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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 13)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Uma família na praia

Lydia Federici

Avô e neto são os primeiros a atravessar a calçada ensolarada que o zelador lava num desperdício de água. Vão diretos para a praia, quase atropelando a tabuleta "Não pise no gramado" do jardim. Penam e brigam para fincar na areia fofa o cabo do guarda-sol colorido. Quando o resto da família chega, o velho já está cansado de apanhar sol e de ver pernas bonitas e feias. Mas aguenta firme, chapéu e palha defendendo a careca. Feliz.

A avó, meio sem jeito dentro da saia de banho recatada, guarda o plástico com o tricô no banquinho de lona e vai até a beira do mar, rebocando a menina gorda. Que olha para trás à procura das amigas. A filha, vistosa, Helanca violeta sobre a pele oleosa, abre a poltrona no jardim. Não gosta da areia. Lê e sonha sob a sombra vacilante dos galhos do chapéu de sol.

"Olha uma conchinha cor de rosa". Mas a menina gorda há muito que joga vôlei com as amiguinhas sardentas e desengonçadas. Levanta os braços para bater na bola. Abaixa os braços para puxar o maiô. "Vó. Olha meu nariz". Foi a tábua que, traiçoeira, embicara. Com o corredor-de-onda junto.

Almoço. Soneca. Muito talco na pele ardente. As crianças pescam siri, junto ao canal. Avó e filha conseguem pôr-se de acordo e estão na Ponta da Praia, comprando peixe. E camarão, que vai empestear todo o carro. O avô foi beber água na Biquinha de Anchieta. Uma camisa leve e aberta, mostrando o peito enfarinhado, pesa-lhe nos ombros. Incomoda-o. Não chega a São Vicente. Perde-se pelo Gonzaga. Beleza de praia. Beleza de gente.

À noite, a avó empilha os pratos na pia da cozinha, olhando com pena para a filha perfumada que vai, com uns amigos, até um clube de carteado. A menina chupa um cacho de uvas na janela do apartamento alto. Cospe as sementes para a rua iluminada, colorida. "Vô. Vem ver só quanta gente". Ele vai, com um gemido. Olha. Anima-se. "Marieta. Vou comprar cigarros. Não. Vou sem camisa mesmo". Na caçada, o neto, nariz e queixo esfolados, explica aos amigos como se deve correr onda.

Uma senhora pacata que sai da reza do Embaré, terço na mão, olha com horror para a barriga nua do velhote sem compostura, credo. Ora, minha senhora. É temporada. É turista.

Na cozinha do apartamento, a vó olha para a meia concha cor de rosa. Resolve lavar os pratos. Assim, de manhã bem cedo, poderá, livre, ir procurar mais algumas na praia ainda deserta. Fique com sua ilusão, vovó. Ninguém terá coragem de dizer-lhe que não é toda noite que uma moça perde, junto ao mar, uma conchinha cor de rosa do broche comprado no Gonzaga, feito em Itanhaém.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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