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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 42)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 13 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Um debate na praia

Lydia Federici

Quase desatinadas, marcaram a reunião para a manhã de depois do dia de grande movimento. Que é a manhã mais sossegada da praia. Mesmo assim, para certificarem-se de que não seriam incomodadas, procuraram o canteiro central com os agaves espinhudos. Lá, raramente aparecia alguém. Só criança boba para pegar uma bola saltitante.

Chegaram, ofegantes, vindas de todas as direções. Acomodaram-se e a sessão começou. Direta. Sem abertura, nem simples nem solene, sem cumprimentos, sem leitura de atas, sem mesa diretora. A autoridade máxima, há muito, era aquela. E depois daquela, seria a outra, já conhecida. Formiga trabalhadora não perde tempo com todas essas novidades inventadas pelos homens.

O problema era: que podiam as formigas fazer contra os homens que lhes invadiam e aniquilavam os formigueiros camuflados dos jardins da praia?

Não vou transcrever tudo o que foi dito – sem discussão, notem bem – na reunião das formigas. Não haveria estenógrafa humana capaz de acompanhar a velocidade das opiniões, das sugestões, dos debates objetivos. Mas, assim por alto, posso dizer que uma formiga ruiva do José Menino propôs que, nos dias de sol, quando a invasão era total, parte do formigueiro deveria trabalhar, em dobro, na procura e armazenamento dos víveres. Para que a outra metade, em guerra, pudesse afugentar os intrusos que atravessassem o jardim, que se deitassem no gramado, que se sentassem naquelas centenas de cadeiras cujas pernas sempre entravam pelos formigueiros, destruindo berçários e, principalmente, as despensas bem ordenadas.

Um formigão da Ponta da Praia levantou a antena. E falou. Já tinham tentado a experiência. Um desastre. Milhares de baixas. Os invasores humanos dos gramados, sem abandonar os postos escolhidos, pareciam divertir-se em esmigalhar as formigas. As poucas que conseguiram sobreviver tiveram que ser hospitalizadas. Umas, com o estômago inutilizado, por ter espetado o ferrão em pernas besuntadas de óleo. Outras, que atacaram vagabundos bêbados, que se não conseguiram escapar do coma alcoólico. Uma calamidade.

Carregar os convites "não pise no gramado" para a praia? Talvez desviasse o trânsito. Qual. Homem não ligara para as leis que faz. Fazer os formigueiros sob os bancos que margeiam os jardins? Para ouvir, dia e noite, palavras subversivas de vagabundos ou palavras imorais de casais sem compostura? Não. Palavras e exemplos muito perigosos. E então?

Então, amigas formigas, a solução é uma só: desistam de morar nos jardins da praia. Principalmente nos fins de semana e em temporada. Aquilo já tem outros donos: os turistas.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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