GENTE E COISAS DA CIDADE Características das feiras
Lydia Federici
Nada menos característico que as feiras de Santos. Absolutamente despersonalizadas. Falta de imaginação total e completa.
Houve um prefeito que, visitando as feiras que se realizam na cidade, teve seu senso artístico – o econômico também, felizmente – chocado com a monotonia triste e desordenada das barracas. Feira de Santos era feira sem cor. Sem alegria, portanto.
Mandou, então, que os toldos pardos ou verdes fossem substituídos por lonas de cores vivas. Mas a ideia decretada caiu logo. Tinha que air. Lona listada, vermelha, azul ou amarela, desbota, mofa e apodrece num ano. Só a parda ou a verde esmaecida é
que aguenta o sol, a chuva, o enrolar e o desenrolar cotidiano.
Daí a tristeza que, cada vez mais, se vê sobre as verduras, as frutas, o peixe de olho esbugalhado. Se ao menos as mercadorias expostas tivessem um bom colorido. Mas qual. Tudo acompanha a tristeza pardacenta das barracas, o desânimo cansado dos
feirantes, o desespero impotente dos compradores. A laranja é esverdeada, porque colhida imatura. A cenoura é bege. De velha. A abóbora, pálida, por falta de água e de sol. A beterraba, suja de terra, é cor de ferrugem. As verduras, coitadas,
mostram um verde murcho. Só os alfaces é que alegram a banca com sua cor de esmeralda fresca e apetitosa. Mas também só até as 8. 8 e meia, quando muito. E essa ideia de frescura dura apenas até o momento em que os olhos veem o preço na tabuleta,
sejamos honestos.
De vivo, na feira ensolarada ou chuvosa de Santos, só o vermelho dos tomates. E esses são de um vermelho vivo, sabemos por que. De vergonha. Vergonha daquelas tabuletas rabiscadas a giz, espalhadas pela banca, sempre com dois algarismos, quando não
três, as exageradas.
As feiras de Santos, que, com um pouco de boa vontade e de imaginação, poderiam deixar, nos forasteiros, uma lembrança típica qualquer, nada têm, entretanto, que as caracterize. Nem as bancas de peixe servem para identificá-las. As de São Paulo
apresentam maior variedade de peixes, ora já se viu?
Procurando bem, encontramos, entretanto, nas quase inúteis feiras da cidade, uma característica que talvez as identifique: o desânimo com que, nas feiras dos bairros, se tiram da ponta do lenço, as notas pequenas e amarfanhadas que compram uma lata
de óleo; o mesmo desânimo com que, nas feiras das praias, mãos manicuradas estendem a nota graúda para pagar o quilo de cenouras, a dúzia da São Tomé, a caixa dos figos.
Atualmente é isso que há nas feiras: um grande, silencioso, amargurado desânimo. Mas silencioso até quando? Sei lá.
Desculpem-me. Mas que essa é uma característica besta, é.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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