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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 28)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 27 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Imaginação de criança

Lydia Federici

Sílvio Augusto veio de São Paulo com promessa de sol, de praia e de mar. Por isso as duas coisas importantes que ele, em primeiro lugar, arrumou na sua pequena mala: o 'short' bem curto e o boné.

Mas alguém ou algo enganou o menino logo de manhã cedo. A chuva. "Acho que não vamos ter praia, hoje". Falaram-lhe com pena, beijando-o muito, à guisa de consolo. A carinha redonda, em que dois olhos arregalados pediam mar e areia fofa, fica triste. A mão gorducha coça o nariz.

"Mas chove muito? Ou é só pouquinho?"

"Chove de alagar". Os olhos pretos amortecem-se ainda mais. "Mas, de tarde, se não parar, iremos à matinée. Sempre vai dar pra distrair um pouco, você não acha?"

Matinée. Matinée ele tem em São Paulo. Mar é que não. Mas não diz nata. Apesar dos seus 8 anos, compreende que não é a madrinha quem manda sol ou chuva. Ela não tem culpa. Deus é que faz o que quer.

Pela janela do apartamento olha o chão molhado. Acompanha, com o dedo, sorrindo, as gotas de água que escorrem, em zigue-zague, pela vidraça. De vez em quando levanta os olhos para o céu branco. Ia chover muito mesmo. Nem adiantava ter posto o 'short'. Mas quem sabe se iria melhorar mais tarde? Enquanto isso, o melhor era passar o tempo. Pega a lousa mágica que também viera na mala, senta-se no sofá, de onde pode ver quando a chuva vai parar, pensa um pouco e começa a desenhar. Faz o casco de um navio. As cabines. Com portas e vigias. Ergue um mastro. De onde, de repente, enfuna duas velas airosas. No topo do mastro, ondulante, uma bandeira. Uma bandeira leve que flutua. Uma bandeira que deve estar seca, apanhando muito sol e muito vento fresco para panejar com aquela graça.

Sílvio Augusto sorri para o seu veleiro.

Um veleiro que navega em mar calmo. Um veleiro cheio de sol. De onde os imaginários marinheiros devem estar vendo a praia branca, cheia de gente, contente, a brincar na areia fofa. De boné na cabeça.

E assim Sílvio Augusto, apesar da chuva, vai à praia, vê um navio brilhante a entrar na barra, brinca na areia. Tem tanta imaginação que, à noite, é capaz de pedir à madrinha que lhe passe óleo nos ombros que ardem, queimados pelo sol que ele criou.

Sílvio Augusto, empreste-me sua imaginação, sim?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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