Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d033.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/09/14 15:10:59
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 33)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 2 de fevereiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Conversa de homem

Lydia Federici

Pensou-se, por muito tempo, que a característica principal que diferenciava o homem do resto dos animais fosse a fala. A conversa. A traduzir ou a esconder ideias e sentimentos.

Quando, entretanto, os estudiosos puseram-se a investigar os urros, o canto, o piar, o rugir, o ronronar, o doce arrulhar dos animais, esse julgamento sofreu modificação. E modificação profunda. Hoje, qualquer pessoa, com um par de olhos e de ouvidos em condições normais de funcionamento, sabe que os bichos peludos, emplumados ou pelados, também tem as suas conversinhas típicas e próprias. Até os peixes escamados ou encouraçados chegam a dizer qualquer coisa, para nós ininteligível.

Conversas de animais serão muito interessantes. Como, porém, se limitam, na totalidade das vezes, a dizer, com ruídos simples, coisas primárias – estou com fome, gosto de você, tenho medo, sinto raiva -, deixemo-los de lado.

Tratemos da raça humana. Como conversam os homens? Sobre que falam?

Antes de outra coisa qualquer, é necessário estabelecer divisões. Por sexo e por idade. Sim. Porque, nem no interior perdido do Brasil, conversa e botocudo pode ser confundida com a de uma mimosa botocuda. Tampouco os pensamentos e preocupações de um rapaz podem ser iguais aos de um velho. Nem conversa de bebê pode ser equiparada à de um broto de alta cabeleira. Embora o miolinho de ambos tenha o mesmo peso de algumas centenas de gramas. Se chegar a tanto, convenhamos.

Como é conversa de homem? De homem feito?

É aritmética pura. O que eles mais empregam e repetem, frase sim, frase não, são números. Nos clubes da praia, nos bares da cidade, nos botecos dos morros, nas ruas, no Impala, nos empregos, em casa, nos ônibus sacolejantes, de domingo a domingo, o vozeirão varonil só cita cifras. Números e mais números. Reparem: "isso vai me dar uns 5 milhões". "Preciso, no mínimo, de mais uns 20". "Só 29 cents?". "Põe mais 13 e está feito". "Nem por 2, nem por 4". "Só pagou 23?"

Mas não saem nunca da infame aritmética? Claro que saem. Para cair em cheio na geometria. Na geometria das linhas. Das doces linhas curvas que eles parecem apreciar imensamente. De forma tão especial que a voz áspera se dulcifica, o olhar frio se aquece. Como se enternecem por linhas do colo, por curvas de quadris.

Conversa de homem é isso. Dinheiro e mulher. Danam-se pelo primeiro para conseguir a segunda.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série