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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 7)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 3 de janeiro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Yemanjá

Lydia Federici

O amigo falou, remexendo a bebida no copo alto:

"Você nunca foi ver, na última noite do ano, a festa de Yemanjá? Não? Mas que santista é você?"

A moça, brincando com as medalhinhas do pescoço, sorriu encabulada.

"É uma das coisas mais interessantes que acontecem por aqui. Você nunca teve a curiosidade de ir espiar? Uma pena. Quer ir hoje? Eu venho buscá-la".

"Não. Eu vou sozinha, se conseguir escapar. Mas como é? Onde é?"

"Na praia. Em toda a orla do mar. Do pontão das barcas do Guarujá até a Biquinha de São Vicente. Como é? Mais difícil de explicar. Só mesmo vendo. É à meia noite. Os crentes se reúnem na praia. De longe, vê-se o tremeluzir amarelo das velas que mal e mal delineiam os fantasmas de branco. O mar lhes reflete os vultos e a luz. Fica um brilhante facetado. Sobre o qual caem as flores brancas para Yemanjá, a senhora do mar. Há outras oferendas, sim. Muitos estouram garrafas de champanha. Que espuma e vai toda para o altar de Yemanjá. Não fica uma gota na garrafa segura de pé. Isso é sinal de que Yemanjá se agradou da oferenda e vai atender a graça solicitada. É impressionante. A fé, o cântico monótono, o círculo de velas, as figuras de branco, o mar coalhado de flores. Todas brancas. Vamos? É festa que merece ser vista".

A moça ouviu, imaginou. Ficou com vontade de ir.

Durante a noite, nas últimas horas do ano, Yemanjá lhe ocupou a mente. Escaparia até a praia, sim. Para ver o que nunca havia visto.

Meia noite foi chegando. A hora de Yemanjá também. E ela, no meio da família, rodeada, solicitada, sem jeito de escapar. "Yemanjá. Eu vou, sim. Espere um pouco, que eu vou".

Meia noite chegou. Velas na praia. Mulheres de branco a cantar. Pétalas brancas nas ondas mansas do mar. "Feliz Ano Novo". Abraços. "Muita saúde e alegria". Beijos. Telefonemas de amigos. Yemanjá recolhendo as oferendas. Yemanjá sorrindo aos cânticos. Meia noite passando. Ficando longe para trás. A moça, nervosa, inquieta, perdida, sem poder escapar.

Manhã bem cedo, foi à praia. Procurou tocos de vela na areia. Pétalas brancas no mar. Nada. Mar e praia eram praia e mar de sempre.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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