprimentos, sem leitura de atas, sem mesa diretora. A autoridade máxima, há muito, era aquela. E depois daquela,
seria a outra, já conhecida. Formiga trabalhadora não perde tempo com todas essas novidades inventadas pelos homens.
O problema era: que podiam as formigas fazer contra os homens que lhes invadiam e aniquilavam os formigueiros camuflados dos jardins da praia?
Não vou transcrever tudo o que foi dito – sem discussão, notem bem – na reunião das formigas. Não haveria estenógrafa humana capaz de acompanhar a velocidade das opiniões, das sugestões, dos debates objetivos. Mas, assim por alto, posso dizer que
uma formiga ruiva do José Menino propôs que, nos dias de sol, quando a invasão era total, parte do formigueiro deveria trabalhar, em dobro, na procura e armazenamento dos víveres. Para que a outra metade, em guerra, pudesse afugentar os intrusos
que atravessassem o jardim, que se deitassem no gramado, que se sentassem naquelas centenas de cadeiras cujas pernas sempre entravam pelos formigueiros, destruindo berçários e, principalmente, as despensas bem ordenadas.
Um formigão da Ponta da Praia levantou a antena. E falou. Já tinham tentado a experiência. Um desastre. Milhares de baixas. Os invasores humanos dos gramados, sem abandonar os postos escolhidos, pareciam divertir-se em esmigalhar as formigas. As
poucas que conseguiram sobreviver tiveram que ser hospitalizadas. Umas, com o estômago inutilizado, por ter espetado o ferrão em pernas besuntadas de óleo. Outras, que atacaram vagabundos bêbados, que se não conseguiram escapar do coma alcoólico.
Uma calamidade.
Carregar os convites "não pise no gramado" para a praia? Talvez desviasse o trânsito. Qual. Homem não ligara para as leis que faz. Fazer os formigueiros sob os bancos que margeiam os jardins? Para ouvir, dia e noite, palavras subversivas de
vagabundos ou palavras imorais de casais sem compostura? Não. Palavras e exemplos muito perigosos. E então?
Então, amigas formigas, a solução é uma só: desistam de morar nos jardins da praia. Principalmente nos fins de semana e em temporada. Aquilo já tem outros donos: os turistas.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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