GENTE E COISAS DA CIDADE Conversa de homem
Lydia Federici
Pensou-se, por muito tempo, que a característica principal que diferenciava o homem do resto dos animais fosse a fala. A
conversa. A traduzir ou a esconder ideias e sentimentos.
Quando, entretanto, os estudiosos puseram-se a investigar os urros, o canto, o piar, o rugir, o ronronar, o doce arrulhar dos animais, esse julgamento sofreu modificação. E modificação profunda. Hoje, qualquer pessoa, com um par de olhos e de
ouvidos em condições normais de funcionamento, sabe que os bichos peludos, emplumados ou pelados, também tem as suas conversinhas típicas e próprias. Até os peixes escamados ou encouraçados chegam a dizer qualquer coisa, para nós ininteligível.
Conversas de animais serão muito interessantes. Como, porém, se limitam, na totalidade das vezes, a dizer, com ruídos simples, coisas primárias – estou com fome, gosto de você, tenho medo, sinto raiva -, deixemo-los de lado.
Tratemos da raça humana. Como conversam os homens? Sobre que falam?
Antes de outra coisa qualquer, é necessário estabelecer divisões. Por sexo e por idade. Sim. Porque, nem no interior perdido do Brasil, conversa e botocudo pode ser confundida com a de uma mimosa botocuda. Tampouco os pensamentos e preocupações de
um rapaz podem ser iguais aos de um velho. Nem conversa de bebê pode ser equiparada à de um broto de alta cabeleira. Embora o miolinho de ambos tenha o mesmo peso de algumas centenas de gramas. Se chegar a tanto, convenhamos.
Como é conversa de homem? De homem feito?
É aritmética pura. O que eles mais empregam e repetem, frase sim, frase não, são números. Nos clubes da praia, nos bares da cidade, nos botecos dos morros, nas ruas, no Impala, nos empregos, em casa, nos ônibus sacolejantes, de domingo a domingo, o
vozeirão varonil só cita cifras. Números e mais números. Reparem: "isso vai me dar uns 5 milhões". "Preciso, no mínimo, de mais uns 20". "Só 29 cents?". "Põe mais 13 e está feito". "Nem por 2, nem por 4". "Só pagou 23?"
Mas não saem nunca da infame aritmética? Claro que saem. Para cair em cheio na geometria. Na geometria das linhas. Das doces linhas curvas que eles parecem apreciar imensamente. De forma tão especial que a voz áspera se dulcifica, o olhar frio se
aquece. Como se enternecem por linhas do colo, por curvas de quadris.
Conversa de homem é isso. Dinheiro e mulher. Danam-se pelo primeiro para conseguir a segunda.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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