GENTE E COISAS DA CIDADE Carregadores de café
Lydia Federici
Estão espalhados por toda a cidade onde houver um armazém de café. Na General Câmara, na João Pessoa, na Rua do Comércio, junto ao cais.
Todos fazem a mesma coisa. Tiram, dos caminhões, as sacas de café que vêm do interior e levam-nas para dentro dos armazéns. Seu único distintivo? O gorro ajustado na cabeça. Característica? O pescoço forte. E uma filosofia digna de ser imitada: uma
vez que têm que trabalhar, trabalham de bom humor. Nunca os vi, pelo menos os da Rua Riachuelo, tristes, briguentos ou carrancudos.
De manhã cedo, sentam-se alguns na soleira de pedra das portas do armazém. Outros encostam-se ao paredão liso e alto. Tudo e nada os divertem. E fazem-nos rir. Ri o português atarracado e ri o preto reluzente. Pelam-se por ver uma senhora encostar
o carro ao meio fio, sempre atrapalhada com a marcha a ré. "Dona. Aqui não pode deixar. Vão chegar os caminhões de café".
E, de fato, lá vêm eles, em fila, grandes e pesados, roncando grosso. Movimentam-se os carregadores. Os homens, encostados na parede, bocejam e esticam os braços musculosos. Acabou-se a folga da espera. Com a visão, sempre comentada, das caixeiras
que passam apressadas, tique-taqueando as chinelas. Os sentados levantam-se com preguiça, ajeitam as calças de riscado. A camiseta de algodão branca estufa com o suspiro que dão. Ainda olham para a rua. Sorriem do esforço que parece fazer o rapaz
que carrega uma pasta magra. Riem para a menina sonolenta que passa, levando, com cuidado, a panela amassada de alumínio rebrilhante.
"Hoje tem leite, hein, nenê? Que bom". A garota sorri.
Em fila, chegam-se ao caminhão. Os braços se erguem e amortecem o peso da saca que dois companheiros, do alto, lhe chegam para a cabeça. Os músculos do pescoço engrossam. Com as mãos que, até então, tinham estado quase ociosas, a desenhar riscos no
passeio sujo, firmam, pelos cantos, o saco pesado. Somem, em passos cadenciados, na escuridão do depósito. Quando reaparecem, piscam para a luz, para o sol. Sorriem. Aspiram, com delícia, o perfume deixado pela senhora que acabou de passar. E cuja
saia balouçante eles, de soslaio, ainda veem sumir na esquina. Lá pegam mais 60 quilos. E, de novo, mais uma saca. Outra mais.
Meia hora depois, o suor escorrendo-lhes pelo corpo, encharcando-lhes camisetas e calças, dos homens há pouco limpos só se reconhece o mesmo sorriso divertido. E a mesma gentileza: "Pode passar, senhorita". Braços, ombros, costas, roupas estão
enfarinhados de um verde pardacento. Com as unhas, coçam o pescoço. Ajeitam o gorro. Sungam as calças.
E, enquanto houver café, continuam a sorrir para os vestidos estampados e a receber, na cabeça, mais uma saca com 60 quilos de grãos empoeirados.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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