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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 19)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Bambu, o corneteiro

Lydia Federici

"Olhe só. Sabe quem é esse?"

Um homem desmesuradamente alto e fino passava rodeado de crianças irrequietas. Com o rosto bom de todos os avós, ele só cuidava que os netos permanecessem na calçada, ao lado de dentro, junto ao muro. Quanto a pular e a rir, que o fizessem.

Ora. Como é que a gente vai conhecer todo mundo? Parecia um avô feliz levando a criançadas para a praia. Idoso, naturalmente. Mas duro, forte e teso ainda. De incomum, assim à primeira vista, só a altura. Quem era? Que fizera?

"É Bambu, o corneteiro". Na voz que informava, senti uma certa emoção, Contaram-me pouco, quase nada, de Bambu. Coisa pouco explicada que não dava para formar ideia do que havia de mais naquele homem tão simples e tão comum.

Tinha pertencido ao Exército e tocava corneta. O melhor corneteiro que se conhecia. Parada, desfile, retreta sem Bambu não era coisa que prestasse. Houve muitos corneteiros. Alguns muito bons. Todo corneteiro sopra ar, com as bochechas infladas, para dentro da corneta reluzente. Mas fazer sair, daquele pedaço de metal, as notas puras e claras que todos ouviam com arrepio, só Bambu. Um artista, então? Sim. Isso mesmo. Um artista. Um soldado-artista ou um artista-soldado.

"Ordens superiores eram acatadas com relutância por toda a rapaziada do Tiro. Preleções eram palavras sem sentido. Mas na hora em que esse homem alto levava a corneta à boca, fosse qual fosse o toque, todos se imobilizavam e ouviam com atenção. Mais ainda, com emoção. Nesse momento, todos sentiam o que era a Pátria. Ouviam-lhe a voz nas notas límpidas, puras, vibrantes e cristalinas da corneta".

Bambu. Bambu.

Muito pouco souberam contar-me de você. Só isso que aí está. Nem chego a formar ideia de como você era, como soldado. Por que, então, ao imaginar aquela corneta que fazia vibrar a mocidade de 20 anos atrás um homem ainda se emociona? E uma moça também? E pensam, com vibração, na Pátria?

Aposto que sua corneta era mágica, Bambu. Uma pena que você, aposentado, não a faça mais falar à mocidade e aos homens do Brasil.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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