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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 23)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 21 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Ornamentação pitoresca

Lydia Federici

Se bom ou ruim, isso que nos anda a cair, com fartura, do céu, não sei. Cada qual tem uma opinião. Acontece que a mesma pessoa tem até, em alguns casos, duas maneiras diferentes de pensar. Portanto, é deixar o julgamento a cargo de cada um. Sem discutir. Inteligentemente. Aceitando, por exemplo, a alegria dos negociantes que, esfregando as mãos, veem sair, às centenas, as capas de plástico há anos encalhadas no canto mais escondido das prateleiras. Ou a pena com que outros guardam e arrumam os maiôs, as blusas leves, os chapéus estrambóticos de Capri-Brás.

Se, nos bares, encalha o sorvete, haja, em compensação, a caninha e conhaque para os fregueses habituais e para os caras novos e apressados. Os balconistas de farmácia, com os pés úmidos, não têm um minuto de sossego. Amaldiçoam este tempo, atchim, miserável. Já os donos das drogarias sorriem com estranha beatitude e acham-no muito lucrativo. Isto é, não é isso, mas no fim o que eles pensam é isso mesmo.

O motorneiro impreca contra a falta de limpadores de para-brisas no seu bondeco. "Se carro tem, por que não o elétrico?" Mas no fundo, apesar da pouca visibilidade, sempre encontram um certo conforto em perceber que os motoristas, nas ruas escorregadias, guiam com menos afoiteza. E que não há tanto povo chucro atravessando os trilhos e dançando bem na frente do bonde comportado.

É boa ou má esta chuva que não para?

Sei lá.

O argumento mais forte e mais repetido contra o exagero molhado desta semana é o desespero das donas de casa, com bateladas de roupa que não há meios de enxugar. Mães novas e aflitas, às dez da noite, cansadas e lacrimosas, secam a ferro fraldas macias e cueiros encharcados. É de cortar o coração, não é? Mas, em contraposição, há uma beleza nova na cidade. Vocês já repararam como ela está pitoresca? Lembra festa de São João. Com toda sua colorida fantasia. Nos morros, nos vãos do porão, sob o teto de alpendres, galpões, até de galinheiros, roupa e mais roupa dependurada. Cá de baixo, parecem bandeirolas festivas. Nas casas ricas ou pobres, do José Menino ao Macuco, da Ponta da Praia ao Marapé, roupa e mais roupa, nos varais improvisados, a escorrer. E nas janelas dos apartamentos? Do 1º ao 15º andar? Roupa e mais roupa a pingar. A pingar. A pingar.

Nunca vi esta cidade tão pitorescamente enfeitada. Nem no Natal, nem no Carnaval, nem mesmo nas festas juninas. Reparem na beleza do colorido, na riqueza das formas, na variedade dos enfeites. Isto agora, sim, é que é ornamentação.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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