GENTE E COISAS DA CIDADE Mercado de Santos
Lydia Federici
Manhã de domingo. Últimas compras de Natal.
Quando o ônibus fez a curva do canal, o mau cheiro deu um soco no nariz de todos. "Foi um caminhão de ovos que fez fritada"…
Na praça que rodeia o mercado a confusão era geral. Um guarda, numa esquina, deixa os carros avançarem. Depois, sorridente, trila o apito e aponta a placa de contramão. Os choferes param, tentam dar marcha-a-ré, buzinam, fazem sinais para os de
trás desviarem. Engarrafamento. Mas ninguém discute. É véspera de Natal. Mulheres de chinelos, com as sacolas estourando, tentam atravessar as ruas, sacudindo-se, parando, desviando, avançando, recuando assustadas. Homens equilibram embrulhos mal
feitos nos braços. O mau cheiro põe todo mundo a correr.
Acotoveladas, espremidas, duas senhoras alcançam, por fim, a banca das frutas. Pelo lenço perfumado com que tapam o nariz, a voz sai rouca: "A quanto a caixa dos pêssegos?" A japonesa afogueada olha-as de relance e grita: "Pra senhora, 900".
Compram abacaxis. Fogem envergonhadas. Só se reconfortam quando vão descobrindo abacaxis nas cestas dos outros.
No mercado ao lado, o mau cheiro de fora se mistura com o dos peixes. Compradores ansiosos e meio desanimados pulam, aos trancos, de banca em banca. Há gente que compra. Gente vermelha, de fala cantante. Que, sem pestanejar, troca notas de mil por
lulas, camarões-pistola, pescadas de 3 quilos. O vendedor nem olha para os fregueses habituais.
Lá fora, no ar sufocante, a balbúrdia parece maior. Todos correm. Empurram-se. Mas não sai briga. Não é véspera de Natal?
No poste amarelo, dois homens de calça de zuarte e camisa de meia observam a fila e riem. Quando o 10 aparece, há um suspiro de alívio. Uma mulher gorda sobe com dificuldade. A segunda não perde tempo. Ergue a sacola de onde emergem dois longos
palmitos e sobe os degraus. Os palmitos levantam a saia da primeira. Um palmo. Dois palmos. "Se o palmito fosse mais comprido, hein, Zeferino?" E os baianos caem na risada, com um ar safado. Um embarcadiço alegre vai varando. "Não pode viajar com
bicho vivo". O rapaz olha para o cobrador, para a saca. A cabeça de uma galinha aparece dentre as folhas de verdura. Mas meu chapa. Eu mandei matar. Ela está nas últimas". O cobrador ri. O homem raspa pela borboleta, aboleta-se no único banco ainda
livre. A galinha bica a couve. Cantarola baixinho o seu "có! có"" quando a mão calejada do nortista empurra sua cabeça para baixo.
Mercado de Santos em véspera de Natal? Uma festa. Vai haver outra no dia 31.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
|