GENTE E COISAS DA CIDADE A mancha
Lydia Federici
Chovera. Continuaria chovendo?
Com o carro parado na rua, o rapaz olhou o céu, pensou um pouco e resolveu: não voltaria a sair. Engrenou a marcha e, com cuidado, pelo portão aberto, guiou o automóvel até a garagem dos fundos.
Distraído mas contente, foi fechar o portão, tomando cuidado para não pisar nas poças d'água do caminho de ladrilhos. Uma mancha de óleo espraiava-se lentamente no chão molhado. Olhou-a com incredulidade. Esticou o olhar. Com raiva crescente viu
outra mais adiante. Outra mais. Uma carreira delas, desde a garagem até o portão.
"Maldição. Está vazando de novo? Não é possível". Entrou em casa furioso. Vera esperava-o, sorridente. "Você guardou o carro? Não íamos ao cinema? Nossa! Que foi que houve? Que aconteceu?"
"Que aconteceu? Aconteceu que não vamos sair. Vai chover e o carro, o grande maldito, está vazando novamente. Ficou ontem, o dia todo, na oficina, não ficou? Pois está vazando. Vaza mais agora que antes". Num crescendo de indignação: "Esses
mecânicos são todos uns ignorantes. Uns grandes patifes. Uns ladrões miseráveis. Uns…", a moça tapou-lhe a boca:
"Calma, querido. Como é que você sabe que ele está vazando? Vai ver que é cisma sua".
"Cisma nada. Por onde passei fui deixando um rastro de óleo. Cada mancha deste tamanho". Abria as mãos em círculo, alargando a roda. Vera, meio preocupada, olhou o marido furioso. De repente, lembrou-se de alguma coisa. Sorriu, alvoroçada:
"São manchas coloridas?"
"Sei lá se são. São manchas de óleo, Vera. Óleo que vaza de carro, não entende?" Sua resposta foi impaciente. Mas a moça seguia uma ideia.
"Não se aborreça, Carlos. Venha me mostrar as manchas. Preciso tirar a limpo uma coisa que li ontem no jornal. Venha". Agarrou a mão do marido, arrastando-o para fora. Ele, furioso. Ela lépida e feliz.
A primeira mancha ali estava. Redonda. Toda colorida. Continuando a alargar-se, milímetro por milímetro. A moça olhou-a, curvando-se para examinar mais de perto. Levantou-se, olhou para o rapaz com olhos brilhantes, maravilhados.
"Tal e qual. Repare, Carlos, que beleza. O garoto tinha razão: é um arco-íris que se derreteu".
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
|