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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 14)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 11 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Peixeiros de Santos

Lydia Federici

Antigamente, quando a cidade tinha 60 mil habitantes, os peixeiros italianos ou espanhóis, de manhã bem cedo, um cesto em cada braço, corriam as casas e pensões da praia. O peixe era fresco. Tinha saído da água havia uma hora, quando muito. Quem gostasse de levantar com o sol, podia vê-lo sair do mar, debatendo-se na rede que os pescadores, de costas, pés fincados na areia, pacientemente puxavam. Esses caiçaras de pele escura usavam calça enrodilhada, uma tira de lã cingindo os rins, da qual saíam os tirantes que, com uma simples virada, prendiam na corda tensa que arrastava a rede. Mas essa vai ser outra crônica. A de hoje é sobre os peixeiros.

Naquele tempo de vida sossegada, uma pensão comprava uma cambucu de cinco ou seis quilos por 35 mil réis. Por tainha e pescada pequena dava-se uma bagatela e um cálice de caninha. Que o peixeiro falador e amigo lembrava quando esquecida.

Se havia peixe miúdo? Lógico. Ficava na praia, pra quem quisesse levá-lo.

Depois, vieram os primeiros japoneses. Trouxeram a moda da vara sobre o ombro, de cujas extremidades pendiam dois tabuleiros a balançar no ritmo dos pés descalços e chatos dos carregadores. Peixeiro que se prezasse usava aquela vara balouçante. Também vinham de porta em porta, tagarelas, com o peixe fresco da Praia Grande. Mais grã-fino. Puxado a boi. Mais caro também.

Agora os peixeiros, calçados, andam de triciclo de carga. Com parede dupla. Ou de bicicleta, com a caixa sobre a roda traseira. Vendem peixe pescado em alto mar, pelos grandes barcos japoneses. Peixes frigorificados nas câmaras dos pesqueiros, gelados no Entreposto ou no Mercado. Peixes que, nas caixas dos triciclos e das bicicletas, se não estiverem cercados de gelo, perdem a cabeça à menor sacudidela. Não para mais de casa em casa esses está fraco, concordam em escamar e destripar uma pescada jururu para a empregadinha catita e dengosa. Ou para a freguesa generosa. Os gatos da vizinhança, nesse dia, regalados, limpam a rua.

Em fins de semana ou temporada, só gente de apartamento é que vê e pega o peixeiro. Meia hora depois da parada diante da porta dos arranha-céus, carrinho vazio, bolso cheio, o peixeiro já trabalhou demais.

E quem quiser peixe que vá buscá-lo no mercado, ué!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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