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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 9)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 5 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Uma rua

Lydia Federici

É uma rua feia. Nem reta é. De asfalto remendado, passeios estreitos, sujos e gastos, com casas velhas que ainda se aguentam de pé porque uma serve de muleta à outra. Mas podia ser toda de ouro. Não liga para isso porque é rua masculina. Sendo masculina discute, logicamente, a mulher. Qualquer mulher.

Rua de casimiras inglesas, gravatas italianas, brim de Pirituba e sapatos sem solas. Cheia de contrastes. E de incongruências. Que, nos feriados nacionais, comemora a festa com bandeiras que pendem, tristes, sobre um chão deserto e sem sol; mas que, num dia comum de fim de ano, se enche de bolas, de rojões, de serpentinas, de chops, de música e de gritos que vivam: "Santos. Santos. Santos".

É rua que, apática, deixa o mundo afundar-se ou ir pelos ares. Mas que acorre, pressurosa, penalizada, solícita, para salvar um filhote de pardal que caiu do beiral da "Bolsa". Rua que discute 18 minutos com o vendedor ambulante de frutas, exigindo um abatimento de 5 cruzeiros na dúzia do "galeguinho". Mas que perde ou ganha milhões, num minuto, com um simples e inexpressivo levantar de ombros.

Rua do segredo momentâneo, quando uma boca trancada significa 5 cents a mais. E rua que sabe de tudo, inclusive o que acontece entre 4 paredes.

Rua impiedosa e pródiga. Que enxota um mendigo chagoso mas não deixa sem ajuda uma viúva com 4 filhos, cujo chalé pegou fogo. Rua que dá um pontapé nas calças furadas de um moleque atrevido, mas que ergue uma "Cidade da Criança".

Rua que fala com Londres, Nova York, Boqueirão e Macuco. Rua que se abaixa, gentil e divertida, para apanhar as pérolas falsas de um colar arrebentado. Que se ergue, forte e enérgica, para gritar um "não" poderoso e definitivo a um governo que desgoverna o país.

Rua do canudo de papel pardo, dos cheques, das promissórias, dos "papagaios", dos "penduras", das joias guardadas no bolso, à espera da noite.

Rua que alemães suados e rubicundos filmam; que inglesas idosas, de chapéus incrivelmente floridos, fotografam num alvoroço infantil.

Rua que o mundo curioso conhece de longe e gostaria de ver de perto.

Rua que 200 mil santistas nunca viram. Nem estão tentados a ver: a mais famosa rua do café do mundo: a nossa Rua XV.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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