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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 25)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Vendedoras e fregueses

Lydia Federici

Vendedoras, balconistas, caixeiras? Que são elas, afinal? O nome não importa. Pode variar. Mas numa coisa elas e eles são quase que imutáveis: na forma de atender. São sempre sorridentes, bem-humorados, solícitos, respeitosos e gentis.

Querem exemplos? Pois não.

O senhor gordo, com cara honesta de pai de família, entra no armarinho, meio hesitante. Olha para os balcões, descobre o que lhe deve servir. "Bom dia, senhorinha. A senhorinha tem…" antes que ele possa lembrar-se do nome da coisa que sua mulher repetira 8 vezes, a vendedora, zombeteira, estala a língua duas vezes,numa negativa. E, toda alvoroçada, se dirige para o bonitão que aparecera na porta. E agora? Pra quem é que ele vai pedir o cadarço?

"Eu queria uma colônia bem delicada, suave. A senhora pode indicar qual a melhor?" A mocinha, com ar de enfado, aponta com a lixa, a vitrine sob o balcão. "Pode escolher. Estão todas aí". E continua a limar, careteando, a unha que arrebentara.

A senhora precisa de lençóis para as camas das empregadas. Coisa de pouco preço. Uma amiga sugere-lhe uma loja tipo popular. Ela vai. A caixeira, meninota de dentes estragados, o lápis atravessado na montanha de cabelos, atende com prontidão. "Bom dia, meu bem". "Temos, bem". "Com essa largura, não tem, bem". "Porque não leva este, bem?" Ora. Quem aguenta, de uma desconhecida, tantos bem-bem-bem carinhosos e íntimos?"

A história vai nessa base. Ou altiva distância. Ou excesso de intimidade.

À tarde, quem entra em qualquer loja, não consegue ser atendido. Não há vendedora livre. E, por incrível que pareça, elas sempre dão preferência a outros que não nós. Se se vai de manhã bem cedo, também não há jeito de pegar uma caixeira livre. Todas elas estão conversando, contando-se como passaram a noite, o que ele disse, o que elas responderam. Não adianta tentar chamar-lhes a atenção com um alegre "bom dia". Também não adianta tamborilar os dedos sobre o vidro do balcão, com impaciência. Talvez só um soco, espatifando tudo, conseguisse interromper o emocionante capítulo do romance da véspera. Mas quem é bobo a esse ponto?

Há as que atendem por atender, pouco se lhes dando que o freguês compre ou não. O patrão que se dane. Há as insistentes, excessivamente solícitas, que atordoam qualquer comprador. Mas, e daí?

A classe das vendedoras, desde a loja mais fina até a mais chinfrim da cidade, anda, com raras exceções, uma tristeza. Quem faz compras que o diga.

Mas deixe estar que os fregueses, com raras exceções, também estão, hein? As caixeiras que contem o que amargam nas 8 horas.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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