Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d004.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/16/14 15:27:03
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 4)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 29 de dezembro de 1961 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

São Paulo – Santos

Lydia Federici

O ônibus despejou meia dúzia de passageiros suados na agência da Ipiranga. Cinco minutos depois, com o mesmo chofer, voltava a Santos. Lotado.

Poucos paulistanos entre os passageiros; esses preferem descer logo cedo. Vê que são bobos. Chegando de manhã ainda pegam praia, ora.

Viagem silenciosa e calma de gente cansada. Entorpecimento tomando conta de tudo e de todos. Só um casal de namorados melosos cochicha e ri.

No 3º banco, um menino de pé, na frente do pai adormecido, põe o braço pela janela. O chofer diminui a marcha e chama a atenção do garoto. Foi aí que o ônibus começou a tomar conhecimento de que havia outro chofer dentro do carro. Um chofer pequeno que, com os lábios, imitava o ronco do motor, buzinava, dava sinais, brecava.

Ao entrar na Anchieta, todo o ônibus, atento, ouvia o garoto a guiar. Era engraçado o pixote. E entendia de trânsito. Das leis de trânsito. Só que, entusiasmado com a estrada, começou a exagerar. Perdeu o silenciador de seu carro imaginário. Era um ronco de tontear, interrompido, de vez em quando, por uma buzinada estridente, angustiosa. Piiiii. Brrrrr. Piiiii…

Um senhor impaciente, que já abandonara "Excertos de Bernardes" e que procurava dormir, pulava, sobressaltado, a cada toque de buzina.

Os namorados, silenciosos, só se acariciavam as mãos.

Na descida da serra, o chofer-mirim teve uma ideia abençoada. Ligou o rádio de seu carro. Ouviram-se pedaços de marchas de carnaval. Trechos de boleros. Os passageiros respiraram aliviados. Mas na "curva da onça" o garoto desligou o rádio e voltou a ser chofer e motor, buzina e breque.

Os viajantes voltaram a remexer-se. Atordoados. Azucrinados.

Numa curva imprevista, plaf! O tabefe cantou, sonoro, no braço do garoto. Fora o pai. "Guie com jeito, seu moleque".

Pois sim. Até a cadeia velha, na Praça dos Andradas, o ônibus de verdade aguentou a barulheira do ônibus de mentira. Desceram ali pai e filho. Quasea empurrados pelo suspiro de alívio de 33 viajantes atordoados.

"Deus te ajude a escapar de acidentes, futuro Fangio
[*] brasileiro".

Trinta e três pares de olhos homicidas voltaram ao normal.

Uff.

[*] Juan Manuel Fangio, automobilista argentino, nascido em 24 de junho de 1911 e falecido em 17 de julho de 1955, um dos maiores nomes das corridas de carros de sua época (N. E.).


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série