GENTE E COISAS DA CIDADE O espanto do turista
Lydia Federici
O paulistano não perde muito de seu tempo vendo isso. Ele, de Santos, só quer areia e mar. Quanto mais, melhor. Mas o turista que vem de
Campinas ou de Ribeirão Preto, depois de alguns dias de praia e de mar azul, acaba indo dar um giro pela cidade. Descobre, então, meio curado de seu complexo que, tirando o mar, isto não é nada melhor que a cidade de onde vem.
Se tem um carro, vai varando ruas. Ao léu. Passeia pelos bairros operários. Embica, por acaso, na zona residencial média. Com curiosidade, examina as avenidas e ruas arborizadas onde deve morar a família rica de Santos. Descobre algumas casas
bonitas e modernas. Umas quase escondidas pelas outras. Nos poucos bangalôs, nos raros palacetes antigos, seus olhos, acostumados aos hectares de terra, espantam-se com a exiguidade dos jardins.
"Santista é doido. Não gosta de terra. Junta sua casa à do vizinho“.
É, meu amigo. O negócio não é bem esse. Gostamos de terra, sim. Mas que fazer se não temos chão?
Lá, de onde você veio, se der na veneta de sua senhora construir uma casa numa quadra toda, a solução é simples. É só chegar para fora da zona construída, escolher a quantidade de chão desejada, encher um cheque e pronto. Um parque imenso servirá
de moldura, dará realce à casa de seus sonhos. Aqui não. Milhões não resolvem. Estamos numa ilha de limites determinados pela natureza. Aqui,nesta banda, vivemos nós. Do outro lado, os vicentinos.
É certo que, deste lado, ainda há terrenos. Do alto do Monte Serrate, descobrem-se algumas manchas verdes logo ali embaixo, perto da Santa Casa. Na Ponta da Praia também. Mas é só. O resto é só telhado. Ou terraço de arranha-céu.
Não gostamos de terra? Não apreciamos jardins? Somos doidos?
Pois sim! É claro que, podendo, preferiríamos ter isso tudo. Mas como, cada vez mais, o problema do chão aumenta, que podemos fazer? É ter, na área de serviço, um vaso com um antúrio sofredor, cuja terra, nas horas em que a saudade bater forte, a
gente, com unção, acariciará.
É, Braz Cubas, como Martim Afonso, apaixonou-se por esta ilha. Tiveram gosto, sem dúvida. Só que não puderam prever isso que aqui está. Mas que importa não termos mais chão para enfeitar de verde? Nosso mar, às vezes cor de esmeralda, satisfaz-nos
bem. E, apesar de espremido, quem sai daqui?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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