Para Jairo Ferreira de Macedo (PX2-0922) a febre pelos rádios "faixa do cidadão" está
no auge
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FAIXA DO CIDADÃO
Ou o dia em que os PXs salvaram Cubatão
CUBATÃO - "Macanudos do meu Brasil, o pé de borracha aqui está a fim de dar um
73/51 e uns chutaços na canela em todos vocês". Na gíria estranha e engraçada dos fanáticos pelo uso dos rádios faixa cidadão, uma prática que
se alastra no País, escondem-se estórias anônimas de solidariedade humana. O prazer que uma pessoa tem de adquirir um rádio transmissor-receptor,
instalá-lo no seu carro, e intercomunicar-se usando um linguajar todo próprio, passa a ser um ato responsável, quando essa mesma pessoa se engaja em
uma campanha para adquirir um remédio raro, para levar mensagens de conforto a parentes distantes e lançar apelos em prol de desabrigados por
desastres ou intempéries.
Em janeiro de 1976, um PX - nome pelo qual se conhece um
proprietário do rádio faixa cidadão - contribuiu para trazer os primeiros socorros à cidade de Cubatão, inundada pelas enchentes. Ao final de dois
dias de trabalho, ele pôde transmitir o recado acima, devidamente traduzido agora, a todos os demais companheiros de cruzada: "Boa gente, o
motorista que opera o rádio deste carro agradece a todos vocês, carinhosamente".
Texto: Jairo Sérgio A. Campos
Fotos: João Vieira
28 de janeiro de 1976 - Chuvas intensas caem na Serra do Mar, provocando
enchentes que deixam mais de 10 mil pessoas desabrigadas. Todas as ruas dos bairros centrais e do Jardim Casqueiro estão tomadas pelas águas dos
rios Cubatão, Piaçagüera e Mogi, atingindo também a área do parque industrial. O prefeito Carlos Frederico Soares Campos decreta "estado de
calamidade pública" no município.
Durante algumas horas, a cidade ficou isolada do mundo. Os serviços de
telecomunicações e transportes não funcionavam. Isso não impediu, entretanto, que a cidade começasse a receber o auxílio de vários pontos da Baixada
e do Estado.
Poucas pessoas sabem o que realmente aconteceu e quem avisou os demais municípios
sobre a enchente e a necessidade de ajuda. O prefeito ressaltou, em notícias publicadas nos jornais, parte do que havia acontecido: "Os
radioamadores da Baixada contribuíram de forma incisiva para amenizar os problemas de Cubatão".
O socorro foi coordenado por equipes de amadores que possuem aparelhos de rádios nos
seus veículos, conhecidos como Faixa do Cidadão. Naquela época, a Faixa do Cidadão não era tão difundida como hoje. No Brasil, o público teve um
contato mais direto com esse tipo de comunicação, por causa do filme Agarra-me se puderes, estrelado por Burt Reinolds.
Celestino Ribeiro Filho, um dos radioamadores de Cubatão, prefixo PX2-1557, relembra
hoje a enchente de janeiro de 1976: "Naquele tempo eu não tinha prefixo ainda. Adquiri o rádio em fins de 1975. Eu saía do trabalho para o almoço e
chovia muito. Ao retornar ao trabalho, notei que a Praça Coronel Joaquim Montenegro, onde resido, estava inundada. Calculei então que o resto da
cidade deveria estar em situação bem pior".
"Depois de algum tempo, percebi que os telefones estavam mudos. Saí com minha
camioneta, onde estava instalado o rádio, e me dirigi ao antigo prédio da Prefeitura, na Rua São Paulo, e lá fixei minha base de operação. Não
demorou muito e entrei em contato com o Raul (hoje prefixado PX2-1277), e começamos a avaliar a situação. De imediato, foi formada uma rede de
emergência. Todos os PXs da Baixada passaram a colaborar".
Celestino continua a lembrar a enchente: "Realizamos uma ponte (conexão) com eles. A
segunda base da Baixada estava localizada no sopé da Ilha Porchat. Todos os socorros possíveis foram prestados pelas cidades da Grande São Paulo,
principalmente, as mais próximas. Cubatão ficou, durante horas, ligado ao resto do país por meio da Faixa do Cidadão. Para os 12 mil desabrigados,
que se agrupavam no Centro Esportivo Alencar Castelo Branco, chegaram medicamentos trazidos por Eliseu Galacho (PX2-0591) e sua cristal
(esposa) Giselda (PX2-0591/2). Os remédios foram entregues ao prefeito Carlos Frederico Soares Campos".
Em junho de 1977, os PXs entraram novamente em ação. Celestino agora conta a
participação dos PXs no pior acidente de toda a história da Via Anchieta, em 28 de junho de 1977.
"Naquele dia - diz ele - colaboramos com a Rede de Emergência do Estado de São Paulo (RESP)
- canaleta 9-PX2-7000), fazendo mais um serviço de informação, a respeito da situação em que se encontrava a Via Anchieta. Também demos muitos
telefonemas, tranqüilizando famílias que queriam notícias de seus parentes".
"A classe dos PXs sempre trabalhou no anonimato, compreendendo que, antes de um
hobby, o rádio da Faixa do Cidadão é um aparelho de utilidade pública. Todos os dias recebemos comunicados solicitando avisos de falecimento e
pedidos de medicamentos, vindos de vários pontos do Brasil, e até mesmo do exterior. São comuns os pedidos vindos da América do Sul. A maior função
do PX é ser útil ao seu próximo" - finalizou.
Vicente Osmar D'ângelo disse que só na Baixada existem cerca de 400 operadores
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Na Baixada
Na Baixada Santista o número de operadores varia entre 350 e 400, aumentando nos fins
de semana e férias, em 20 ou 30 por cento. Essa informação foi prestada por Vicente Osmar D'Ângelo (PX2-1315), ex-diretor de PX, da
Associação dos Radioamadores do Litoral (Aral).
O PX - diz ele - pertence exclusivamente à Faixa do Cidadão. Além de ser um hobby,
presta inúmeros serviços de utilidade pública. A diferença entre um radioperador da Faixa do Cidadão (PX) e de um radioamador (PY) está - afora as
siglas e a potência dos rádios - na isenção de exame que é facultado ao PX. Dentro do radioamadorismo existem diversas categorias, pois ele opera na
faixa dos dois, quinze, vinte, quarenta, sessenta e oitenta metros, sendo necessário, para subir de faixa, a prestação de exame no Departamento de
Telecomunicações (Dentel).
Para uma pessoa começar a transmitir em 11 metros e conseguir seu prefixo são
necessários os seguintes documentos: cédula de identidade, CIC, título de eleitor, certificado de reservista, atestado de bons antecedentes e
formulário adotado pelo Dentel, além do rádio.
A licença será identificada por um prefixo que é composto das letras PX seguido do
algarismo 2, que compreende a região de São Paulo e mais quatro algarismos, identificando a estação.
"O custo médio de um rádio - continua Vicente Osmar - está em torno de Cr$ 5 mil
(somente em AM). Existem também rádios com três opções (LSB-AM-USB), e que custam em média Cr$ 10 mil. O LSB é de maior alcance, além de fazer menos
ruídos. Todos os rádios são de fácil instalação em automóveis ou em casa. Normalmente o rádio utilizado é importado, mas há vários de fabricação
nacional. Eles podem ser adquiridos em lojas de material elétrico e eletrônico, ou fotóticas, onde também pode ser encontrado farto material de
reposição de peças".
Quem modula - Entre os PXs há pessoas exercendo os mais variados tipos de
atividades. As mulheres representam 20 por cento dos radioperadores que modulam na Baixada, e normalmente são cristais dos operadores. Elas
usam o mesmo aparelho e indicativo dos maridos, acrescentando apenas barra um ou dois, quando um ou mais elementos da família utilizam o rádio.
Os menores, com idade entre 10 e 18 anos, deverão ter um responsável legal para a
obtenção do prefixo junto ao Dentel.
Para os radioamadores (PY) o Dentel exige a prestação de exame
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Citizen Band
Nos Estados Unidos, onde começou a prática da Faixa do Cidadão, a denominação original
é Citizen Band (Banda do Cidadão). A faixa de transmissão está intimamente ligada ao tipo de rádio em que é operado.
Para Jairo Ferreira de Macedo (PX2-0922 e PY2-YTJ), a febre do CB no Brasil
está no auge. "A cada dia que passa, uma média de três pessoas torna-se adepta dessa modalidade de comunicação", afirma. Macedo explica o que é a
Faixa do Cidadão: "Os 11 metros, ou 27 MHz, é uma faixa ou banda, criada pelo governo a fim de propiciar comunicação a curta distância".
Normalmente, os rádios têm 23 canais (canaleta) e dois tipos de emissão: a emissão em
AM (Amplitude Modulada), com potência mais reduzida e as emissões SSB (Banda Lateral ÚNica), LSB (Banda Lateral Inferior) e USB (Banda Lateral
Superior), acoplada também à AM.
A fonte de energia é de 12 volts, podendo ser utilizado em residências, com
transformador, ou em veículos, tendo como fonte de energia a bateria. A comunicação é possível até um raio de 25 quilômetros. Além dessa distância,
até aproximadamente mil quilômetros, existe uma zona, chamada "zona do silêncio", onde é impossível a comunicação. Após os mil quilômetros, há
possibilidade de se comunicar com diversos estados brasileiros e outros países. Essa comunicação vai depender do sistema irradiante (antenas) e da
propagação.
Jairo, que é técnico eletrônico industrial, afirma ser muito difícil a interferência
do CB na televisão. "O espaço é como uma cidade, dividida em ruas. Cada veículo tem uma rua própria. Assim o CB opera em 27 MHz e a televisão começa
a operar em 52 MHz. Se há interferência da Faixa do Cidadão no aparelho da TV é porque a antena da TV não está devidamente calibrada e apontada para
o retransmissor. A antena não deve possuir booster (amplificador de sinal de recepção), pois aí sim haverá interferência", concluiu.
Definição - O Serviço de Rádio do Cidadão é uma modalidade de radiocomunicação
de uso compartilhado, para comunicados rápidos e a curta distância, entre estações fixas ou móveis, realizada por pessoas físicas ou jurídicas,
utilizando o espectro de freqüência compreendido entre 26.960 e 27.260 MHz, também chamado Faixa do Cidadão.
O serviço destina-se a proporcionar comunicados de curta duração em radiotelefonia,
sempre em linguagem clara e de interesse particular ou profissional, como por exemplo, entre médicos e seus consultórios, cooperativas ou
associações e seus associados, fazendas, táxis, serviço terrestre e de aeroportos e outros.
Serve também para atender a situações de emergência como catástrofes, inundações,
perturbações da ordem, acidentes de trânsito e outras situações que atentem contra a vida ou patrimônio. Destina-se, ainda, a permitir comunicados
particulares entre os jovens, com a finalidade de incentivá-los pela prestação de serviços a terceiros para encaminhamento de recados ou mensagens.
Esses são alguns itens da portaria nº 163 de 14/3/74 do Ministério das Comunicações,
que regulamenta as normas do Serviço do Rádio do Cidadão. |