Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d039.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/09/14 15:11:26
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 39)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Picaré milagroso

Lydia Federici

Seu Antonio é peixeiro. Desses que possuem um triciclo e freguesia certa. A quem gosta de atender bem. Trabalha duro para viver. E vive com o que o peixe lhe dá.

O nosso Antonio, além de peixeiro, é pescador. Distrai-se assim. E o camarão que arranca do mar sempre é mercadoria que lhe aumenta o ganho. Para as noites de pescaria, tem um picaré e dois amigos. Quando a lua, a maré, o tempo e o mar prometem algo de bom, seu Antonio dobra a longa rede sobre a vara, chama os companheiros e lá vão os três, felizes, para a praia. Têm ponto certo. Não invadem outras zonas. Só arrastam o picaré do canal 4 ao 5. Aquele quilômetro de praia, sob a proteção de Santo Antonio do Embaré, mesmo nas noites sem camarão, dá bem para satisfazer-lhes o gosto de pescadores.

Há coisa de mês e meio, seu Antonio, com os amigos, foi até a praia. Olharam o mar calmo, desdobraram a rede, deixaram uma ponta perto da beira,levaram a outra lá para dentro da água escura. E haja músculos rijos para puxar a malha comprida e pesada. Depois do primeiro arrastão – tinham saído diante da Igreja do Embaré – seu Antonio examinou o resultado: uns peixinhos vagabundos, alguns camarões, um pau e um pedaço de papel amarelo. Os camarões foram recolhidos para o cesto. Os peixinhos voltaram para a água. O galho foi atirado para a areia e o pedaço de papel também iria para lá se, desprendendo-o das malhas finas, seu Antonio não tivesse percebido que aquilo era, era… "Ai, meu Santo Antonio. Não é que é uma 'abobrinha'?"

E era mesmo. Encharcada mas perfeita. Uma bela nota de mil.

Depois de um ligeiro descanso, muito cheio de conversa, a pescaria continuou. Qual o pescador que se satisfaz com meia dúzia de camarões?

Entraram diante da Igreja e foram sair perto da Osvaldo Cócrane. Mais camarões e mais um pedaço de papel. Resfolegante, o peixeiro olhou para aquilo. O coração falhou uma abatida. Seria outra abobrinha? Não era. Apenas um pedaço retangular de papel escuro: quinhentos cruzeiros. Uma nota de quinhentos, sim senhores.

Na terceira arrastada, os camarões encheram o cesto até a metade. Não estava de todo ruim a noite, hein? E o que era aquilo ali grudado na rede? Seria possível? Outra nota de quinhentos? Não. Apenas uma nota de duzentos.

Na quarta puxada,perto do canal 5, os pescadores, antes de recolher os camarões, procuraram um pedaço de papel. E ele estava lá. Mais duzentos. Cansados, músculos doendo, coração batendo forte, olharam para o mar. Não. Chegava de pescaria. A noite fora boa. Muito boa. "Obrigado, Santo Antonio".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série