GENTE E COISAS DA CIDADE Picaré milagroso
Lydia Federici
Seu Antonio é peixeiro. Desses que possuem um triciclo e freguesia certa. A quem gosta de atender bem. Trabalha duro para viver. E vive com
o que o peixe lhe dá.
O nosso Antonio, além de peixeiro, é pescador. Distrai-se assim. E o camarão que arranca do mar sempre é mercadoria que lhe aumenta o ganho. Para as noites de pescaria, tem um picaré e dois amigos. Quando a lua, a maré, o tempo e o mar prometem
algo de bom, seu Antonio dobra a longa rede sobre a vara, chama os companheiros e lá vão os três, felizes, para a praia. Têm ponto certo. Não invadem outras zonas. Só arrastam o picaré do canal 4 ao 5. Aquele quilômetro de praia, sob a proteção de
Santo Antonio do Embaré, mesmo nas noites sem camarão, dá bem para satisfazer-lhes o gosto de pescadores.
Há coisa de mês e meio, seu Antonio, com os amigos, foi até a praia. Olharam o mar calmo, desdobraram a rede, deixaram uma ponta perto da beira,levaram a outra lá para dentro da água escura. E haja músculos rijos para puxar a malha comprida e
pesada. Depois do primeiro arrastão – tinham saído diante da Igreja do Embaré – seu Antonio examinou o resultado: uns peixinhos vagabundos, alguns camarões, um pau e um pedaço de papel amarelo. Os camarões foram recolhidos para o cesto. Os
peixinhos voltaram para a água. O galho foi atirado para a areia e o pedaço de papel também iria para lá se, desprendendo-o das malhas finas, seu Antonio não tivesse percebido que aquilo era, era… "Ai, meu Santo Antonio. Não é que é uma
'abobrinha'?"
E era mesmo. Encharcada mas perfeita. Uma bela nota de mil.
Depois de um ligeiro descanso, muito cheio de conversa, a pescaria continuou. Qual o pescador que se satisfaz com meia dúzia de camarões?
Entraram diante da Igreja e foram sair perto da Osvaldo Cócrane. Mais camarões e mais um pedaço de papel. Resfolegante, o peixeiro olhou para aquilo. O coração falhou uma abatida. Seria outra abobrinha? Não era. Apenas um pedaço retangular de papel
escuro: quinhentos cruzeiros. Uma nota de quinhentos, sim senhores.
Na terceira arrastada, os camarões encheram o cesto até a metade. Não estava de todo ruim a noite, hein? E o que era aquilo ali grudado na rede? Seria possível? Outra nota de quinhentos? Não. Apenas uma nota de duzentos.
Na quarta puxada,perto do canal 5, os pescadores, antes de recolher os camarões, procuraram um pedaço de papel. E ele estava lá. Mais duzentos. Cansados, músculos doendo, coração batendo forte, olharam para o mar. Não. Chegava de pescaria. A noite
fora boa. Muito boa. "Obrigado, Santo Antonio".
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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