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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 27

Clique na imagem para ir ao índice do livroEm meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 319 a 349 do volume 2):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Capítulo XXVII

O Amazonas — Sua descoberta

O Amazonas, (ou alto Amazonas), é a mais setentrional das províncias do Brasil. O meu colega dr. Kidder escreveu o seguinte a respeito da história dessa vasta e quase desconhecida divisão do Império:

Nenhuma parte do globo desperta maior grau de interesse físico. A sua posição central, sob o Equador, sua vasta extensão, seus ilimitados recursos, seus rios enormes e o romanticismo que ainda está ligado ao seu nome e à sua história, tudo isso lhe é peculiar. Trezentos anos já são decorridos, depois da descoberta dessa região; mas, até o presente, dois terços dela continuam incivilizados e quase inexplorados.

Efetivamente, poucas pessoas, exceto os índios e os caçadores de escravos, que outrora os perseguiam, hão penetrado nessas remotas paragens ou contemplado qualquer parte dela exceto as margens dos rios navegáveis. As circunstâncias das suas descobertas devem ser sempre consideradas como verdadeiramente notáveis.

Foi proximamente nos meados do século XVI que a fábula do Eldorado encheu o espírito público da Europa. A existência de um Novo Mundo foi, então, plenamente demonstrada, e a ambição de seus desconhecidos tesouros se espalhou das cortes até os campos, dos príncipes até os mendigos, até que toda a massa da sociedade fosse por ela fermentada. A avareza, personificada no garbo da aventura, transpôs o Oceano. Dificilmente puderam as suas pegadas atingir o litoral do Novo Mundo, onde ficaram banhadas em sangue.

A sua obra de desolação se iniciou nas belas ilhas do mar de Caribe e produziram o tinir de armas, que ressoaram nas florestas virgens e nas cidades indígenas do continente. Ela escalou as cordilheiras e deixou devastadas as savanas, nas plagas não só do Atlântico como do Pacífico.

No meio da sede de sangue dos homens cruéis que chefiaram a obra da conquista e da pilhagem, Gonçalo Pizzarro, irmão e sócio do conquistador do Peru, só foi rivalizado por poucos, se é que o foi. Seus talentos podem ter sido poucos, mas a sua ousadia e a sua crueldade foram das maiores.

Em 1541, esse aventureiro saiu da cidade de Quito, à frente de um exército de 300 soldados e quatro mil índios, que lhe serviam de bestas de carga, a fim de descobrir a terra do ouro. Esta ficava num reino imaginário, conforme com as narrações, semicompreendidas, dos índios perseguidos, exageradas pela mais extravagante fantasia.

"Eldorado"

Esse fabuloso reino recebeu seu nome da fama do seu monarca, cujo cognome provinha do fato de usar mais magníficas vestimentas que qualquer outro potentado do mundo e uma armadura diariamente coberta de pó de ouro. O seu corpo era untado, todas as manhãs, com uma resina custosa e fragrante, a que o pó de ouro aderia, quando soprado por um tubo sobre ela. Nesses trajes bárbaros, os espanhóis o denominaram "Eldorado".

Nenhuma lenda a respeito desse monarca, ou de seu reino, pareceu demasiado extravagante para ser acreditada. O reino era, geralmente, localizado na grande cidade de Manoa, onde não menos de três mil obreiros eram empregados na rua dos ourives. As colunas de seu palácio eram descritas como sendo feitas de pórfiro e de alabastro; o trono era de marfim, e de ouro os degraus que até ele conduziam.

Outros afirmam que o palácio era construído de uma pedra branca e ornamentado com sóis de ouro e luas de prata, e que leões vivos, presos por cadeias de ouro, guardavam a sua entrada. Com sonhos acordados como esses, enchendo a imaginação dos chefes e soldados, o exército de Pizarro saiu em busca de suas mais altas ambições.

Continuando a caminhar para o lado do oriente, a partir de Quito, foram obrigados a cortar caminho através das florestas, galgar montanhas, e lutar com as tribos hostis dos índios. Cada tribo que encontravam era por eles interrogada a respeito de "Eldorado" e quando não lhe podiam dar qualquer informação sobre o mesmo, a tribo era torturada. Alguns desses índios foram mesmo queimados vivos e outros foram despedaçados por animais esfaimados, que os espanhóis levavam consigo para se alimentar de carne humana.

Os efeitos dessa terrível crueldade recaíram sobre as cabeças dos seus perpetradores, em terrível vingança: quando a onda deles se aproximava e a notícia de sua aproximação espalhava-se de tribo em tribo, os pobres indígenas aprenderam a alimentar-lhes as esperanças, para que eles prosseguissem em seu caminho.

Chegavam as chuvas, e passados os meses, enferrujavam as armaduras dos soldados, que não podiam mais encontrar nem arranjar outra proteção. Finalmente, as suas provisões acabaram, e eles começaram a se alimentar dos seus cães. As doenças se multiplicaram, tanto assim que se viram obrigados a construir uma embarcação para carregar os enfermos. Era uma tarefa hercúlea para os soldados, que não possuíam as habilidades necessárias para tal serviço.

Antes de terminada a tarefa, tiveram que sacrificar seus cavalos e comê-los. Os obstáculos continuavam e cada vez aumentavam, até que, com a morte diante de seus olhos, Pizzarro continuou a fazer prisioneiros, acorrentando-os quando pensavam em fugir. Ao pararem, afinal, nas margens do Rio Napo, nada menos de mil peruanos haviam perecido.

Orellana

O chefe ouvia então falar de um grande rio em que o Napo desaguava e contaram-lhe que o país que circundava a confluência desses dois rios era fértil e abundante de recursos. Resolveu, portanto, despachar o navio com 50 homens, para buscar alimentos para o resto de seu exército. Francisco de Orellana, cavalheiro de Trucillo, foi feito comandante da expedição.

O rio levou rapidamente a embarcação, águas abaixo, através de um país desabitado e deserto. Quando eles haviam descido cerca de 300 milhas, surgiu a questão de saber se deviam abandonar ou não a ideia da volta. Se não encontravam alimentos suficientes para si próprios, como poderiam socorrer o exército? Além disso, como poderiam subir contra a corrente, fracos como se achavam? Tinham apenas que perecer com o resto de seus companheiros, mas podiam muito bem continuar a sua descida, pelos rios que correm para o oceano, restando assim alguma probabilidade de se salvarem e também imortalizar seus nomes com alguma nova descoberta.

Orellana apresentou esses argumentos com tal plausibilidade que todos concordaram com ele, menos dois; um frade dominicano e um jovem cavalheiro de Badajós que se opuseram ao plano, como traiçoeiro e cruel. Orellana respondeu a essa objeção deixando o cavalheiro às margens do rio, para morrer ou voltar ao novo plano, e daí em diante tomou parte saliente nele. Orellana renunciou ao mandado que recebera de Pizzarro, e foi eleito comandante pelos seus homens, de modo que pôde fazer descobertas em seu próprio nome, e não como delegado de um outro.

Foi no último dia de dezembro de 1541 que essa viagem aventurosa se iniciou, depois de uma missa dita pelo dominicano. As suas perspectivas eram realmente sombrias. As reservas de provisões estava inteiramente esgotadas e viram-se forçados a cozinhar as solas dos sapatos e os arreios de couro, na esperança de poderem tirar deles algum alimento.

Tornou-se também necessário construir uma embarcação melhor. Terminada esta, com grande dificuldades e demoras, prosseguiram na viagem. Às vezes, encontravam boa recepção entre os índios mas, na maioria das vezes, tiveram que lutar para abrir caminho com grandes perdas e iminente perigo de completa destruição.

Lenda das Amazonas

Foi no mês de junho que, durante uma batalha com uma tribo hostil, descobriram aquilo que depois descreveram como sendo amazonas. Frei Gaspar, o dominicano, afirma que dez ou doze dessas mulheres combatiam à frente da tribo, que estava sujeita à sua autoridade. Descreveu-as como muito altas, de longos membros, de aspecto claro, e cabelos compridos, enrolados e repartidos em volta da cabeça. Como única vestimenta levavam um cinto, mas estavam armadas de arco e flecha. Os homens lutavam desesperadamente, porque, se desertassem, teriam sido condenados à morte por essas mulheres tiranas. Mas, quando os espanhóis mataram sete ou oito das mulheres, os índios fugiram.

Essas narrativas foram geralmente acreditadas, como sendo falsidades propositalmente fabricadas para tirar efeito da viagem. A existência, todavia, de uma poderosa tribo de amazonas, nessa região da América do Sul, tem sido o motivo de cuidadosos estudos, dando margem a discussões pelo menos para dois séculos.

La Condamine e outros mostraram-se favoráveis à opinião de que existira realmente um povo, assim constituído, do qual alguns remanescentes ainda se conservavam até o tempo de Orellana, logo depois extinguindo-se pela sua mistura com as tribos vizinhas.

O historiador espanhol Herrera deu-nos uma detalhada descrição das aventuras de Orellana, baseada nas suas próprias afirmações e endossadas pelo seu verídico cronista, Frei Gaspar. Essa descrição contém, todavia, poucas informações autênticas. Mas por mais estranho que isso possa parecer, as investigações modernas demonstraram, como veremos adiante, que o verídico frade provavelmente falava a verdade.

No decorrer dos sete meses seguintes, atingiram o Oceano. Após fazerem algumas reparações em suas naus, desceram o grande rio durante o mês de agosto e, no dia 11 de setembro, chegaram à ilha de Cubagoa. Orellana partiu então para a Espanha, a relatar em pessoa as suas descobertas.

A desculpa que ele apresentou de haver desertado de Pizarro foi aceita e, a seu pedido, recebeu garantia de conquista das regiões que havia descoberto. Encontrou pouca dificuldade em levantar fundos e alistar aventureiros para a sua expedição. Essa, entretanto, foi desastrosa: sua frota chegou à América em 1544 mas, no labirinto de canais que se vê na embocadura do rio, foi impossível encontrar a corrente principal.

Depois de um ou dois meses de tentativas, sem conseguir subir o rio, ou atingir qualquer importante objetivo, Orellana sucumbiu ao seu infortúnio e, como muitos de seus homens, adoeceu e morreu. Foi o primeiro a descer o estuário do Amazonas, mas dizem que Pizzon foi quem descobriu o poderoso curso d'água no ano de 1500.

Denominações do grande rio

Southey tinha em grande respeito a sua memória e fez esforço na sua Historia do Brasil
[T91] para dar o nome de Orellana ao grande rio. Não concordou com Marañon [A64], muito parecido com Maranhão, nem com Amazonas por se fundar numa ficção, o que lhe pareceu ser inconveniente. Em consequência disso, no seu mapa, e em todas as referências que faz ao grande rio, chama-o de Orellana.

Essa opinião do laureado poeta da Inglaterra não é aceita no Brasil. Amazonas é o nome que universalmente dão ao grande rio aqueles que navegam em suas águas e que vivem nas suas margens, sendo atualmente dado também a nova província cuja capital é a Barra do Rio Negro.

Pará, nome aborígene desse rio, seria mais apropriado que qualquer outro. Significa "O pai das águas". O termo "Rio Pará", designa apenas a boca meridional em oposição à boca principal, setentrional, do Amazonas, bem como a província através da qual o poderoso rio vai desaguar no oceano.

O nome Amazonas é por alguns considerado como se derivando da palavra índia amassona, termo que, conforme se supõe, aplica-se ao maravilhoso fenômeno da maré alta ou enchente desse rio, dois dias antes e dois dias depois da lua cheia, e que se estende até à confluência do Madeira. Essa enchente é tão desastrosa para as pequenas embarcações que os índios a chamam amassona (quebra barcos).

Essa história não me parece ter o menor fundamento. Não creio que amassona seja um termo indígena; pois o substantivo português Amas quer dizer massa, e o simples verbo amassar significa esmagar, comprimir, ao passo que o verbo reflexivo quer dizer esmigalhar-se a si próprio.

A origem do nome e o mistério relativo às guerreiras femininas, penso eu, já foi resolvido, nos últimos anos, pelo intrépido explorador Wallace, que abriu caminho pelo leito do grande rio e, nos mais remotos recantos habitados pelos selvagens, com a sua perseverante paciência, e o seu conhecimento da "Língua Geral", trouxe ao mundo muitas informações acerca das terras interiores tão pouco conhecidas.

Apesar dos frades, primitivos cronistas do Novo Mundo, muitas vezes terem usado a sua imaginação em lugar de se contentarem com os fatos, no caso em apreço, Wallace achou que eles não foram culpados, como muitos supuseram. Wallace, penso eu, mostra concludentemente que frei Gaspar e seus companheiros viram guerreiros índios masculinos, vestidos de maneira tais que, aos olhos de um europeu, se assemelhavam a mulheres. Wallace visitou numerosas tribos dos afluentes superiores do Amazonas e, como falava as suas próprias línguas, nos deu belas páginas de descrição dos seus hábitos de vestir e outras características.

"
O uso de ornamentos e enfeites de toda espécie quase que se limita aos homens; as mulheres usam um bracelete nos pulsos, mas não usam colares e quaisquer pentes nos cabelos; têm uma espécie de liga abaixo dos joelhos, que usam apertada desde a infância, com o propósito de engrossar a barriga da perna, o que consideram de grande beleza. Quando dançam nas festas, as mulheres usam uma pequena tanga, feita de contas lindamente reunidas: nunca a usam em outras ocasiões, tirando-a imediatamente depois de terminada a dança.

Os homens, por seu lado, usam o cabelo cuidadosamente repartido e penteado de cada lado, amarrado numa mecha, atrás; nos jovens, cai em longas melenas pelo pescoço abaixo, o que, juntamente com um pente, invariavelmente fincado no alto da cabeça, dá-lhes um aspecto acentuadamente feminino; esse aspecto ainda se torna mais marcado pelos grandes colares e braceletes de contas que usam, como pela cuidadosa extirpação de todos os vestígios de barba.

Levando em consideração tais circunstâncias, sou fortemente de opinião que a história das amazonas se originou dessa aparência feminina dos guerreiros encontrados pelos primeiros exploradores. Inclinei-me a assim pensar pelo efeito que eles produziram, à primeira vista, sobre mim próprio, até que, por cuidadosa observação, vi que se tratava de homens; com as partes frontais de seus corpos e com o peito cobertos por escudos, tal como sempre usam, estou convencido de que qualquer pessoa, ao vê-los pela primeira vez, concluiria que eram mulheres.

Temos, portanto, de supor tão somente que tribos de costumes semelhantes aos que atualmente se encontram no rio uaupés habitassem as regiões onde se afirmou encontrar amazonas, e teremos uma explicação racional do problema que tanto intrigou todos os geógrafos. A única objeção a essa explicação é que, por tradição, se diz existir, entre os índios, "uma nação de mulheres sem esposos". Dessa tradição não me foi possível colher o menor vestígio, e posso facilmente supor que se formou inteiramente das sugestões e indagações dos próprios europeus.

Quando se principiou a conhecer a história das amazonas, tornou-se ela naturalmente um ponto que todos os viajantes quiseram verificar ou, se possível, vislumbrar pelo menos, o dessas mulheres guerreiras. Não se deve, pois, pôr em dúvida que os índios tenham sido forçados pelas perguntas e sugestões a respeito delas, e que eles, julgando que os brancos deviam saber mais do que eles, devam ter transmitido a seus descendentes e colaterais a ideia de que aquela nação existia de fato em algum ponto distante da região.

Os viajantes que vieram depois, encontrando traços dessa ideia entre os índios, tomaram-nos por prova da existência das amazonas, ao invés de ser um mero efeito de um engano, a princípio, que havia sido inconscientemente espalhado por viajantes anteriores na sua faina de obter informações a respeito,

Nas minhas comunicações e inquéritos entre os índios sobre vários assuntos, sempre julguei necessário tomar as maiores cautelas para evitar conduções assim erradas. Eles estão sempre dispostos a afirmar que veem aquilo em que se deseja acreditar e, quando não compreendem de todo as nossas perguntas, eles sem hesitar respondem: "Sim".
"

Depois de explicar a origem da palavra Amazonas, pudemos de novo voltar ao esboço histórico do dr. Kidder.

Cerca de setenta anos já eram passados sobre esses acontecimentos, (a viagem de Orellana) quando os portugueses começaram a colonizar o Pará, chegando até aí vindos do Maranhão. Em 1816, Francisco Caldeira, o primeiro capitão-mor, lançou as fundações da atual cidade do Pará sob a proteção de Nossa Senhora de Belém.

Em 1637, outra comitiva desceu o Amazonas, vinda de Quito. Compunha-se de dois frades franciscanos e seis soldados, que haviam sido mandados em missão aos índios que habitavam as fronteiras do Peru. A missão foi mal sucedida. Alguns dos missionários adoeceram e regressaram; outros persistiram até que os selvagens atacaram e assassinaram o comandante da escolta de soldados, sendo todos dispersados.

Aqueles que desanimaram, diante da perspectiva de uma viagem terrível de regresso até Quito, entregaram-se às águas, como Orellana o havia feito cerca de um século antes, e alcançaram Belém em segurança, mas tão dominados pelo terror, que não foram capazes de dar a menor conta de quanto haviam visto. Para eles foi bastante ter escapado dos horríveis canibais, através de cuja zona haviam passado.

Pedro Teixeira

No mesmo ano, a primeira expedição se organizou para subir o Amazonas. Era comandada por Pedro Teixeira, e compunha-se de 70 soldados e 1.200 remadores e arqueiros indígenas, além de mulheres e escravos, que elevavam o total a cerca de dois mil.

Embarcaram em quarenta e cinco canoas; a força da corrente, que se lhes opunha, e a dificuldade de encontrar a sua rota no meio do labirinto de canais do rio, fez com que a sua empresa fosse uma tarefa sem rival. Muitos dos índios desertaram, e somente uma perseverança incrível e um grande tato permitiram a Teixeira conservar consigo os restantes.

Depois de uma viagem de oito meses, atingiu o último ponto navegável. Deixando a maioria de seus homens com as canoas naquele local, prosseguiu a sua viagem por terra até Quito, onde foi recebido com as mais distintas honras; foi acompanhado na volta por vários frades, cuja missão era relatar os incidentes e observações da viagem.

Considerável soma de informações autênticas foi, então, recolhida e dada a conhecer ao mundo. A comitiva alcançou Belém em dezembro de 1639, no, meio do maior regozijo. Depois desse acontecimento, as viagens no Amazonas tornaram-se mais comuns.

La Condamine — Explorações científicas

Em 1745, La Condamine
[T92], membro da Academia Francesa, desceu de Quito e levantou o mapa do rio, baseado numa série de observações astronômicas. A sua memória, lida perante a Academia Real, no seu regresso à Paris, continua a ser, até hoje, uma obra de grande interesse. Nos tempos modernos, as mais célebres viagens, descendo o Amazonas, foram descritas inteiramente por aqueles que as executaram. Spix, Von Martius, Lister Mor, tenente Smith, Herndon, Gibbon, e finalmente Wallace.

As expedições a que já aludi tiveram geralmente os melhores resultados, e não foram acompanhadas de nenhum incidente particular. Isso, porém, não aconteceu com todas as viagens empreendidas nessas infindáveis águas. Os sofrimentos de mme. Godin des Adonnais dificilmente encontrarão paralelo.

O marido dessa senhora era um astrônomo, da comitiva de La Condamine. Tinha levado em sua companhia a família para residir em Quito mas, mandado para Caiena, foi obrigado a deixá-la atrás. As circunstâncias impediram a sua volta durante 16 anos, e quando, finalmente, ele tentou subir o Amazonas, adoeceu e não pôde prosseguir viagem. Todas as mensagens que pretendeu enviar à sua esposa ausente não chegaram ao seu destino.

Nesse ínterim, chegou até ela a notícia de que uma expedição tinha sido enviada para encontrá-la numa das missões do Alto Amazonas. E mme. Godin imediatamente resolveu empreender a perigosa jornada. Acompanhada de toda a sua família, inclusive três senhoras, duas crianças e dois ou três homens, um dos quais era seu irmão, galgaram os Andes, e desceram os tributários do Amazonas, sem maiores dificuldades; mas quanto mais longe penetraram nas incomensuráveis solidões que lhes surgiram pela frente, tanto mais aumentaram-lhes as dificuldades.

A missão se encontrou num estado de verdadeira desolação, atacada pela varíola. A aldeia em que esperavam encontrar os índios que os conduzissem rio abaixo, só contava dois sobreviventes, pobres criaturas que não os puderam ajudar; foram portanto deixados sem guias e sem canoeiros. Ignorando a navegação, e desacostumados com a tarefa e com os perigos, a sua miséria tornou-se acima de qualquer descrição. A canoa, deslizando ao léu pela corrente, encheu-se d'água e dificilmente puderam escapar com vida e algumas poucas provisões.

Conseguiram construir outra embarcação; mas esta não tardou em se despedaçar num obstáculo do rio. O grupo dos perdidos escapou de novo, atirando-se na margem e, como única alternativa, prosseguiram na jornada a pé. Sem mapa ou bússola, não sabiam para onde ir. Tentando seguir as voltas da corrente, perderam-se e finalmente mergulharam nas profundezas da mata; frutos silvestres e plantas suculentas eram o seu único alimento; enfraquecidos pela fome, caíram em breve, vítimas de doenças.

Em poucos dias, mme. Godin, a única sobrevivente, encontrou-se cercada por oito cadáveres! Imagine-se o horror que a dominou, quando viu, um após outro, os seus amigos e as pessoas de sua família nas agonias da morte! No desespero do momento, tudo fez para queimá-los, mas não lhe foi possível. Depois de dois dias que passou lamentando essas mortes, levantou-se com a decisão de fazer mais um esforço em busca do seu marido havia tanto tempo perdido.

Estava ainda a três mil milhas do oceano, sem alimento, e com os delicados pés lacerados de espinhos. Calçando os sapatos de um dos homens mortos, prosseguiu no seu terrível caminho. Que fantasmas torturavam-lhe agora a imaginação e povoavam aquela solidão com terríveis monstros! Mas ela conseguiu atravessá-la. Dias de horror e terríveis noites se seguiram.

Afinal, no nono dia, ouviu o barulho de uma canoa e, correndo para as margens, foi recolhida por um grupo de índios; basta dizer que estes a levaram para uma das missões, de onde, depois de longas demoras e grandes esperas, ela finalmente desceu o Amazonas e foi restituída ao marido, depois de 19 anos de separação. O casal voltou junto para à França, e aí passaram o resto de seus dias, retirados. mme. Godin, porém, nunca mais recuperou a saúde atacada pelos seus temores e sofrimentos.

Ainda hoje, o viajante que percorre as águas do Amazonas, acima da cidade do Pará, encontra-se numa região selvagem e inculta. Vê, dificilmente, cinquenta habitações em trezentas milhas de percurso. São muito poucos os postos de colonização, situados diretamente no rio. A maioria das povoações está nos seus tributários e ao longo dos igarapés. As casas tem todas o chão de terra batida e os telhados de palha.

Navegação a vapor

Não obstante todas as belas teorias relativas à navegação a vapor nas águas do Amazonas e seus tributários, nada se fez que mereça tal nome até 1853. No entanto, desde o ano de 1827, uma sociedade denominada South América Steam Boat Company organizou-se em Nova York, com o expresso objetivo de promover tal navegação. Deve a sua origem às sugestões do governo brasileiro, feitas por intermédio do encarregado de negócios, sr. Rebello, residente nos Estados Unidos, que animou decididamente essa empresa, garantindo-lhe privilégios especiais da parte de S. Majestade Imperial d. Pedro I.

Foi construído um vapor, que foi enviado para o Pará e todas essas pesadas despesas foram feitas por conta da companhia. Mas por falta de cooperação da parte do Brasil, a empresa veio a falhar. Reclamações por indenizações em largas somas foram, por longo tempo, sujeitas a discussões, perante o governo brasileiro.

Depois de 1838, pequenos navios do governo foram, de tempos em tempos, mandados para o Rio Amazonas, a fim de navega-lo até o Rio Negro. Tais viagens se repetiram com intervalos, e bastaram à navegação a vapor no Amazonas até 1853.

Entretanto o nosso globo não apresenta, em qualquer outro ponto de sua superfície, mais esplêndido palco para empresas de navegação a vapor. Não somente é o Amazonas navegável, por mais de três mil milhas, como também o Tocantins, o Xingu, o Tapajós, o Madeira, o Negro, e seus afluentes, são ininterruptamente navegáveis por vários milheiros de milhas. Todos esses rios correm através do mais rico solo e das mais luxuriantes vegetações do mundo.

Vitória-Régia

Próximo de suas margens, encontra-se o gigante do reino da flora, cuja descoberta, feita alguns anos antes, é um fato notável no mundo dos naturalistas, tão notável, mesmo como a abertura da navegação a vapor do Amazonas para o mundo comercial.

De todas as ninfeáceas, a maior, a mais rica e a mais bela é a maravilhosa planta que foi dedicada à rainha da Inglaterra, e que traz o nome de Vitoria Regia. Habita as águas tranquilas das sombrias lagoas formadas pelo transbordamento do Amazonas e seus afluentes. Suas folhas medem de 15 a 18 pés de circunferência. A sua parte superior é de um verde escuro e vistoso; a parte inferior é de um vermelho escarlate, ornado de grandes veias salientes, formadas por câmaras cheias de ar, tendo as hastes cobertas com espinhos elásticos.

As flores se erguem cerca de seis polegadas acima d'água e, quando inteiramente desenvolvidas, têm uma circunferência de três a quatro pés. As pétalas se abrem à noite; sua cor, a princípio de mais puro branco, passa, em 24 horas, pelas tonalidades sucessivas de um róseo leve até o mais brilhante vermelho. Durante o primeiro dia da sua floração, as flores exalam um delicioso perfume, e no fim do terceiro a flor murcha e mergulha novamente n'água para amadurecer suas sementes. Quando maduras, essas sementes, ricas em fécula, são colhidas pelos índios, que as assam e regalam-se com elas preparadas desse modo.

A descrição de tão magnífica planta explica a admiração experimentada pelos naturalistas que a contemplam pela primeira vez.

O célebre Haenke, quando viajava numa piroga pelo rio Mamoré, em companhia do padre La Cueva, missionário espanhol, descobriu, nas águas paradas junto à margem, essa gigantesca ninfeácea. Vendo-a, o botânico caiu de joelhos e, como um não muito piedoso escritor francês muito francesmente relata, exprimiu o seu entusiasmo religioso e científico, por exclamações apaixonadas e arroubos de adoração ao Criador, num improvisado Te-Deum que deve ter profundamente impressionado o velho missionário.

Em 1845, um viajante inglês, Bridges, quando seguia as margens cheias de florestas do Iacouma, um dos tributários do Mamoré, chegou a um lago, escondido na floresta, encontrando nele uma colônia de vitórias-régias. Arrebatado pela sua admiração, quase que mergulhou, a fim de colher algumas dessas flores, quando os índios, que o acompanhavam, apontaram para uns crocodilos selvagens, preguiçosamente repousando na superfície das mesmas.

Essa informação tornou-o cauteloso mas, sem diminuir o seu ardor, correu à cidade de Sant'Anna, onde logo obteve uma canoa, que o conduziu até o lago, onde se achava o objeto de sua ambição. As folhas são tão grandes que dificilmente pôde colocar duas delas na canoa, sendo obrigado a fazer vários percursos, a fim de completar a sua colheita.

Bridges, em breve, chegava à Inglaterra com as sementes, por ele conservadas em terra úmida; duas delas germinaram no aquário da estufa de Kew. Uma foi mandada para uma estufa maior, em Chatsworth; aí prepararam um tanque para recebê-la, aumentaram a temperatura, e a planta foi colocada em seu novo abrigo no dia 10 de agosto de 1849. Até os últimos dias de setembro foi necessário aumentar o tanque, dobrando o seu tamanho, a fim de dar espaço às suas folhas, que se desenvolviam com grande rapidez. Tornaram-se mesmo tão grandes, que uma delas pôde suportar em cima o peso de uma menina em pé.

O primeiro gomo abriu-se no começo de novembro. A flor, ao brotar, foi oferecida pelo sr. Paxton, célebre desenhista do palácio de Cristal de Londres, ao seu monarca, e os maiores personagens da Inglaterra apressaram-se em visitar o Castelo de Windsor para admirar a bela homônima de sua graciosa soberana.

O nome dado a essa maravilhosa planta por Lindley foi escolhido com felicidade. Os índios do Amazonas, porém, chamam-na Uape Japona — isto é o "forno da jaçanã", pelo fato de que a jaçanã é muitas vezes vista sobre ela. A jaçanã é uma ave singular, de asas em esporão, duas vezes do tamanho de um galo silvestre, provida de dedos delgados e excessivamente longos, (donde a denominação francesa de "ave cirurgião") que lhe permite deslizar por cima de várias plantas aquáticas. A jaçanã habita os alagadiços e as florestas à beira d'água, e muitas vezes, no interior, eu a vi pousada sobre as folhas dos lírios nas margens dos rios.

Navegabilidade do Amazonas

Voltando dessa digressão para as possibilidades do grande rio em matéria de navegação a vapor, temos a observar que a extensão do Amazonas e seus afluentes é verdadeiramente imensa. De quatro graus de latitude Norte a 20 graus de latitude Sul, todos os rios, que descem a vertente oriental dos Andes, são tributários do Amazonas. Isso representa como se todos os rios, de S. Petersburgo a Madrid, unissem as suas águas numa única e poderosa corrente.

Os geógrafos nunca concordaram inteiramente a respeito de qual dos tributários superiores deve ser considerado como o principal ramo do Amazonas; mas, os mais recentes exploradores resolveram considerar o Tunguragua, ou Alto Marañon, como a sua principal origem. Esse rio nasce num lago — Lauricocha — situado quase nas regiões das neves eternas.

Quase todos os ramos do Amazonas são navegáveis em grande extensão, desde a sua junção com o rio principal e, recolhendo todas as águas, perfazem uma extensão de comunicações fluviais não rivalizada em qualquer outra parte do globo. Há um total de dez mil milhas de navegação a vapor abaixo de suas quedas e, uma vez transpostos esses obstáculos, os vapores podem percorrer cerca de quatro mil milhas. O mais navegável de todos os afluentes é o Rio Purus.

O volume de água doce, constantemente renovado por chuvas copiosas, jorra com tal ímpeto que a força d'água, numa só corrente, avança pelo oceano adentro numa distância de 80 léguas. Enquanto o principal ramo do Rio Ganges tem uma descarga de 80 mil pés cúbicos d'água por segundo, e o grande rio Brahnapootra 176.200 metros cúbicos em cada sexta parte de um minuto, o Amazonas envia, através do estreito de Obidos, 550 mil metros cúbicos por segundo (Von Martius).

O "Rei das Águas" é notável pela larga expansão territorial dos seus tributários. Na margem norte, o primeiro a contar do oeste, abaixo dos rápidos de Manseriche, é o Marona; seguem-se-lhe o Pastaça, o Tigre, o Napo, o Içá, o Japurá, o Negro e muitos outros de menor importância.

Da parte Sul ele recebe, de Oeste para Leste: os rios Ualaga, Ucaiali, Javari ou Iavari, Huta, Hiuruai, Tefé, Cuari, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu e Tocantins. A maioria desses afluentes desemboca suas águas no Amazonas por mais de uma boca, que frequentemente tem grande largura. Assim, as duas mais distantes das quatro bocas do Japurá têm mais de 300 milhas de extremo a extremo, e as embocaduras externas do Purus têm, cada qual, cem milhas.

Na porção superior do seu curso, o Amazonas divide o Equador do Peru e entre esses países, a sua largura varia de meia a uma milha; além dos limites do Equador, aumenta a largura até duas milhas; e abaixo do Madeira, seu tributário mais considerável, tendo um curso menor do que duas mil milhas de comprimento, é de cerca de três milhas de largura.

Entre Faro e Obidos, lugares alcançados pela maré cheia, a largura do rio é de menos de uma milha, porém abaixo de Obidos, alarga-se de novo e depois da confluência do Tapajós, mede quase sete milhas de margem a margem. A largura do canal de Bragança do Norte, a boca mais setentrional desse vasto rio, mede 30 milhas em frente à ilha de Marajó, e 50 milhas em sua embocadura. A largura do canal Tanjipurá é de 18 milhas, na junção do Tocantins, e de 30 milhas na foz.

Ao passo que a área total drenada pelo Mississipi e seus afluentes é de 1.200 mil milhas quadradas, a área do Amazonas e seus tributários (não incluindo a do Tocantins que é maior do que o vale do Ohio), é de 2.330 mil milhas quadradas. É mais de um terço de toda a América do Sul, e iguala dois terços de toda a Europa. O sr. Wallace tem deslumbrado os ingleses declarando que toda a Europa Ocidental podia ser colocada dentro do vale do Amazonas, sem tocar seus limites, e esse vale podia mesmo conter todo o Império das Índias.

Herndon e Gibbon

Em 1851-52, os tenentes norte-americanos Herndon e Gibbon
[Vide nota T76], desceram o Amazonas, um pelos seus tributários peruanos e o outro pelos seus tributários bolivianos. Os interessantes relatórios desses exploradores foram publicados por ordem do Congresso e lidos em todo o mundo. O tenente Gibbon atravessou os caminhos mais desconhecidos e, por isso, a sua obra possui mais interesse intrínseco.

O tenente Herndon produziu um livro não só capaz de despertar o interesse dos Estados Unidos e da Inglaterra, pela importância do Amazonas, como também pelo fato de que a sua viagem de descida, por esse rio, e as suas conclusões, muitas delas totalmente visionárias, levaram o governo brasileiro a cumprir o seu dever; em 1852-53, o Brasil, por seu tratado com o Peru, comprometeu-se a colocar vapores, sob o pavilhão brasileiro, desde a cidade do Pará, até àquele país, devendo os contratantes ter o monopólio da navegação a vapor no Amazonas pelo prazo de 30 anos, com um juro anual de cem mil dólares para os primeiros 15 anos; a viagem é para ser executada por dois vapores, um subindo o Amazonas, a partir da cidade do Pará, o outro descendo o mesmo rio, a partir de Nauta, encontrando-se os dois vapores em Barra.

Companhia de Navegação do Amazonas

Nauta fica no Peru, na margem direita do Amazonas, quarenta e seis léguas abaixo da junção do Ualaga, e tem uma população de mil habitantes. A Companhia, sob a direção do barão de Mauá, brasileiro cheio de iniciativa, imediatamente colocou o seu primeiro vapor navegando do Pará até Nauta. A Companhia, em retribuição aos privilégios garantidos, contratou fundar numerosas colônias, nas províncias do Pará e do Amazonas. Quase todos os meses, colonos, sob a direção da Amazon Navigation Company chegam ao Pará vindos de Portugal e suas ilhas.

As colônias de Obidos e Serpa e uma outra nas bocas do rio Negro, não tiveram grande sucesso; embora a Companhia se comprometesse a fundar colônias, acima da barra do rio Negro, uma no rio Tefé, acima da vila Diogo, três outras no Madeira, em Crato e Borba, duas no Tapajós não longe de Santarém e três no Tocantins, é de se duvidar que o contrato possa ser cumprido.

O contrato feito pela Companhia com os emigrantes portugueses, rezava que: "
os colonos se comprometem a trabalhar para a Companhia, durante dois anos, por uma certa compensação diária; serão alojados em casas, e alimentados durante esse período e, no fim do seu aprendizado, cada um deles fica com direito a uma certa porção de terra, para livre lavoura" — o chefe de família deve ter um casa confortável nos seus lotes, não importando se já forem casados antes do contrato, ou que se casem durante ele.

Perguntei ao sr. Nesbitt, engenheiro com grande prática que, durante três anos, viajou pelo Amazonas e por alguns de seus afluentes navegáveis, qual a opinião que fazia sobre os vapores empregados pela Companhia. A sua resposta (abril de 1857) foi a seguinte:

"
São muito bons". A Companhia cumpriu perfeitamente a sua parte no contrato, não só no Brasil como no Peru. Há sete vapores trabalhando com sucesso desde abril de 1856, e dois novos vapores são esperados a cada semana: — um deles, o Cidade da Bahia, construído em Nova York para a navegação dos rios Sacramento e São Francisco, mas que com tão pouco sucesso tentaram dobrar o Cabo Horn, que tiveram de regressar ao Rio de Janeiro para reparos e foram vendidos em benefício dos subscritores, sendo adquiridos pela Companhia do Amazonas.

Os nomes dos sete vapores que estão navegando são: Tapajós, Rio Negro, Marajó, Monarcha, Cametá, Tabatinga e Solimões. O Rio Negro e o Tapajós eram os paquetes que navegam do Pará até Barra do Rio Negro e que faziam viagens quinzenais; porém depois de 10 de janeiro de 1857, ficaram em más condições.

O Marajó corre entre Barra e Nauta no Peru, fazendo uma viagem de dois em dois meses e, depois de janeiro de 1857, viagens mensais. O Monarca, navega no rio Negro, desde Barra até a boca do Rio Branco e pretende ir até Barcelos e Moreira, ou ainda mais acima, até onde o permitam as águas do Rio Negro, durante oito meses do ano.

O Rio Negro, poucas léguas acima da Barra, alarga-se numa bacia muito larga de algumas léguas de extensão, que torna a navegação a vapor mais difícil do que em qualquer outro ponto da parte inferior do rio, pois o rio torna-se mais raso, devido ao aumento de largura; acima desta baía, porém, não há obstáculos.

Há vários cursos adjacentes ao Rio Negro, onde se pode pescar grande quantidade de peixes, salgados e secos para o mercado. Existem aí muitas localidades esplêndidas para instalar mercados no Rio Negro, acima de Barra.

O Solimões foi destinado a navegar no Rio Tapajós; o Cametá era um paquete regular do rio Tocantins, entre a cidade do Pará e Cametá, fazendo viagens mensais. Todos esses vapores fizeram tudo o que podiam e os que se destinavam a Barra, mais ainda; daí, a necessidade de viagens semanais.

Esses vapores excedem de muito as antigas canoas fluviais, de popa e proa quadradas, pois, logo que o viajante faz uma viagem em navio, começa a dar algum valor ao tempo e esquece a sua antiga maneira de gastar três meses numa viagem de três ou quatro dias. O capitão Pimenta Bueno (filho do ilustre senador), que é o agente superintendente, enérgico e cavalheiresco, disse-me que, com os bônus do governo e os negócios do comércio, os vapores davam perfeitamente lucro. Todos são bons barcos, na maioria construídos de ferro, que é decididamente o melhor material a empregar, por causa dos vermes, que são muito destruidores no Rio Amazonas.

Cada cidade, na margem dos rios, fornece lenha em proporção determinada; os negócios da navegação estão constantemente aumentando e os habitantes industriosos de algumas das povoações podem colher seringas, castanhas do Pará, salsaparrilha, cacau etc.., e mandá-las para o Pará pelo vapor, recebendo na viagem de volta o dinheiro. Este progresso está criando novas necessidades e, naturalmente, fazendo os habitantes ribeirinhos exercitarem-se em atividades a fim de suprir os pedidos recentemente aumentados.

Esses navios, certamente, fizeram maravilhas nos últimos quatro anos, provocando verdadeira revolução em todos os negócios do vale do Amazonas; pois, mesmo de Moiabanan, Tarapota e outras cidades peruanas, que ficam situadas nas montanhas, os vapores trazem atualmente os seus produtos em canoas e em balsas até o encontro dos vapores em Nauta, o que nunca pensaram em fazer antigamente. Nem as vantagens da navegação a vapor se limitam às relações comerciais da vida; mas há evidentemente, um desejo crescente da parte da grande massa da população, de aprender mais coisas dos bárbaros de fora.

O sr. Nesbitt escreve assim o efeito do espetáculo de um vapor nas remotas populações do alto Amazonas :

"
Quando passávamos por uma barreira num dos rios superiores do Peru, onde um navio a vapor nunca fora visto antes, e enquanto todos os pescadores e carregadores de peixes ficavam de pé divertindo-se a contemplar aquele "monstro das vastas profundidades, não sabendo se era o espírito de um diabo, ou algum novo santo mandado pela Virgem Imaculada", eu fui fazer funcionar o apito do navio, o que causou um tal pavor naqueles homens, mulheres, crianças, cachorros e macacos que eles saíram correndo para salvar a sua prezada vida, e nunca mais pararam para me obrigar a postar-lhes a minha ameude honorable.

Estava desejoso de obter desse homem observador e de espírito prático, uma opinião sobre as vistas e teorias dos tenentes Maury e Herndon a respeito do Amazonas. Em resposta, ele me escreveu as seguintes linhas: — "
Penso que o tenente Maury escreveu cartas que ultrapassem o natural; porém a sua ideia a respeito do vale do Amazonas e suas possibilidades são certamente, em média, mais próximas da realidade do que as opiniões de qualquer outro autor que eu tenho lido. A sua teoria do clima e as suas razões em virtude das quais o vale do Amazonas não é igual às mesmas latitudes da África, etc... são certamente corretas, na minha humilde opinião; fiquei forçosamente impressionado pela sua exatidão quando me achava no próprio local que ele descreveu.

A estação chuvosa não é formada por aquela mesma chuva incessante da África e da América Central e do vale do Orinoco. Tem mais o aspecto de uma estação de chuvas intervaladas; é verdade que, às vezes, quando a chuva jorra, jorra de verdade, porém as pancadas de chuva são relativamente de curta duração e caem com intervalos tão regulares que se pode tomá-las para regular compromissos comerciais quase com rigor. Nunca se passa um dia sem se ver o sol, por maior ou menor tempo.

A estação seca não é nem sujeita a febres, nem depressiva; pois dificilmente uma semana e certamente nunca uma quinzena se passa sem que haja uma ou mais pancadas d'água. Por exemplo: colheitas sofrendo falta de umidade é coisa que não se conhece no Amazonas. Embora os dias possam ser quentes, as noites são sempre frescas e agradáveis, com fortes orvalhos.

As ideias do tenente Herndon, a respeito das margens baixas são justamente as que qualquer pessoa teria, viajando rio abaixo numa canoa, pois é impossível para qualquer um, nessas condições, fazer uma ideia correta da região. Seriam necessários alguns anos, e não poucos meses, para se conhecer o Vale como ele deve ser conhecido.

Não há assim tantas terras sujeitas à inundação, como Herndon o afirmou, não obstante isso, há grandes porções de terras que ficam imersas nas grandes enchentes. A expedição de Herndon deixou a sua tarefa não terminada, mas prestou grandes serviços à região do Amazonas, direta e indiretamente, pois essa expedição, não tenho a menor dúvida, foi a alavanca que levou o governo brasileiro a promover a navegação a vapor no Amazonas. Este o começo, o fim ainda não chegou".

Quanto aos vapores encomendados pelo Peru, que os contratou com o dr. Whittemore, outrora residente em Lima, e que deviam ser construídos em Nova York e transportados desarmados, para o Pará, para navegarem de comum acordo com os vapores da Companhia de Navegação Brasileira e do Amazonas, o sr. Nesbitt me prestou as seguintes informações:

— "
Levei os vapores para o Rio Amazonas e acompanhei a sua montagem no Pará e, depois que ficaram prontos para subir o rio, assumi o comando de um deles. O dr. Whittemore, nosso chefe, comandava o outro, e foi viajando até a cidade de Obidos, onde ambos me foram confiados para serem entregues às autoridades competentes, acompanhado pelo seu amigo o sr. Z. B. Cavaly. O dr. Whittemore regressou então a Nova York.

Esses vapores não são de ferro, como frequentemente têm declarado os jornais, mas foram construídos de puro pinho da Georgia; armações, tombadilhos e tudo mais; o menor deles, com 90 pés de comprimento, foi denominado Ualaga; o outro, com 110 pés de comprimento, teve por nome Tirado, em honra do então secretário do Estado do Peru, sr. Tirado
".

Em resposta à pergunta: Como funcionaram os vapores peruanos? o sr. Nesbitt respondeu da seguinte forma:

"
Não funcionaram tão bem como eu esperava ou como seria de desejar para os créditos do nosso país, que os construiu. Foram construídos muito depressa e acabados e aparelhados muito modestamente; tanto assim que o funcionário do governo peruano, designado para recebê-los, recusou-os.

Dessa forma, ficamos a 2.500 milhas, no rio, distantes do Oceano, com um par de navios e dois guindastes americanos, sem outra provisão que nos fosse dada quer pelo contratante quer pelo governo peruano, para o nosso sustento; e, das mercadorias, que tínhamos a bordo, grande parte ficou deteriorada. Nessas circunstâncias, os agentes da companhia contratante foram obrigados, em vista das necessidades do caso, a comprometer-se com o governador geral do Peru oriental, coronel Francisco Alvarado Ortiz, que não tinha autoridade para isso dada pelo governo do Peru, mas que nessa desagradável contingência, agiu muito cavalheirescamente, e mostrou-se excessivamente liberal.

Pelo contrato, eu tinha que ficar tomando conta dos vapores até o governo do Peru poder resolver o assunto. Mas a controvérsia ainda não terminou e uma parte da quantia contratual não foi ainda paga, o governo recusando-se a pagá-la sob o fundamento de que o contrato não foi executado por uma das partes contratantes.

Um dos vapores, o Ualaga, nunca girou a sua roda de pás, depois que chegou ao porto de Nauta; foi atirado nas margens e lá ficou enferrujando-se, durante os dias em que lá estive. O outro o Tirado, fez poucas viagens, para vários pontos acima. Eu o conduzi duas vezes, rio Ualaga acima, quase até Chazuta, que fica a 3.500 milhas do Oceano: — uma dessas viagens foi feita durante a vazante do rio, e eu nunca encontrei menos de onze pés d'água, em qualquer ponto, no canal do rio, tanto assim que um vapor de dez pés de calado pode passar pelo Pongo do Sal, até o Oceano Atlântico, em qualquer dia do ano.

Esses vapores estão se tornando cada vez mais inutilizáveis. Nenhum dos dois navegou desde que os deixei, há dezoito meses passados, nem realmente podem ser usados, pois os peruanos pouco entendem de manobras a vapor e todos os engenheiros regressaram aos Estados Unidos. O uso deles nunca mereceu um dólar do governo e nunca o merecerá.

Os rápidos do Ualaga, abaixo de Chazuta, constituem uma curiosidade natural. As barreiras do rio, num percurso de mais de uma légua, são formadas por uma rocha salina dura e transparente como gelo, em alguns lugares, de cor azul avermelhada, e em outros quase branca, sendo o conjunto muito puro, e em quantidade suficiente para suprir toda a América do Sul durante séculos.

Subi o Ualaga, o Ucaiali, o Pastasa, o Madeira e o rio Negro, um pouco acima da Barra. O Ualaga, como disse acima, é navegável por vapores durante todo o ano, por navios de dez pés de calado, nas alturas do Pongo do Sal, sem o menor obstáculo e, até Chazuta, com os cuidados comuns, e por canoas desde Tinga Maria, somente a 300 milhas de Lima, até a foz; porém a subida em canoa é muito difícil. A região é excelente, muito saudável e fértil, com numerosas povoações, ao longo de todas as margens.

O Pastansa é um afluente pequeno e navegável para vapores, várias centenas de milhas na maior parte do ano; mas há numerosas tribos de índios hostis na sua parte baixa. A terra é da mais excelente espécie, e casca peruana da melhor qualidade é encontrada nesse curso d'água.

Acontece muitas vezes que certa quantidade de ouro é trazida pelos índios amigos, que habitam próximo às nascentes do rio. Tive em minhas mãos belos exemplares desse ouro.

O Ucaiali pode ser subido por um navio de pequeno calado até quase 600 milhas, em certos meses do ano e, até Saraicu, o ano inteiro. O rio Madeira é também um belo rio; é navegável por toda espécie de vapores fluviais, até às cachoeiras, mas em tempo algum pode um vapor subir os seus rápidos. Contudo, acima de 12 desses rápidos, há água suficiente para várias centenas de milhas, que podem ser navegadas por um pequeno vapor durante o ano todo".

As cartas do tenente Maury

Em 1853, uma tradução de cartas do tenente Maury foi publicada no Correio Mercantil, que é um jornal de grande circulação no Rio de Janeiro. Bem me lembro da comoção que as suas opiniões sobre o Amazonas produziram na capital, juntamente com a notícia de que uma expedição de flibusteiros estava se preparando em Nova York para forçar a abertura do grande rio.

É certamente motivo de profunda tristeza, que um autor cujos escritos e investigações científicas (não obstante a sua curteza de vistas em relação ao seu próprio país), tenham servido e continuem a servir o mundo, se tenha permitido fazer uso de uma linguagem capaz não só de excitar uma nação sensível, argumentos que podem ser interpretados como dignos de flibusteiros.

Se o tenente Maury tivesse abandonado a sua linguagem ofensiva, grande parte de seus argumentos teriam sido legitimamente levados em considerações pelos brasileiros, como sendo nada menos que a defesa de uma teoria que pode estar com a razão e eu estou certo que teria poupado muitas suspeitas e suscetibilidades desnecessárias.

Depois disso vêm aumentando os sentimentos que unem os dois países e, estamos certos, virá o tempo em que ambos os governos estarão fortemente ligados por interesses comerciais [A65] pois não só devemos receber grande quantidade de produtos brasileiros livres de direitos, como também os produtos por nós exportados para o Brasil não deverão ser altamente taxados.

As propriedades dos nossos cidadãos, que morrem sem testamento, são administradas pelo governo brasileiro de maneira pouco satisfatória. Ofensas cometidas contra cidadãos norte-americanos, em distantes regiões do Império, no ano de 1853, só tardiamente encontraram reparação por parte dos magistrados do interior do país, cujos sentimentos em relação aos norte-americanos foram azedados pelas conclusões a que chegaram, depois de ler as cartas do tenente Maury.

Muito ainda demorará até que tenhamos conquistado de novo as simpatias de que desfrutávamos em 1850, quando foi proposto que, em caso de guerra com a Inglaterra, toda a navegação costeira do Brasil seria posta debaixo da bandeira dos Estados Unidos.

No Rio, o sr. de Angelis respondeu à obra do tenente Maury sobre O Amazonas e o litoral Atlântico da América do Sul (tradução portuguesa), e seus argumentos, apoiado em Vattel e outros escritores, sobre assuntos internacionais, com uma argumentação habilmente encaminhada. Seu volume, porém, contém no final, muitas palavras exageradas sobre o Texas e Greytown, que nada adiantam à sua argumentação.

Esperamos, porém, que a política judiciosa da União saiba manter sempre um rumo, que seja digno de um país que professa os princípios da justiça e da liberalidade.

Futuro do Amazonas

Se a região amazônica, pelo menos nas vizinhanças do grande rio, vier algum dia a ser povoada por uma raça mais nórdica, isso ainda está para se ver. Está situada, numa zona de temperatura (não semelhante à do Mississipi que desfruta todas as variedades de clima) e conserva-se ainda numa quase imperturbada primitividade.

Algumas pessoas, que deram grande atenção a esse assunto, atribuem a natureza do caso ao fato de que as províncias do Pará e do Amazonas nunca poderão ser um ponto de reunião florescente para os Nórdicos. Mas, como o Brasil difere de todos os outros países tropicais, pode bem se dar que a feroz primitividade do Amazonas, ainda venha sorrir à indústria e à civilização. Essa foi pelo menos a minha convicção, quando percorri o vale do Amazonas, em 1862.

No caso em apreço, o Brasil, e só ele, tem o direito, de controlar os rios que estejam dentro de suas fronteiras, não importando que os mesmos nasçam ou não em outros países e, tanto quanto o tratado que deu aos Estados Unidos o direito de navegação sobre o São Lourenço, em que nenhum outro país, tem o direito de forçar a Inglaterra a abrir aos Estados Unidos aquele rio, pelo fato de muitos de seus tributários terem suas nascentes no território da União, também nenhuma justiça poderá forçar o Brasil a conceder a livre navegação do Amazonas.

Entretanto embora eu me rejubile em ver o Brasil progredir com seus próprios recursos, seria de incalculável benefício para essa nação, bem como para as nações vizinhas, que ela quisesse aplicar, ao problema do Amazonas, os princípios pelos quais se bateu no Rio da Prata, fazendo com que o poderoso rio se abra ao comércio do mundo. O exmo. sr. A. C. Tavares bate-se pela imediata liberdade da navegação do Amazonas [A66].

Cerca de metade da Bolívia, dois terços do Peru, três quartos do Equador, e metade da Nova Granada são regados pelo Amazonas e seus afluentes. Com a falta de navegação a vapor, o tráfego de todas essas regiões se dirige para o ocidente, atravessando os Andes, até o porto de Callau.

Aí, os produtos são embarcados e, depois de dobrar o cabo Horn, e viajar oito ou dez mil milhas, encontram-se ainda na altura do estuário do Amazonas, em seu caminho para a Europa ou para os Estados Unidos; portanto, se a navegação do Amazonas for considerada livre, a produção das terras interiores pode ser embarcada no porto do Pará, muito preferivelmente a ter de ser enviada, através dos Andes, para os portos do Oceano Pacífico.


Notas do Autor

[A64] Ambos esses vocábulos têm devidamente uma mesma origem, que é o vocábulo português mar, e não — não, donde não o mar, como poder-se-ia supor na embocadura de um grande rio.

[A65] Em United States Commercial Relations para o ano de 1864, encontro o seguinte sobre a exportação e importação, segundo dados fornecidos pelo cônsul norte-americano no Rio de Janeiro, sr. James Monroe, Esq.

A importação total de farinha de trigo no Rio de Janeiro, durante o ano de 1863, sobe a 319.852 barris, dos quais 241.362 importados dos Estados Unidos. Em 1862 foram daí importados 261.865 e, em 1861, 302.061. Foram exportados pelo porto do Rio de Janeiro, em 1863, 1.353.273 sacas de café, contra 1.487.583 sacas em 1862, e 2.064.334 sacas em 1861. Esse decréscimo de exportação foi devido à diminuição de colheita.

Durante os dois anos acima, todo o café colhido na província que não foi consumido no país, foi exportado por alto preço. O decréscimo da produção foi devido em parte, às condições desfavoráveis de tempo e aos danos causados por um inseto que ataca as árvores e muitas vezes as flores e os frutos novos, mas principalmente à imperfeição dos processos agrícolas e falta de trabalho.

A falta de trabalhadores pôde ser em parte compensada pela introdução de máquinas apropriadas. Isso foi feito em pequena escala: nos progressos dessa natureza parece que se estão desenvolvendo lentamente nas grandes plantações do interior. A falência parcial das colheitas em muitas plantações antigas é devida sem dúvida à continuada colheita de sucessivos anos passados sem se proceder à necessária restauração do solo. Ao passo que a exportação de café daquele porto para os Estados Unidos foi, em 1861, de 756.355 sacas, em 1862, foi apenas de 394.656 e, em 1863, apenas de 388.875 sacas.

As causas desse decréscimo no consumo do café nos Estados Unidos são por demais conhecidas para precisarem de explicação aqui. É um forte exemplo de como acontecimentos importantes, desenrolados em países muito separados um de outro, se relacionam entre si, acontecimentos não tendo origem comum em causas materiais e políticas, ou na intervenção da inteligência humana, pois a queda da produção do café no Brasil nos últimos três anos foi quase que equilibrada pelo decréscimo da sua procura nos Estados Unidos.

[A66] Nota de 1866: Em 1862, J. C. F. viajou pelo Rio Amazonas, da sua foz até os limites do Peru, nos novos vapores Manaus, Belém, Icamiaba e Inca. A Companhia de Navegação do Amazonas (cujo presidente é o bem conhecido barão de Mauá, titular e financista brasileiro, do Rio de Janeiro, e cujo diretor chefe, no Pará, é o enérgico sr. Pimenta Bueno), trouxe as maiores esperanças a essa região, que ainda está fadada a grandes progressos. A Companhia aumentou o número de seus vapores e sua eficiência em geral; atualmente o Peru inaugurou uma linha de vapores nas suas margens do Amazonas e seus afluentes aquém do Solimões e do Hualaga.

As colônias, a que já nos referimos anteriormente, deixaram de existir, por várias causas; mas o vale do Amazonas lucrou com isso. É ainda uma vasta zona inexplorada, mas a obra de Bates (Naturalist on the Amazon, Londres, 1863), as observações de Brunet, um completo porém modestíssimo explorador, os trabalhos de Coutinho, Costa de Azevedo e Soares Pinto, em 1861, 62 e 63, e as magníficas observações que estão sendo dirigidas pelo professor Agassiz, despertaram a atenção do mundo para a maravilhosa bacia.

O bondoso interesse demonstrado pelos srs. Pimenta Bueno, Charles Jenks Smith, e o dr. Christovão, do Pará; pelo dr. Peixoto (juiz municipal de Cametá), dr. Marcos, de Vila Bela, sr. Jeffries, de Obidos, e os srs. José de Freitas Guimarães, Henrique Antony, dr. Gustavo e Charles Collyer muito contribuíram para que eu pudesse organizar, em 1862, as coleções que enviei ao professor Agassiz.

Notas do tradutor:

[T91] Robert Southey — History of Brazil, Londres, 1817, 1819, 1822.

[T92] Charles Marie de la Condamine — Rélation abregée d'une voyage dans l'intérieur de l'Amérique Méridionale, Paris, 1745.

[T76] W. Smith — Narrative of a journey from Lima to Pará, across the Andes and down the Amazon, Londres, 1836.

William H. Edwards — A Voyage up the river Amazon, including a residence at Pará, Londres, 1855.

William Lewis Herndon e Lardner Gibbon — Explorations of the Valley of the Amazon made under direction of the Navy Department, 1853-54 [Vide nota 76].