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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 6)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 31 de dezembro de 1961 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

O Homem da Bicicleta

Lydia Federici

As sirenas dos navios começavam a apitar. O céu, um borrão riscado de traços vermelhos, amarelos. Os estouros dos rojões faziam o ar tremer.

"Ainda falta um minuto. Toca. Enfia o pé".

O carro entrou na avenida do canal fazendo a curva à toda.

Um ciclista, de camisa branca esvoaçante, ocupava toda a rua ziguezagueando como louco na frente do automóvel. De repente, foi em direção ao canal.

"Breca. Para". Gritos angustiosos que se perderam num segundo, pela noite iluminada e tonitruante. Mas a bicicleta entrara por uma ponte estreita. Uma gargalhada sobrepujou o estouro das bombas, os apitos, as buzinas, os tiros, a gritaria, o nosso susto momentâneo. Uma gargalhada de boca escancarada, subida do coração num desafio à vida. À morte. A gargalhada de um homem livre e feliz.

"Esse diabo está bêbado". "É louco".

Não. Não estava bêbado. Não era louco.

Era um homem. Apenas um homem feliz, doidamente contente.

Um homem forte. E saudável e vigoroso. Um fraco nunca pedalaria naquele frenesi. Era um homem que não tinha automóvel mas que, satisfeito, usava uma bicicleta. Que o servia plenamente. Talvez não tivesse casa própria. Mas para um teto qualquer ele estava indo. Se voava é que um beijo de mãe, de esposa, de um filho o estava esperando. Ou então o abraço de um amigo.

Corria porque estava no último minuto de mais um ano. Um ano que ele, bem ou mal, havia, vitoriosamente, vivido. Por isso a sua alegria. Aquela euforia de vencedor que, nem no último minuto, temia o perigo que o podia atropelar. Tinha confiança. Fé em si próprio.

Era um homem que olhava para a frente. Só para a frente. Que ziguezagueava porque isso lhe dava prazer. Era um homem que, numa gargalhada, terminava um ano e começava outro. Seguro de sua força, de seu vigor.

Era um homem simples que, no minuto em que todos, medrosos, se encolhem, temerosos do destino; ou oram, pelo medo inexplicável que sentem; ou sorriem mentirosos, por uma esperança que sabem perdida, sabia gargalhar. E gargalhava como um deus!

É como esse homem da bicicleta que eu gostaria de terminar este 1961.

É com sua gargalhada de homem livre, despreocupado, destemeroso, forte, feliz, que eu gostaria de principiar este 62.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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