GENTE E COISAS DA CIDADE Fora de época
Lydia Federici
A senhora alta, com os cabelos branco-azulados a rebrilhar, parou diante da vitrine da Tecelagem, na Praça Mauá. Ficou olhando para os
estampados. Perdeu-se nas cores vivas.
Um tagarelar vivo, de vozes estridentes e alegres, chamou-lhe a atenção. Mas só tirou os olhos da "amorela" quando se sentiu empurrada. Uma garota de blusão comprido, mordendo a ponta de um dedo, inclinada para a vitrine, procurava chegar-se mais,
continuando a empurrá-la. Meio aborrecida com aquela falta de modos pensou em dizer alguma coisa. Mas levantou os ombros e afastou-se. Temporada, já sabia, era aquilo mesmo. Ao afastar-se, lançou um olhar ao grupo alvoroçado. As moças, todas de
blusão solto, de shorts justos e diminutos, pareciam ter esquecido de acabar de vestir-se.
No carro, que o chofer guiava com cuidado, a senhora dobrou o braço, apoiou o queixo na mão enluvada.
Reviu a praia. A praia de Santos sem arranha-céus. Uma faixa de areia cinzenta junto ao mar. Outra faixa larga de mato rasteiro, eriçado de carrapichos. Perto da Igrejinha do Embaré, a pensão. A primeira a por as cabines de banho na praia. Em que
ano fora aquilo? Pensou um pouco, franzindo a testa. 13 ou 14? Um pouco antes da primeira grande guerra.
Eram cabines de madeira, sobre rodas. Todas as manhãs, eram levadas para a praia. Ficavam ali, enfileiradas, à disposição dos banhistas que vinham, vestidos da pensão. Vestidos ou com um roupão de mangas compridas. Que lhes ia até os pés. Nelas, os
homens vestiam os maiôs de malha de algodão. As mulheres, os trajes de baeta escura, com cadarço branco enfeitando os punhos, a sola quadrada, a barra da blusa e do calção comprido.
Os banhistas, olhando para os lados da praia deserta, saíam das cabines e corriam diretos para o mar. Era um banho rápido. Com os corpos agachados. Nem chegavam a molhar a cabeça enchapelada. Saíam logo, com vergonha, desgrudando do corpo a roupa
molhada. Que se apressavam a tirar nas cab…
O carro estava parado diante do palacete da Ana Costa. O chofer, segurando a porta, esperava. A senhora sorriu, com cansaço. E, pela primeira vez, procurou o apoio da mão forte do Francisco para ajudá-la a sair do carro. Como se sentia cansada. E
triste. E fora de época.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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