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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 8)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 4 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

A mancha

Lydia Federici

Chovera. Continuaria chovendo?

Com o carro parado na rua, o rapaz olhou o céu, pensou um pouco e resolveu: não voltaria a sair. Engrenou a marcha e, com cuidado, pelo portão aberto, guiou o automóvel até a garagem dos fundos.

Distraído mas contente, foi fechar o portão, tomando cuidado para não pisar nas poças d'água do caminho de ladrilhos. Uma mancha de óleo espraiava-se lentamente no chão molhado. Olhou-a com incredulidade. Esticou o olhar. Com raiva crescente viu outra mais adiante. Outra mais. Uma carreira delas, desde a garagem até o portão.

"Maldição. Está vazando de novo? Não é possível". Entrou em casa furioso. Vera esperava-o, sorridente. "Você guardou o carro? Não íamos ao cinema? Nossa! Que foi que houve? Que aconteceu?"

"Que aconteceu? Aconteceu que não vamos sair. Vai chover e o carro, o grande maldito, está vazando novamente. Ficou ontem, o dia todo, na oficina, não ficou? Pois está vazando. Vaza mais agora que antes". Num crescendo de indignação: "Esses mecânicos são todos uns ignorantes. Uns grandes patifes. Uns ladrões miseráveis. Uns…", a moça tapou-lhe a boca:

"Calma, querido. Como é que você sabe que ele está vazando? Vai ver que é cisma sua".

"Cisma nada. Por onde passei fui deixando um rastro de óleo. Cada mancha deste tamanho". Abria as mãos em círculo, alargando a roda. Vera, meio preocupada, olhou o marido furioso. De repente, lembrou-se de alguma coisa. Sorriu, alvoroçada:

"São manchas coloridas?"

"Sei lá se são. São manchas de óleo, Vera. Óleo que vaza de carro, não entende?" Sua resposta foi impaciente. Mas a moça seguia uma ideia.

"Não se aborreça, Carlos. Venha me mostrar as manchas. Preciso tirar a limpo uma coisa que li ontem no jornal. Venha". Agarrou a mão do marido, arrastando-o para fora. Ele, furioso. Ela lépida e feliz.

A primeira mancha ali estava. Redonda. Toda colorida. Continuando a alargar-se, milímetro por milímetro. A moça olhou-a, curvando-se para examinar mais de perto. Levantou-se, olhou para o rapaz com olhos brilhantes, maravilhados.

"Tal e qual. Repare, Carlos, que beleza. O garoto tinha razão: é um arco-íris que se derreteu".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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