Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d017.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/09/14 15:09:55
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 17)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Características das feiras

Lydia Federici

Nada menos característico que as feiras de Santos. Absolutamente despersonalizadas. Falta de imaginação total e completa.

Houve um prefeito que, visitando as feiras que se realizam na cidade, teve seu senso artístico – o econômico também, felizmente – chocado com a monotonia triste e desordenada das barracas. Feira de Santos era feira sem cor. Sem alegria, portanto. Mandou, então, que os toldos pardos ou verdes fossem substituídos por lonas de cores vivas. Mas a ideia decretada caiu logo. Tinha que air. Lona listada, vermelha, azul ou amarela, desbota, mofa e apodrece num ano. Só a parda ou a verde esmaecida é que aguenta o sol, a chuva, o enrolar e o desenrolar cotidiano.

Daí a tristeza que, cada vez mais, se vê sobre as verduras, as frutas, o peixe de olho esbugalhado. Se ao menos as mercadorias expostas tivessem um bom colorido. Mas qual. Tudo acompanha a tristeza pardacenta das barracas, o desânimo cansado dos feirantes, o desespero impotente dos compradores. A laranja é esverdeada, porque colhida imatura. A cenoura é bege. De velha. A abóbora, pálida, por falta de água e de sol. A beterraba, suja de terra, é cor de ferrugem. As verduras, coitadas, mostram um verde murcho. Só os alfaces é que alegram a banca com sua cor de esmeralda fresca e apetitosa. Mas também só até as 8. 8 e meia, quando muito. E essa ideia de frescura dura apenas até o momento em que os olhos veem o preço na tabuleta, sejamos honestos.

De vivo, na feira ensolarada ou chuvosa de Santos, só o vermelho dos tomates. E esses são de um vermelho vivo, sabemos por que. De vergonha. Vergonha daquelas tabuletas rabiscadas a giz, espalhadas pela banca, sempre com dois algarismos, quando não três, as exageradas.

As feiras de Santos, que, com um pouco de boa vontade e de imaginação, poderiam deixar, nos forasteiros, uma lembrança típica qualquer, nada têm, entretanto, que as caracterize. Nem as bancas de peixe servem para identificá-las. As de São Paulo apresentam maior variedade de peixes, ora já se viu?

Procurando bem, encontramos, entretanto, nas quase inúteis feiras da cidade, uma característica que talvez as identifique: o desânimo com que, nas feiras dos bairros, se tiram da ponta do lenço, as notas pequenas e amarfanhadas que compram uma lata de óleo; o mesmo desânimo com que, nas feiras das praias, mãos manicuradas estendem a nota graúda para pagar o quilo de cenouras, a dúzia da São Tomé, a caixa dos figos.

Atualmente é isso que há nas feiras: um grande, silencioso, amargurado desânimo. Mas silencioso até quando? Sei lá.

Desculpem-me. Mas que essa é uma característica besta, é.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série