Yankee Doodle nas planícies do Ipiranga
Imagem: reprodução da página 140 do 2º volume da edição de
1941, da Cia. Editora Nacional
Capítulo XXII
Uma nova doença
No dia seguinte ao de minha visita a Ibicaba, estive ocupado em conversar com o dr. ... — pois estava certo de ter encontrado nele um homem de
inteligência e capacidade e, além disso, há muito residindo no país. Fiz-lhe muitas perguntas a respeito das doenças do Brasil, e as observações
deste experimentado médico confirmaram a minha própria opinião, várias vezes formulada, de que poucas partes do mundo podiam gabar-se de tão grande
salubridade como este Império.
Acredito que nenhum outro país tropical tem sido isento de doenças em geral como o Brasil. Tão somente nos últimos cinco anos a febre amarela
invadiu seus saudáveis domínios e até 1855 não tinha este temível flagelo, o cólera, aportado às suas costas.
Os malefícios dessas duas pestes vorazes — que se limitaram a uma estreita faixa do litoral — foram
grandemente exagerados. Durante o surto do cólera na cidade da Bahia, eu estava nessa cidade de cento e vinte mil habitantes. Li, seriamente
demonstrado em jornais americanos e ingleses, que tão grande foi a mortalidade e o pânico nessa cidade, que nem havia gente bastante para enterrar
os mortos!
Na realidade se os responsáveis por essa tétrica ficção tivessem dito a verdade, teriam descrito
uma grande quantidade de casos entre os pretos e grande pânico entre os brancos; que, numa população da província de quase um milhão, 9.490 morreram
de todas as doenças no ano administrativo de 1855-56, a maioria dos casos de cólera, mas que os negócios continuaram normais.
Estive no Rio de Janeiro durante vários períodos de febre amarela, e por conhecimento pessoal, pois
visitava os hospitais e examinava as listas dos mortos — verifiquei que uma proporção verdadeiramente grande de estrangeiros na cidade havia
adoecido antes da terrífica doença e que, em geral, havia tantos nacionais morrendo de tísica todos os dias como de febre amarela.
Embora nenhuma peste geral tenha assolado o país, há contudo algumas doenças peculiares em diferentes regiões do Império. Em alguns dos distritos
montanhosos, existe a mesma inchação da garganta e do pescoço conhecida na Suíça por goitre. Os brasileiros chamam-na papos; e Von Martius
diz que encontrou no vale do Rio Paraíba exemplos dessa inchação maiores do que os que são observados na Europa, mas não acompanhados da melancolia
e aspecto idiota que tantas vezes se liga ao goitre na Suíça, Alemanha e Itália setentrional.
Em Limeira puseram-me ao par de uma nova doença que, como o goitre, parecia estar restrita a certas localidades. Estava sentado no escritório
do dr. — conversando com ele a respeito do Brasil, quando vi um português, tendo aproximadamente sessenta anos, entrar, indagar com grande ansiedade
se o dr. achava que ele podia viver naquele estado. Logo depois, veio um brasileiro de meia idade e, parecendo agarrar-se às palavras do médico tão
tenazmente como às de um oráculo divino, fez-lhe quase a mesma interrogação. Nenhum destes homens parecia estar enfermo e, se eu não os ouvisse
dizer que tinham grande dificuldade de engolir, tê-los-ia considerado em perfeita condição de saúde.
Procurando informar-me, soube do doutor que esses homens tinham uma doença
que se manifesta largamente em algumas partes do interior do Brasil, mas que nunca lera um estudo sobre a referida doença até então, em qualquer
publicação médica. Os brasileiros chamam-na mal de engasgo [T72-bis].
O primeiro sintoma de sua existência é certa dificuldade em engolir. O paciente pode engolir
substâncias secas melhor do que líquidas. Vinho ou leite podem ser bebidos com mais facilidade do que água; todavia, tanto uns como outros, são
tomados com dificuldade. Tomar caldo é impossível. Em alguns casos os líquidos são introduzidos no estômago acompanhados de algum sólido. As pessoas
assim afetadas parecem gozar boa saúde, mas em cinco ou seis anos morrem verdadeiramente de fome. Os sofrimentos de tal doença foram-me descritos
como sendo os mais horríveis.
Alguns médicos na província de São Paulo pensam tratar-se de uma paralisia do esôfago; mas o dr. —, que tem tido muitos casos de mal de engasgo,
inclina-se a acreditar que é um espessamento da membrana mucosa. Como o esôfago é em geral o menos afetado pela doença de qualquer parte do corpo, e
muito raramente é paralisado, ele não pode acreditar que uma doença tão disseminada como o mal de engasgo possa provir de semelhante paralisia.
Vivendo como vive no interior, é difícil obter material para exame, ou permissão para fazer um
exame post-mortem, não tendo tido, assim, oportunidade para uma completa investigação sobre a doença; é sua intenção fazê-lo logo que as
facilidades se apresentem, para depois apresentar o resultado ao mundo médico.
Informou-me que foi chamado a visitar um homem sofrendo desta enfermidade, a oitenta milhas de
Limeira e, com espanto seu, encontrou, no mesmo quarto, nada menos de nove pessoas de mal semelhante. Apesar de tudo, nenhum remédio foi ainda
encontrado. Não se conhece a extensão total do país onde grassa o mal de engasgo mas, sabe-o com certeza, abrange entre Limeira (duzentas
milhas do litoral e Goiás — uma distância de quatrocentas milhas. Não é encontrada na costa e uma viagem até beira-mar é sempre benéfica para o
paciente.
Em 1855 comuniquei os fatos acima, referentes ao mal de engasgo, ao Jornal do Comércio
de Nova York. Alguns dias depois de sua publicação, um médico de Brooklyn sugeriu, pelas colunas do mesmo jornal, que podia ser erisipelas a base da
doença. Deu como exemplo, um de seus próprios pacientes que apresentava sintomas parecidos com os descritos, e que por fim se verificou tratar de
erisipela. Sei que um caso de semelhança em Medicina não prova uma regra geral. Mesmo assim, o assunto é digno de investigação.
Cultura do chá no Brasil
Um tópico de nossa conversa apresenta um interesse maior do que a natureza de uma nova doença: a cultura do chá chinês no Brasil.
Não há provavelmente outro país do mundo onde a cultura desse arbusto asiático dê tão bons resultados, fora do seu país de origem. A língua
portuguesa é o único idioma europeu que conservou o nome chinês (chá) dessa planta, e quando o estrangeiro no Rio de Janeiro e outras cidades do
Império passa pelas vendas, vê na certa um cartão impresso suspenso, anunciando Chá da Índia e Chá Nacional: aquela é a designação dada ao chá da
China, e esta ao mesmo produto colhido no Brasil.
Em 1810, foram introduzidas no Rio de Janeiro as primeiras destas plantas exóticas, e sua cultura, durante algum tempo, limitou-se principalmente ao
Jardim Botânico perto da capital e à Fazenda Real de Santa Cruz. Para assegurar o melhor tratamento possível para o chá, que se esperava dar tanto
resultado que poderia suprir os mercados europeus, o conde de Linhares, primeiro-ministro de Portugal, tentou fazer a imigração de várias centenas
de colonos, não da misturada população das costas da China, mas do interior do Celeste Império — pessoas conhecedoras do processo total de cultura
da planta e da preparação do chá.
Foi essa provavelmente a primeira colonização asiática que jamais se estabeleceu no Novo Mundo, da qual temos documentos autênticos. Todavia, os
colonos não ficaram contentes com sua expatriação: não prosperaram, havendo atualmente desaparecido. Devido em parte, sem dúvida, às características
diferentes do solo do Brasil e da China, e talvez em muito aos imperfeitos meios de preparação da folha, depois de desenvolvida, os chineses não
lograram produzir os melhores chás. O entusiasmo das previsões, não se confirmando pela experiência, cedo morreu; e perto da cidade do Rio de
Janeiro a cultura do chá veio diminuindo, não passando hoje de uma plantação exótica em grande escala no Jardim Botânico.
Como empreendimento oficial, foi um fracasso; mas vários cultivadores paulistas retomaram a cultura e, embora encontrassem anos de dificuldade,
ainda viveram o bastante para vê-la, embora ainda na infância, constituir um dos mais florescentes e remunerativos ramos da agricultura brasileira.
Entre Santos e São Paulo, perto de São Bernardo, vi grandes e produtivas plantações de chá. O seu processo de cultura difere pouco do adotado na
China. O chá é plantado de semente que, conservada em açúcar escuro, pode ser transportado para qualquer parte do país. Essas pequenas mudas de chá
são plantadas em canteiros, e depois, como se fez com o cafeeiro, são transportados para o campo e colocados a cinco pés de distância uns dos
outros. Os arbustos são conservados em terreno bem limpo pela enxada, ou pelo arado que, embora de introdução recente, tem em algumas plantações
dado excelentes resultados.
Não se deixa que os arbustos tenham a altura superior a quatro pés; e as folhas são consideradas em condições de serem colhidas, no terceiro ano de
plantio. A cultura, a colheita e a preparação de chá não são difíceis, e as crianças são aproveitadas e eficientemente empregadas nas várias
operações de seu preparo para o mercado.
O maquinismo usado é muito simples, consistindo em: 1) Cestas, onde se depositam as folhas quando
colhidas; 2) Utensílios vazados de madeira nos quais são revolvidas; 3) Fornos abertos, ou grandes panelões metálicos, nos quais o chá é seco por
meio de um fogo colocado embaixo. As mulheres e as crianças reúnem as folhas e carregam-nas para os fornos, onde os escravos estão empenhados em
manter o fogo, revolvendo, comprimindo e mexendo o chá — cujas operações se fazem antes de empacotá-lo em caixas para o consumo interno ou para
exportação para as províncias vizinhas.
O arbusto do chá é uma planta resistente que pode ser cultivada em quase todas as partes do Brasil, embora se adapte melhor no Sul, onde prevalece a
geada, a que ela resiste. Se deixada crescer por si própria nos trópicos, torna-se em breve uma árvore. O cafeeiro requer solo rico e novo, e um
clima quente que não conhece geadas; mas o arbusto do chá floresce em qualquer solo.
O dr. —, que visitou várias partes da China, é de opinião que o chá pode ser cultivado em qualquer
parte dos Estados Unidos, da Pensilvânia ao Golfo do México. Não há muitas variedades dessa planta, como geralmente se pensa, pois os chás pretos e
verdes são apenas as folhas da mesma árvore, obtidas em diferentes estações do ano. O gosto varia algumas vezes, como o dos vinhos da mesma espécie
de uva colhida em diferentes solos. A planta não é decídua como na China, e no Brasil é colhida de março a julho, que no hemisfério setentrional
corresponde ao período de setembro a janeiro.
Informaram-me que alguns milhões de libras (peso) são anualmente preparadas nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, onde a sua cultura está em
progresso.
Há alguns anos passados, os plantadores de chá mostraram-se grandemente desencorajados; pois o chá era muito mal preparado, vendido demasiadamente
novo e, por isso, não podia prosperar. Mas, depois de uma maior experiência em sua cultura e preparação, estimulou-se um artigo melhor dessa
estimada bebida.
Antigamente os cultivadores diziam que, se pudessem obter dezesseis centavos por libra na venda por
atacado, seria tão remunerativo como o café. Em 1855, obtiveram vinte centavos pelo mais pobre artigo, e para superiores qualidades — a maior porção
da colheita — quarenta centavos por libra na venda por atacado recebiam pronta encomenda. A procura, portanto, vem constantemente aumentando.
Quando bem preparado, não é inferior ao importado da China. Muito, em verdade, do chá vendido na
província de São Paulo como chá da Índia, fez apenas a viagem por mar de Santos ao Rio de Janeiro e aí, depois de ser empacotado em caixas chinesas,
é recambiado para os paulistas como a genuína e aromática folha do Celeste Império. Tenho visto estrangeiros no Brasil que se dizem conhecedores de
chá e que são enganados pelo melhor chá nacional.
Há alguns anos passados, Mr. John Rudge, da província de São Paulo, mandou chá de sua plantação como presente a seus parentes no Rio de
Janeiro. Este chá foi preparado muito delicadamente, cada folha de per si sendo enrolada pelos escravos entre o dedo polegar e o indicador
até ficar com o aspecto de uma pequena bala de chumbo. Apresentava assim uma aparência de estrangeiro, empacotado em pequenos invólucros chineses e
embarcado em Santos para a capital. Foram apreendidas na Alfândega como uma tentativa para fraudar o fisco.
Insistiu-se por outro lado que continham chá nacional, embora por descuido, não figurasse no
manifesto. As pessoas para quem o chá foi mandado, ofereceram-se para submetê-lo a exame. Os invólucros foram abertos, e os funcionários da
alfândega soltaram exclamações de triunfo, somando às suas primeiras suspeitas a evidência que lhes forneciam os sentidos, pois tanto a vista, o
gosto e o cheiro do chá, delicadamente preparado, proclamaram enfaticamente que se tratava de chá da Índia, e que era uma tentativa de fraude contra
a alfândega de Sua Majestade Imperial.
Quando, em resposta a cartas enviadas para Santos, foram recebidos os certificados da alfândega
provincial, os coletores da alfândega ficaram satisfeitos por não se tratar de fraude, e por que a província de São Paulo podia produzir chá tão bom
como os que chegavam via Cabo da Boa Esperança.
Há alguns anos ainda podia-se ler nas páginas do Comércio e Navegação da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos que o chá fazia parte em grande escala da lista de artigos importados do Brasil. Quinze anos apenas passaram-se desde que o primeiro
carregamento de café foi embarcado no Rio de Janeiro, e atualmente o Brasil fornece dois terços do café do mundo. A revolução de Haiti foi o começo
de uma nova era para o café do Brasil.
Em 1846, o dr. ... soube que vários plantadores estavam dispostos a destruir seus arbustos de chá. Suplicou-lhes que não levassem adiante o seu
propósito; "pois", disse ele, "está
para haver uma grande revolução na China (em 1845 fora informado no Celeste Império da
existência da Sociedade Triad), e o preço dos chás certamente subiria em poucos anos".
Os desanimados plantadores foram encorajados e continuaram; e, pouco tempo antes de minha visita a Limeira, um destes fazendeiros enviou para o dr.
— várias libras do mais excelente chá, e ao mesmo tempo assegurou-lhe a sua profunda gratidão por lhe ter impedido a destruição de suas plantações.
Tornava-se para ele extremamente remunerativo e, no ano seguinte, pretendeu entrar em operações mais vastas.
Por todo o mundo, o uso do chá está se tornando tão universal como o do café, e qualquer perturbação mais demorada na China deve trazer agradáveis
resultados para a cultura do chá do Brasil. A récolte é hoje quase que totalmente usada no Império; mas a adaptabilidade da cultura a quase
todas as partes do imenso território, e a facilidade de ser transportado, terão sem dúvida, em breve espaço de tempo, inteiramente desenvolvido esta
nova fonte de riqueza nacional.
Foi na manhã de 2 de julho que resolvi minha partida de Limeira. Nunca esquecerei a bondade e a atenção de meu generoso
hospedeiro, assim como a benévola recepção que recebi na plantação modelo do senador Vergueiro. Os poucos dias passados aí, tão agradavelmente,
deram-me grandes esperanças e animação pelo futuro do Brasil [A52].
A lua brilhava claramente quando me despedi dos dois americanos, e voltei-me pela primeira vez
naqueles meses, na direção Norte, na direção da minha pátria. Viajei em silêncio por meia hora, tendo sido alcançado por um "cavaleiro solitário"
que ia em direção de Campinas. Viajamos juntos, e à noite paramos perto de um regato claro e murmurante, e sob a sombra de altas e carregadas
árvores, participamos de um saboroso prato de farinha de milho e frango assado, que a boa esposa do paulista preparara cuidadosamente para a viagem.
Tive muitas vezes ocasião de falar da bondade manifestada pelos brasileiros de todas as classes
para com os estrangeiros. Um visitante ocasional do Brasil pode, na cidades do litoral, entrar em contato com os comerciantes portugueses, cujas
tendências exploradoras não são excedidas por seus colegas de Londres, Paris ou Nova York; daí poder ele generalizar e escrever para algum jornal
obscuro de sua terra, que os brasileiros são a maior corja de velhacos do mundo.
Meu companheiro de viagem era carpinteiro, mas conhecia também outros ofícios. Tendo meu cavalo perdido duas de suas ferraduras, dirigimo-nos a uma
venda à margem da estrada e compramos os artigos necessários, que o sr. Tomaso colocou com toda a habilidade de um prático ferreiro.
Campinas
Chegamos a Campinas às quatro horas da tarde. Fui imediatamente para uma hospedaria; mas o hospedeiro pareceu-me tão perfeitamente indiferente no
seu modo de tratar que dei-lhe bom dia e fui procurar a casa de um daguerreotipista, para quem trazia cartas de recomendação. Tive lá uma boa
acolhida e o resto do dia foi gasto em errar por essa cidade construída de barro em companhia de meu hospedeiro e um médico italiano, para quem o
dr. de Limeira dera-me uma carta de apresentação.
Vi muita coisa digna de interesse na vasta catedral, construída totalmente de taipa: os trabalhos
de madeira lavrada (lembrando antigos conventos europeus) eram devidos a um escultor mulato da Bahia, e teria aumentado os créditos dos melhores
artistas italianos da profissão. O médico, que era um apaixonado, entretinha-me com palavras intermináveis a favor de suas ideias favoritas, até que
finalmente obtive uma trégua, levando-o a contar-me algumas maravilhosas histórias sobre cobras que, embora igualando em comprimento (as histórias,
não as cobras) seus argumentos Malthusianos, eram muito mais interessantes.
Consegui na casa de um negociante de mulas um animal extra, para me conduzir no dia seguinte, quando o meu Rossinante desse mostras de
cansaço. O meu novo quadrúpede devia chegar juntamente com um guia, ao nascer do sol. Veio o amanhecer, e passaram-se duas horas; mas nem o bípede
nem o quadrúpede apareceram. Finalmente, quando eu já quase me desesperava, o par longamente esperado bateu à porta. As desculpas usuais, de "mulas
no pasto", "dificuldade para apanhar" etc., foram dadas e aceitas.
Percebi logo que meu guia, ao invés de ser um mero empregado, era o filho do proprietário dos
animais que montávamos — que não era simplesmente José, mas senhor José — e que era além disso músico. Todavia, temi que sua posição de gentleman
viesse a interferir um tanto com as ordens para aumentar a velocidade que, de vez em quando, eu teria necessidade de dar.
Cafezais
Viajamos por uma região muito bem cultivada, de grandes plantações de café estendendo-se de um e outro lado, até onde a vista podia alcançar,
entremeadas com campos de cana-de-açúcar ou tufos de matas umbrosas. Meu companheiro alegrou o caminho com muitas canções à Virgem e "às
sobrancelhas de sua amada"; mas quando o sol baixou no horizonte, o sr. José concluiu que tínhamos viajado bastante para um dia, e propôs que
pousássemos à noite na casa de um plantador das proximidades.
Opus forte objeção a essa proposta, pois o contrato era que eu fosse conduzido até um determinado
ponto, várias léguas mais adiante, por determinada soma. Verifiquei que não se tratava de um sujeito disposto a ser contrariado em seus desejos;
resistiu firmemente. Podia tê-lo deixado onde estava, sem mais dificuldade; mas, sabendo da dificuldade em separar animais que viajam juntos, achei
melhor conciliar a questão, estabelecendo que podíamos passar a noite ali, mas, nesse caso, a compensação seria de vários mil réis a menos que se
tivéssemos caminhado a quantidade de léguas combinada. Mas ele não era homem de conciliações: pediu o pagamento integral pelo menor trabalho.
Resolvi então, a todo risco, seguir sem ele. Achei meu perverso cavalo tão teimoso como o sr. José.
Procurei guiá-lo em direção a São Paulo: mas ele estava resolvido a viajar somente na direção de sua casa. Esporeei a mula, que montei, depois dele,
procurando tocar o cavalo: verifiquei que isso era trabalho mais difícil. Enquanto isso, o sr. José, sentado, imóvel como uma estátua, gozava
secreta e maliciosamente os meus esforços malsucedidos.
Sentia-me indescritivelmente fatigado, mas a minha vontade era indômita (assim como a do meu
cavalo), até que afinal a vitória coroou os meus esforços: soltando triunfalmente para o sr. José, um "Boa noite" e exclamando: "Eu sei defender os
meus direitos", trotei para São Paulo, com Rossinante à frente.
Olhando por cima dos ombros, avistei meu guia ainda como uma estátua, montado em sua mula,
comparável a um monumento da "Paciência sorrindo para a desgraça". Poeticamente falando, ele estava plantado.
Meu caminho era agora por uma boa estrada, embora as árvores que o ladeavam impedissem quase todos os raios do luar. Meu animal marchava
alegremente, deixando, todavia, tempo bastante para algumas reflexões. Entre elas, a mais dominante era: "Suponha que o sr. José venha cavalgando
atrás de mim e me saúde pelas costas com a sua comprida faca de ponta, que parecia tão inocente repousando em sua bainha ou cortando uma laranja".
Em todas as minhas viagens pelo Brasil, nunca levei comigo arma de qualquer espécie, e foi a primeira vez que senti certa suspeita de que todos
podiam não estar perfeitamente seguros.
No meio dessas reflexões e pensamentos acerca da comprida faca, caminhara mais de meia légua,
quando vi o rápido movimento dos cascos de uma mula. O sr. José vinha estrondando morro acima, e alcançou-me. Todavia, em vez de uma saudação à
faca, ou palavras em voz alta, na mais doce voz possível, foi logo propondo que trocássemos as bestas, que ele estava muitíssimo fatigado, e que a
diferença na andadura dos dois animais seria um alívio para nós ambos. Continuamos tão bem como se nada tivesse acontecido, e às onze horas chegamos
à casa de um sr. João Baptista, cuja residência fora batizada com o melífluo e aurífero nome de "Califórnia".
Despertamos cedo o sr. J. Baptista que, enquanto estávamos bebendo nosso chá, tocou ao violão "várias redondilhas". Declarei ao sr. J. Baptista que
o dia seguinte era o dia da independência dos Estados Unidos, e pedi-lhe o favor de cantar o Hail Columbia. O sr. J. Baptista desculpou-se,
alegando não possuir a música em questão; mas (como um hábil comerciante que, não possuindo certos artigos, sugere ao seu comprador um outro que, na
opinião é igualmente bom se não superior) o sr. J. B. propôs o Brasileiro por mais se aproximar da melodia nacional pedida do que qualquer
outro do seu repertório musical.
Suas canções cheias de vida estavam soando em meu ouvido e eu pensava quanto difícil seria
encontrar nas matas virgens do Wisconsin ou Minnesota, músicos aperfeiçoados como o sr. J. B. ou o sr. José, que era também hábil na sua arte. Os
brasileiros, em média, são um povo musical, e quando às vezes, debaixo dum temporal, eu estava mergulhado na escuridão, fui consolado pelo som de
uma rabeca, um violão, ou por vozes humanas cantando suavemente em coro.
Pude dormir apenas um pouco, e este pouco rudemente interrompido (por um escaravelho gigante ou um morcego escondido, não pude averiguar); saltei de
minha dura cama às duas horas da manhã no dia 4 de julho, e despertei o criado do sr. J. Baptista, e os dorminhocos no rancho vizinho, cantando em
voz alta o Star-spangled Banner.
Despedi-me do sr. José e do grupo de músicos, montei meu Rossinante, e percorri trinta e duas milhas antes do almoço. Meu objetivo principal
fora alcançar Santos, para tomar o vapor do dia 6 para o Rio; e o segundo, era comemorar o 4 de julho em casa do sr. E., o engenheiro inglês.
Visitei o sr. Brotero, o presidente da Academia de Direito, que tão justamente celebriza São Paulo. Encontrei na sra. Brotero uma cidadã de Boston.
Também travei relações com o sr. Brotero Jr., para quem o sr. Octaviano, o digno redator do Correio Mercantil, do Rio, dera-me uma carta de
apresentação. Esse cavalheiro, que passa por ser um dos homens de maior destaque de São Paulo, possui larga visão das coisas, e teve a vantagem de
viajar pela Europa e pela América do Norte.
Foi uma agradável manhã que passei com o sr. e sra. E. e o sr. C., iniciando com eles a celebração do dia do nascimento de minha pátria. O sr. C.,
todavia, criou certo embaraço ao meu patriotismo, lembrando de passagem que, "era também o dia do nascimento de George III": mas a cronologia mostra
que o sr. C. estava errado justamente de quatro semanas, e sua inoportuna observação de modo algum perturbou a harmonia geral que então reinou.
Estes e outros amigos instaram comigo para não me apressar no meu rápido percurso, achando que
trinta e duas milhas antes do almoço já eram suficientes para um dia: mas meu propósito era fazer vinte milhas esta noite antes de repousar.
O sr. Coelho (o maitre-d'hotel) procurara para mim uma bela mula. Era um animal sensível e, quando montei-o, pulou como se tivesse asas. Saiu
chispando pelas ruas, desceu o morro, enlameou-se num pequeno afluente do Prata e, justamente quando o sol se estava pondo, foi galopando
alegremente pelas planícies do Ipiranga. Avistei logo o pavilhão erigido no lugar onde d. Pedro I exclamou, "Independência ou Morte" e, ainda
animado pelo entusiasmo do 4 de julho, dei curso ao meu patriotismo, gritando furiosamente, Yankee Doodle e o Hail Columbia, causando
não pequena diversão e espanto a uns viajantes negros.
Astronomia em condições difíceis
Imagem: reprodução da página 141 do 2º volume da edição de
1941, da Cia. Editora Nacional
São Bernardo
Cheguei a São Bernardo e passei por suas ruas silenciosas. A atmosfera estava carregada com o perfume das fragrantes flores que se abrem à noite, e
o céu em cima parecia alegre como os meus pensamentos voltados para a pátria.
A minha mula não desanimava, e eu já me congratulava com o fim próximo dessa viagem, quando, com
surpresa minha, a esperta besta girou repentinamente para a direita, e precipitou-se num pátio de cavalariça, junto a uma grande casa branca. Dei
pontapés, espanquei e esporeei, tudo em vão. O barulho que fiz despertou dois brasileiros vestidos de um poncho que se dirigiram para mim, falando
assim em português: — "Sim, é ele". "Não, deixe-me olhar novamente". "Sim, estou certo que é".
Estes poucos monossílabos são tão breves e tão elípticos na língua da Lusitania, como no mais
simples saxão, e não me podia dar nenhuma indicação acerca do que quereriam dizer os locutores. Todavia, não fui deixado em dúvida por muito tempo,
pois um deles aproximou-se, e assim se dirigiu a mim: — "Senhor, este animal é meu". Supondo que ele me estivesse acusando simplesmente de furto,
repliquei que devia estar enganado, pois alugara esta mula em São Paulo. "Pode ser", disse ele; "mas ainda assim, é meu".
Certifiquei-me depois, que o homem era o proprietário do meu ginete de compridas orelhas, e que ele
(o proprietário) precedera-me em companhia de alguns estudantes de direito, que estavam em viagem para Santos. Sentindo-me por este tempo muito
fatigado, e considerando as discussões que adviriam sobre o meu quadrúpede, perguntei se eu podia permanecer naquela casa durante a noite. O outro
personagem levantara o seu sombreiro e informou-me que não havia quarto na hospedaria, mas que possivelmente poderia ser acomodado uma milha mais
adiante.
Não pude conseguir que minha mula se movesse; assim aquelas duas benévolas criaturas ajudaram-me a
açoitar e dar pontapés no bruto até que ele seguisse. Todavia, avançara apenas quinhentas jardas, quando a orelhuda besta empacou de novo, e nada
adiantou bater-lhe, puxar, espancar e arrastar para fazê-la dar um passo para frente. Espontaneamente bateu em retirada, e logo depois estava outra
vez diante da hospedaria branca, de onde fora gentilmente mandado embora pouco tempo antes.
Os meus dois novos conhecidos apareceram logo, e uma vez mais pedi um quarto. Um deles deu uma
resposta negativa; mas, quando sugeri que pagaria um bom preço pelas minhas acomodações, ele deixou-me para consultar alguém. Ouvi então uma
enfática voz feminina gritar: "Não, Senhor". Esta resposta me foi trazida, e respondi que tinha cartas do senhor Vergueiro, mostrando que eu era uma
pessoa respeitável. De nada valeu, pois a cada nova tentativa para demover a fraca compaixão da mulher a quem pertencia a voz, recebia um mais
enfático "Não, senhor".
Meu último recurso foi apelar para o "sagrado nome da hospitalidade brasileira, apenas um quarto
bastante no seu chão para um estrangeiro que está parado contra os seus próprios desejos". A resposta foi a mesma: "Não, senhor". "Então", disse eu,
"isto é uma vergonha. Viajei por muitas de suas províncias, misturando-me com ricos e pobres, mas esta é a primeira vez que não consigo obter
abrigo. Estou aqui, diante de uma grande casa e obrigado a passar a noite na estrada".
Meus apelos e denúncias foram igualmente malogrados; sentei-me assim em uma grande pedra, segurando
o freio do meu teimoso e cansado animal. Pobre! sua fadiga não era igual à minha. Eu cavalgara desde a manhã aproximadamente cinquenta milhas, e
gastara sete horas em São Paulo. Três ou quatro dias já se haviam passado depois que tive um sono confortável, e o ar da noite estava frio demais
para o Brasil, embora fosse tão balsâmico como uma tarde de maio no hemisfério setentrional.
O corpo, todavia, não estava sofrendo tanto como o espírito. Sofri extremo por aquela
inospitalidade. Sentei-me com minha cabeça inclinada sobre a mão esquerda, voltando meus olhos de vez em quando para as estrelas e para a lua
minguante. Estava estudando astronomia em circunstâncias difíceis, e não em condições de fazer grandes progressos.
Quando pensava na minha situação, sentindo que ela iria piorar, e no fato de ter sido tratado pior do que quando, como simples e ingênuo estudante
viajante, fui uma vez preso por suspeita pelos austríacos na Lombardia, e conduzido por um soldado armado pelas ruas de Pavia, despertou-me das
minhas reflexões uma negra velha, dizendo-me, "venha, senhor."
Segui-a até um confortável quarto, onde deixou-me em companhia duma xícara de chá e doces. Minha
mula foi tratada tão bem como eu próprio, e quando o sol da manhã despertou-me, soube que teria para companheiro de viagem os jovens estudantes de
Direito. Soube então que a casa que não me acolhera era mantida por uma respeitável viúva brasileira, que estava fazendo grande fortuna com o
aluguel de mulas para montaria ou transporte de bagagem, e que todos os que se utilizassem de seus animais em São Paulo seriam hospedados grátis
naquela hospedaria.
Aconteceu, portanto, que os estudantes e eu não conhecíamos semelhante regulamento, e alugáramos
nossas mulas de um outro homem, que nos levaram até a referida casa. Os jovens advogados insistiram em parar neste lugar. A dona da casa
recusou-lhes acomodações, mas eles tomaram posse vi et armis.
Pode ser que, pelo fato da senhora estar um tanto enraivecida por tais processos, recusara-me
quando pronunciei o nome do senador Vergueiro e a hospitalidade brasileira. Pois certamente havia muitos quartos, e soubemos que estavam oito camas
desocupadas na casa. Pode ser também que a senhora suspeitasse de um estrangeiro viajando sozinho àquela hora da noite, já tendo sido enganada
algumas semanas antes por um indivíduo que pretendia ter cartas de um nobre, mas que despedira por ser um rematado velhaco.
Fiquei (justamente, creio eu) indignado por algum tempo e alimentei a ideia de que seria justo que
o público conhecesse, pelos jornais do Rio, do tratamento dado a um estrangeiro; porém, refletindo mais sobre o caso, tornei-me um tanto moderado na
minha indignação. Viajara milhares de milhas pelo Brasil, e esta era minha primeira amarga experiência; e quão descabido seria trazê-la a público!
A viúva tinha o absoluto direito de fazer tais regulamentos, dando razões de preferência pela sua
casa, e um anglo-americano, que se bate firme pela independência do seu castelo-doméstico, certamente deve ser o último dos homens em se queixar de
semelhante coisa. Assim, varri da mente o assunto, e desde então nunca mais pensei nele, exceto para me rir da minha própria ridícula posição no
pátio da cavalariça, e do meu tableau junto à teimosa mula, no meio-fio da calçada. Findou-se assim o meu 4 de julho de 1855.
Novamente Santos — Regresso ao Rio
No dia imediato cheguei com meus amigos estudantes a Santos e, depois de gozar por alguns dias a hospitalidade da Casa Vergueiro, viajei no
confortável e velho paquete Paraense para o Rio de Janeiro.
De São Sebastião até Pão de Açúcar, fomos
levados em belo estilo através de um mar furioso, mas o sol brilhou muito mais quando no dia seguinte nos encontramos debaixo dos canhões de
Villegagnon, e o glorioso panorama da magnífica baía, cintilante na frescura da manhã, nada perdeu de seu esplendor em comparação com as lindas
cenas que testemunhara no Sul do Brasil, e que depois verifiquei não ter rival nas províncias do Norte
[A53].
Notas do Autor
[A52]
Em Limeira encontrei um engenheiro alemão que, com sua esposa hamburguesa, uma senhora bastante instruída (a quem sou devedor dos esboços da ponte
de Cubatão e da casa de colono alemão) formam uma agradável companhia para o dr.....
[A53]
Nota de 1866 — A província de São Paulo, como outras províncias do Sul, por seu clima, solo, etc., oferece muitos atrativos para os emigrantes dos
Estados Unidos. As porções montanhosas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são as mais bem adaptadas à criação de carneiros.
Uma oferta muito agradável, de quatro belos merinos, foi feita pelo dr. George B. Loring, de Salem,
Massachusetts, ao imperador do Brasil, em 1865. As ovelhas foram recebidas no Rio, com agradecimentos pelo imperador, e foram colocadas em mãos de
mr. John Hayes, o enérgico e inteligente diretor americano das plantações do barão de Mauá. Estas ovelhas seriam o começo de melhorias
introduzidas na raça bovina das províncias do Sul.
O sr. Marcondes
[T73], ministro da
Agricultura no Gabinete de agosto de 1864, e o sr. Paula Souza [T74],
ocupando o mesmo posto no Gabinete de maio de 1865, louvaram altamente a dádiva do dr. Loring.
Notas do tradutor:
[T72-bis]
"Mal do engasgo", disfagia espasmódica, ou megaesôfago, também conhecido por "entalo", engasgo etc.
[T73]
Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá, ministro da Agricultura em 1864.
[T74]
Antonio Francisco de Paula Souza. |