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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 2)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em  27 de dezembro de 1961 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Ressaca de Natal

Lydia Federici

Encontraram-se na terça-feira. Ambos murchos e verdes. Mas apertaram-se as mãos com calor, num gesto de simpatia e compreensão.

"Nem vou perguntar como você passou o Natal, meu velho". Bateu no estômago do amigo, significativamente.

"Mas eu faço questão de contar. Tive um Natal perfeito. Quase perfeito. O que estragou foi uma distração minha. Quer ver só? Comecei na véspera. Quininha tinha uma porção de presentes para distribuir. Iniciamos pelo Joaquim, o jardineiro. Ficou tão feliz que foi desencravar, duma gaveta do armário, um litro de aguardente da Beira Alta. Guardada há não sei quantos anos. Você sabe que não gosto disso. Mas como parecia da boa, bebi. Saí de Portugal leve, sorridente, carinhoso. Iniciada a alegria, por imposição de Quininha, resolvi continuar. Visitas feitas. Recebidas. Brindes, logicamente. Tomei um Jerez, em casa do comendador, que me fez compreender porque os espanhóis gritam "olé! Olé!". Experimentei, pela primeira vez, um vinho do Porto feito na Grécia. Suave, ensolarado, quase mitológico. Depois, com a rapaziada, tequila, rum manzanilla. Um "scotch" aprumou-me, fazendo-me beijar, britanicamente, todas as mãos femininas. Na ceia, Chianti ardente, Liebfraumilch louro e infantil. Uma "Veuve Clicquot" deu-me maus pensamentos. Um Benedictine amansou-me.

"Céus! Que mistura". Olhando, com pena, para o amigo: "Deu bobagem?"

"A mistura? Que nada. Bebi isso e outras coisas mais. Nunca me senti tão bem. Depois da ceia abrimos os presentes. Dei e recebi. Lèpido, bem humorado, numa alegria perfeita. Todos felizes".

"Mas aí a misturada começou a agir?"

"Ora, que teima, homem. Você sabe que eu aguento. A história só começou quando a Quininha, gentilmente, coitada, me deu um cigarro de ponta dourada. Tinha ganho numa caixinha do Edhmar. Distraído, acendi-o com o isqueiro que a Dulce recebera do noivo, que estava nos Estados Unidos. Foi a conta".

"O cigarro era?..."

"Era ótimo. Mas não percebi que era russo. Isqueiro americano e cigarro russo desencadearam o conflito. Virei campo de batalha. Penei e dormi todo o dia de Natal. Um azar essas coisas que não combinam. Não ria, não. Foi o cigarro, sim, com o isqueiro. Bebida não me derruba, homem".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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