Capítulo XX
História de São Paulo
A história de São Paulo faz-nos recuar às primitivas épocas do estabelecimento dos europeus no Novo Mundo. Já anteriormente disséramos que, em 1531,
Martin Affonso de Souza fundou São Vicente, a primeira cidade da capitania, que por muito tempo conservou esse mesmo nome.
Anteriormente a isso, havia naufragado nas costas um indivíduo de nome João Ramalho, que aprendeu a
língua das tribos indígenas e conseguiu influência sobre elas, casando com uma filha de um de seus principais caciques. Por sua intervenção, foi
assegurada paz com os selvagens e os interesses da colônia foram garantidos.
Pouco a pouco a colonização se foi estendendo para o interior e, em 1553, alguns dos jesuítas que
acompanhavam Thomé de Souza, o primeiro governador geral, encaminharam-se para a região chamada planícies de Piratininga, e escolheram a posição
elevada ocupada presentemente pela cidade, para a fundação de uma vila, onde começaram a reunir e instruir os índios.
Tendo erigido uma pequena construção de taipa, no local em que seria erigido mais tarde o seu colégio, consagraram-na por uma missa, que foi dita no
dia 25 de janeiro de 1554. Sendo este o dia em que a conversão de São Paulo é celebrada pela Igreja Romana, deram à cidade o nome do apóstolo, e
consequentemente à província. São Paulo é ainda considerado o santo padroeiro de ambas.
Uma carta confidencial, escrita por um destes jesuítas aos seus irmãos em
Portugal, além de muitas particularidades interessantes a outros respeitos, contém a seguinte passagem, que pode servir para mostrar como a terra se
apresentava aos que a viram há quase trezentos anos passados.
Esta carta existe em um livro manuscrito, tomado dos jesuítas na época de sua expulsão do Brasil, e
conservado ainda na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Data de 1560. Nenhum trecho da mesma ao que se sabe foi até agora traduzido para o
inglês, antes da tradução feita pelo rev. dr. Kidder [T68].
"Por amor de Cristo, caríssimos irmãos, lhes peço que percam a má opinião que até aqui do
Brasil tinham — porque lhes falo a verdade, se houvesse paraíso na terra, eu diria que agora o havia no Brasil. E se penso assim, sou incapaz de
conceber quem não o conceberá.
Os negócios espirituais e o serviço de Deus estão prosperando, como antes já lhe disse; quanto aos
interesses temporais, nada há a ser desejado. Não pode ser aqui encontrada melancolia, a menos que se cave mais fundo para isso do que as fundações
do palácio de S. Roque.
Não há um lugar mais saudável no mundo, nem uma região mais agradável, abundando todas as espécies
de frutos e alimentos, tanto assim que não me deixa desejar os da Europa.
Se tem em Portugal galinhas, cá acha muitas e mais baratas; se tem carneiro, cá há tantos que caçam
nos matos, e de tão boa carne que me rio muito de Portugal em essa parte. Se tem vinho, há tantas águas que a olhos vistos me acho melhor com elas,
que com os vinhos de lá; se tem pão, cá o tive eu por vezes e fresco, e comia antes do mantimento da terra que dele, e está claro ser mais sã a
farinha da terra, que o pão de lá; pois, as frutas, coma quem quiser as de lá, das quais cá temos muitas, que eu com as de cá me quero.
E além disso há cá estas cousas em tanta abundância que, além de se darem todo ano, dão-se
facilmente e sem as plantarem, que não há pobre que não seja farto com pouco trabalho. Quanto às diversões, as daí não podem de modo algum ser
comparadas com o que aqui temos.
Agora, estou desejoso que algum de vós saísse para pôr tudo isso à prova; pois não hesito em dar minha opinião que, quem quer que deseje viver num
paraíso terrestre, não terá que estacionar longe do Brasil. Que aquele que duvida de minhas palavras, venha e veja.
Alguém dirá: Que espécie de vida pode este homem levar, dormindo em uma rede suspensa no ar?
Deixe-me dizer-lhes, que não fazem nenhuma ideia do que isso possa ser. Tive uma cama com colchão, mas meu médico aconselhou-me a dormir em uma
rede, e achei esta muito preferível, que nunca fora capaz de ter a menor satisfação, ou descansar uma simples noite, em uma cama. Outros podem ter
sua opinião, mas esta é a minha, fundada na experiência".
Os jesuítas, infelizmente, não achariam este paraíso perene. Sua benevolência, e sua devoção filantrópica para com os índios, chamaram sobre eles o
ódio de seus concidadãos, os portugueses, e dos mamelucos, como os meio-sangue eram denominados. Estas duas classes iniciaram desde os primeiros
tempos a escravidão dos aborígenes, e continuaram-na por gerações sucessivas, com uma perseverança feroz e sanguinária, que raramente encontra
semelhante.
Quando os jesuítas se opuseram firmemente às suas crueldades, os portugueses valeram-se de todos os
meios para combatê-los. Eles ridicularizavam os selvagens por qualquer condescendência com as formalidades religiosas, em que foram tão
diligentemente instruídos — encorajando-os a continuar nos seus vícios pagãos, e mesmo nas abominações do canibalismo.
No entanto, esses missionários trabalharam com considerável sucesso. O governo estava do seu lado,
mas foi incapaz de protegê-los contra as perseguições de seus irmãos que, embora se chamassem cristãos, eram tão insensíveis ao temor de Deus como
descuidados dos direitos do homem. Na luta pelos seus imaginados interesses, nada podia detê-los senão a força. Quando os índios foram rechaçados
para as selvas do interior, pelo medo dos caçadores de escravos, os jesuítas buscaram-nos, e levaram-lhes a oportunidade do culto e da instrução
cristã.
Foi assim que puderam dar começo às célebres Reduções do Paraguai, que ocuparam tão grande espaço
na história primitiva da América do Sul. Costumavam os paulistas se disfarçar com as vestes dos jesuítas, para apanhar os nativos, a quem desejavam
capturar. Outras vezes assaltavam as Reduções, ou vilas de neófitos, jactando-se de que os sacerdotes eram muito serviçais em reunir assim para eles
as futuras presas.
Expedições voluntárias desses caçadores de escravos, denominados bandeiras, gastavam meses, e algumas vezes anos, na mais cruel e desolante luta
contra as tribos nativas. Instigados pelo desejo ardente do roubo humano, alguns penetraram no interior até às regiões hoje ocupadas pela Bolívia,
ao Oeste; enquanto outros atingiam o Amazonas ao Norte.
Quando os índios tornaram-se reduzidos devido a estas agressões desumanas, uma outra empresa
apresentou-se como um estimulante da cobiça. Foi a procura do ouro. O sucesso nesta empresa criou novos motivos para prosseguirem na primeira. Os
escravos deviam fazer os trabalhos das minas. Assim, o extermínio das tribos nativas do Brasil progrediu, por muitos anos, com espantosa rapidez.
Resultado destas expedições foi o aumento dos territórios de Portugal e mais extensa colonização.
Pelo aumento destas colônias, quatro grandes províncias foram povoadas. Foram depois separadas da de São Paulo, na seguinte ordem: Minas Gerais, em
1720; Rio Grande do Sul em 1738; Goiás e Mato Grosso, em 1748.
Durante o período em que Portugal e suas colônias estavam sob o domínio da Espanha, um considerável número de famílias espanholas vieram habitar a
capitania de São Paulo; e quando, em 1640, este domínio terminou, um numeroso grupo dispôs-se a resistir ao governo de Portugal. Chegaram a
proclamar rei um certo Amador Bueno; mas esse homem teve a sagacidade e o patriotismo necessários para peremptoriamente declinar da dignidade que
seus amigos estavam ansiosos para conferir-lhe.
Os paulistas posteriormente se têm mostrado sem rival na sua lealdade para com o legítimo governo
do país; a não ser, na verdade, as infelizes perturbações que ocorreram entre eles nos anos de 1841-42 que formam uma exceção a essa afirmativa. É
presentemente uma das mais prósperas províncias do Império.
Academia de Direito
Meu colega o dr. Kidder permaneceu muitos dias na capital da província, e dá a seguinte descrição de suas instituições e grandes homens:
"A Academia de Direito ou, como é frequentemente denominada, a Universidade
de São Paulo, coloca-se em primeiro lugar, entre todas as instituições letradas do Império. Tive uma excelente oportunidade visitando-a, sendo
apresentado pelo secretário e pelo presidente efetivo, o Dr. Brotero [T69].
Este senhor — cuja senhora é natural dos Estados Unidos — merece uma menção especial não só pelo
zelo e habilidade com que administra os negócios da instituição da qual é presidente, mas também como autor. Publicou um trabalho modelo sobre os
Princípios do Direito Natural, e um tratado sobre Prezas Marítimas.
"O prédio do Curso Jurídico foi originalmente construído com a forma de um convento pelos monges franciscanos, a quem o governo fez abandoná-lo para
seu atual e mais proveitoso uso. Sendo espaçoso e bem construído, com algumas alterações tornou-se apropriado aos fins que se desejavam. As salas de
aula e repetição estão no primeiro andar, as salas dos professores e biblioteca no segundo; estas, juntamente com um amplo pátio, compõem todo o
estabelecimento, salvo duas imensas capelas ainda destinadas ao seu primitivo objetivo.
Em uma destas, encontrei várias pinturas muito razoáveis, e também um imenso andaime, sobre o qual
estavam trabalhadores empenhados em terminar o trabalho de estuque, no arco principal do teto abobadado. Ambas as capelas são abundantes em
representações mitológicas do santo padroeiro, ambas em imagens e cores.
A biblioteca da instituição, contendo sete mil volumes, é composta da coleção antigamente
pertencente aos Franciscanos, uma parte da qual foi legada ao convento pelo bispo de Madeira; a biblioteca de um falecido bispo de São Paulo; uma
doação de setecentos volumes do primeiro diretor; e alguns acréscimos por ordem do governo. Não estava repleta de obras sobre leis ou humanidades, e
era bem deficiente no departamento da ciência.
A única compensação para tais deficiências era uma superabundância de
volumes de Teologia não lidos e ilegíveis. Entre todos estes, porém, não se encontrava um único exemplar da Bíblia — fonte de toda Teologia correta
— na linguagem vernácula do país; livro mais raro do que este, pelo menos nos primeiros anos, dificilmente se poderia mencionar em São Paulo. Essa
particular deficiência, tive a felicidade de supri-la com a doação da tradução portuguesa de Pereira, escrevendo essa dedicatória:
À BIBLIOTECA DA ACADEMIA JURÍDICA DE SÃO PAULO — A SOCIEDADE BÍBLICA AMERICANA PELO SEU CORRESPONDENTE
D. P. KIDDER.
Cidade de São Paulo, 15 de fevereiro de 1839.
A história e as estatísticas da instituição me foram gentilmente dadas pelo secretário, uma
publicação, na qual extraio os seguintes trechos:
"A Academia de Ciências Jurídicas e Sociais da
cidade de São Paulo, foi criada, por um decreto datado de 11 de agosto de 1827. Foi solenemente inaugurada, pelo primeiro professor, dr. José Maria
de Avellar Brotero, no 1º dia de março de 1828, — sendo seu primeiro diretor o tenente general José Arouche de Toledo Rendon. Os estatutos pelos
quais se regula, foram aprovados por lei, em 7 de novembro de 1831.
Os estudos do curso preparatório são — Latim, Francês, Inglês, Retórica, Filosofia Racional e Moral, Geometria, História e Geografia.
O curso regular se estende por cinco anos. O professorado está assim designado:
Primeiro ano — primeira cadeira, Filosofia de Direito, Direito Público, Análise da Constituição do Império e Direito Romano.
Segundo ano — primeira cadeira, continuação dos assuntos acima, Direito Internacional e Diplomacia; segunda cadeira, Direito Público Eclesiástico.
Terceiro ano — primeira cadeira, Direitos Civis do Império; segundo curso, Direito Criminal, Teoria do Processo Criminal.
Quarto ano — primeira cadeira, continuação do Direito Civil; segunda cadeira, Direito Mercantil e Marítimo.
Quinto ano — primeira cadeira, Economia Política; segunda cadeira, Teoria e Prática de Direito Geral, adaptado ao Código do Império.
Eram requisitos para entrar no curso regular a idade de dezesseis anos e um conhecimento de todos os estudos preparatórios. Nenhum estudante pode
passar de ano sem ter passado por um exame satisfatório, nos estudos do ano precedente. Quando os exames do quinto ano são passados
satisfatoriamente, a Academia confere o grau em Bacharel em Artes; e cada bacharel está habilitado a apresentar teses, em que possa ser examinado
como candidato ao grau de Bacharel de Direito.
Nos exames do curso, os estudantes são interrogados por três professores, pelo espaço de vinte minutos cada um. Aos concorrentes do doutorado se
exige arguição sobre suas teses, com nove professores sucessivamente cada discussão durante meia hora. No fim de cada exame, os professores, por
voto secreto, determinam a aprovação ou reprovação do candidato."
"Para explicar as peculiaridades do curso mencionado, observamos que, em seus dispositivos, a
Universidade de Coimbra foi seguida como modelo. A educação fornecida por ela, pode ser formal e exata na sua maneira de ser, mas nunca popular. O
povo brasileiro olha mais para a utilidade do que para as formas antiquadas de uma universidade portuguesa; e compreendi que será necessário,
brevemente, para assegurar a preferência dos estudantes na Universidade de São Paulo, condensar e modernizar-lhe o curso".
Em 1855, a prosperidade da Academia de Direito não se podia pôr mais em dúvida, pois nessa época havia duzentos e noventa e seis estudantes nas
cinco classes, e mais trezentos no curso preparatório. Lendo a lista das matérias desse curso, achei (salvo a língua grega) ser muito semelhante à
da maior parte dos institutos congêneres nos Estados Unidos.
Sob a direção do sr. Brotero, a Faculdade Paulista tornou-se extremamente popular e, sem dúvida,
muito mais prática do que nos primeiros anos de sua existência. É aqui e na Escola de Direito de Pernambuco (que contém trezentos e vinte estudantes
no curso regular) que os estadistas do Brasil, recebem o tipo de educação que tanto convém, muito mais para o Parlamento Imperial e as várias
assembleias legislativas de sua terra do que os cursos que, para o mesmo fim, existem nos países hispano-americanos.
"A minha estada em São Paulo",
continua o dr. Kidder, "se tornou cada vez mais interessante, pelas repetidas entrevistas que
tive com vários cidadãos notáveis da província. Uma tarde, quando passeava em companhia de vários senhores nos vastos jardins do sr. Raphael Tobias
d'Aguiar [T70],
um popular ex-presidente da província, e um de seus maiores proprietários de terras, a conversação discorreu sobre os diferentes viajantes
estrangeiros no Brasil. Mawe foi lembrado por alguém; mas St. Hilaire, o botânico francês, gozava da mais alta consideração de todos por ter
executado a sua missão da maneira mais perfeita."
"O sr. Raphael relatou uma anedota muito interessante, que lhe foi transmitida por St. Hilaire. Um pobre homem na Inglaterra, lendo o trabalho de
Mr. Mawe, tornou-se tão entusiástico com a ideia das riquezas minerais e vegetais do Brasil que, se fez criado de servir, para deixar
incontinente o seu país. Depois de chegar ao Rio de Janeiro, encontrou meios de encaminhar-se para as serras do interior, onde seus esforços
inteligentes foram bem recompensados, tendo o botânico francês o encontrado como detentor de boa fortuna."
Homens ilustres.
"Entre os notáveis homens de São Paulo, mencionarei primeiro os Andradas — três irmãos, originários de família residente em Santos. Estes irmãos
foram educados na Universidade de Coimbra, em Portugal, e receberam os graus de doutores em Jurisprudência e Filosofia, e o mais jovem o de
Matemáticas.
José Bonifácio, o mais velho, depois de receber grau, viajou vários anos nos países do norte da Europa — dedicando-se a pesquisas científicas, cujos
resultados era sua intenção publicar no Brasil. Voltando a Portugal, foi nomeado Professor de Metalurgia em Coimbra, e de Medicina em Lisboa.
Durante o período em que lecionou, publicou diversos tratados de muito mérito, entre os quais, uma dissertação sobre A Necessidade de Plantar
Novas Florestas em Portugal, e particularmente pinheiros ao longo das costas arenosas do litoral.
Seu valor foi proclamado pela invasão de Portugal, quando ele organizou e chefiou um corpo de
estudantes que resolveram fazer tudo a seu alcance para repelir o exército de Napoleão. Em 1819, voltou ao Brasil a tempo de tomar parte saliente na
revolução da independência. (Morreu na Praia Grande, em 1838).
Antonio Carlos voltou ao Brasil logo depois de ter completado a sua educação. No ano de 1817, enquanto exercia o ofício de ouvidor em Pernambuco,
foi preso como cúmplice dos conspiradores em uma revolta que irrompeu nessa época. Foi mandado para Bahia e metido na prisão, onde permaneceu quatro
anos.
Como uma prova de sua filantropia, assim como de sua indomável energia de espírito, lembremo-nos de
que ele empregou esses anos de detenção quase que exclusivamente ensinando alguns jovens prisioneiros Retórica, línguas estrangeiras e elementos de
ciência.
Sendo por fim libertado, voltou a São Paulo, onde foi logo depois eleito deputado por essa
província, nas cortes de Lisboa. Cumpriu o seu dever nessa assembleia, e permaneceu nele até que os crescentes insultos e fatos que se foram
acumulando contra os brasileiros, sem esperança de se atenuarem, forçaram-no e a vários de seus colegas, entre os quais estava Feijó, a retirar-se e
embarcar secretamente para a Inglaterra. Tendo chegado em Falmouth, publicaram uma solene declaração dos motivos que os induziram a desertar das
Cortes e abandonar Lisboa. Daí voltaram para seu país de origem.
Martim Francisco, o irmão mais novo, ganhara altas distinções como estudante e, desde a mocidade, recebeu grandes honrarias políticas. Na primeira
organização do Governo Imperial, foi nomeado Ministro das Finanças, e neste caráter prestou ao país importante serviço — sendo seu irmão mais velho,
nesse tempo, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Nessa época, os três irmãos foram todos eleitos membros da Assembleia que se reuniu
para preparar uma Constituição para o Império.
Antes que as discussões dessa Assembleia chegassem a termo, o imperador foi levado, pela união de duas minorias, a demitir o Ministério Andrada e
indicar realistas para seus sucessores. A poderosa oposição que os irmãos imediatamente dirigiram contra os que os tinham suplantado tornou
embaraçosa a posição do novo ministro, bem como a do imperador.
Os ataques produziram reação, até que o imperador afinal resolveu tomar o precipitado e desesperado
expediente de dissolver a Assembleia à força, o que foi conseguido, tendo então mandado prender os três irmãos Andrada e alguns outros chefes da
oposição. Foram todos, sem o mínimo exame ou julgamento, transportados para bordo de um navio pronto para largar, e levados para a França.
O tempo que passaram na Europa não foi gasto ociosamente. Já ambientados com as mais importantes línguas modernas, devotaram-se à profissão
literária e a sociedade dos homens doutos com todo o entusiasmo de estudiosos.
No ano de 1828, os dois irmãos mais novos voltaram ao Rio e, depois de uma curta permanência na prisão da Ilha das Cobras, receberam um perdão total
do imperador. José Bonifácio veio da França em 1829.
O almirante francês, que o conhecera na Europa, mandou imediatamente prestar-lhe todas as atenções; mas Andrada pediu-lhe para não fazer nenhuma
demonstração, pois estava muito incerto de como seria recebido. Mas, logo que se soube da chegada do vapor, Calmon, o ministro das Finanças, foi
imediatamente a bordo apresentar suas congratulações, tratando-o com a máxima cortesia. Na conferência de Andrada com o imperador, dizem que este
prontificou-se em abraçá-lo, propondo que todo o passado fosse esquecido. Andrada replicou, com firmeza romana, que o abraço ele daria muito
alegremente mas, esquecer o passado, era impossível.
O imperador então propôs-lhe entrar no ministério, mas ele declinou, assegurando a Sua Majestade que apenas voltou ao Brasil para voltar à sua vida
privada. Não obstante, foi José Bonifácio, na sua velhice, aquele a quem o imperador, na sua abdicação, confiou a tutela de seus filhos. Ele lhe
provou então a deslealdade de muitos dos seus fingidos partidários que o haviam levado a tentar fazer a destruição dos homens que eram seus mais
antigos e devotados amigos. O imperador aprendeu, em penosa experiência, como apreciar o real patriotismo.
Antonio Carlos e Martim Francisco, logo que voltaram à sua província natal, foram imediatamente
incumbidos por seus compatriotas de importantes encargos, e retiveram desde então posição proeminente nos conselhos nacionais. Além disso,
continuaram os mesmos ardentes e destemidos defensores de seus princípios, como na sua vida pregressa.
Dizem, e talvez justamente, que "os Andradas, quando no poder, eram arbitrários e, quando fora
dele, facciosos; mas suas vistas foram sempre largas, e suas probidades irrepreensíveis". Seu
desinteresse foi manifesto, e só merece elogio. Título e riqueza estavam ao seu alcance; mas retiraram-se do cargo público sem condecorações e em
honrosa pobreza. Em muitos de seus atos foram sem dúvida censuráveis; mesmo assim, quando se leva em consideração as circunstâncias críticas do
Brasil, nesse período de sua existência nacional, certamente se pode desculpar alguns de seus erros.
Quando a idade avançada obrigou José Bonifácio a retirar-se dos negócios públicos, ele procurou a
linda Ilha de Paquetá, na Baía do Rio de Janeiro. Morreu em 1838; e, se houvesse qualquer fato que mais altamente do que outro demonstrasse a falta
de empreendimentos, seria esse de que não foi publicada qualquer obra em memória de personalidade tão notável, nem conforme pude ouvir de seus
próprios irmãos, nenhuma foi sequer projetada.
Antonio Carlos e Martim Francisco são notáveis e poderosos oradores. Este é claro, expressivo e puro na sua dicção; aquele é fluente, impetuoso e
algumas vezes extravagante. Antonio Carlos gosta particularmente da arena de debate, e poucos assuntos chegam para debate diante da Assembleia
Provincial ou Nacional, que não se sujeitem às análises de sua acurada inteligência e aos ataques muitas vezes terríveis de sua veemente retórica.
Suas orações abundam em lindas citações de poetas franceses, espanhóis, italianos e ingleses; e,
quando discute questões de jurisprudência e diplomacia, as referências que faz demonstram um conhecimento crítico dos autores ingleses sobre o
assunto. Como uma prova fortuita de seu estilo eloquente, traduzirei um parágrafo de seu discurso na Assembleia Geral no Rio de Janeiro, em 1839, na
muito debatida questão de saber se as tropas estrangeiras deviam ser alugadas para compor o exército permanente do Império.
"Depois de ter desenvolvido essa cuidadosa argumentação", disse ele, "acho-me pouco desejoso de
cansar os meus colegas. Provei que a medida é anticonstitucional, que é injuriosa para a dignidade do Brasil, que é inútil, que é impolítica, e que
será opressiva para a nação.
Agora devo concluir. Aflige-me pensar que tal medida pode possivelmente ser aprovada. Tanta é a aversão que nutro contra ela, que sou levado a temer
que, se ela passasse, alguns de nossos cidadãos desejar-se-iam alienar da terra do seu berço; alienar-se, ia mesmo dizer, de uma nação degradada.
Mas a minha língua não pode proferir uma tal infâmia, nem o meu coração antecipa uma tal injúria para o povo brasileiro.
Todas as noites, quando procurava descanso no meu modesto leito, o primeiro ato de devoção, que fazia a Deus, era um agradecimento por haver nascido
neste abençoado solo — em um país onde a inocência e a liberdade eram nativas, mas do qual elas temporariamente fugiriam pela aproximação destes
grilhões de ferro do cativeiro social, que Cabral, o descobridor, importou por acaso para o Brasil juntamente com a limitada civilização de
Portugal.
"Eis,
descobre Cabral os Brasis não buscados,
C'os salgados vestidos gotejando,
Pesado beijas as douradas praias,
E às Gentes que te hospedam, ignaras
Do Vindouro, os grilhões lanças,
Miserandos! Então a liberdade,
As asas não manchadas de baixa tirania
Soltou isenta pelos ares livres".
"Assim foi uma infame série de opressivas leis e vergonhosas proscrições, que eram impostas aos
nossos pobres antepassados, e teriam pesado sobre nós, ainda hoje, não tivesse o grande feito heroico de nossa independência nacional, nos tornado
livres. Permita-me observar uma notável coincidência. Amanhã é o aniversário dessa independência — um acontecimento para ser sempre lembrado. Hoje,
envidam esforços que, se bem-sucedidos, trarão nuvens e trevas sobre isto, e assim se apagará a mais brilhante imagem de nossa história.
Como é que nós, que somos capazes de lançar fora o jugo do cativeiro estrangeiro sem a ajuda de tropas mercenárias, somos julgados incompetentes
para destruir a rebelião dentro das nossas próprias fronteiras? Vergonhosa reflexão! É Bento Gonçalves algum aventureiro europeu? Não! ele é um
brasileiro, como nós; e no mínimo pode resistir a brasileiros.
Meu coração está transbordando, mas minha língua falha na expressão dos meus pensamentos. Se esta medida passar, nada mais terei que fazer, senão
esconder minha cabeça, e lamentar e suspirar na língua de Moore:
"Alas
for my country! her pride is gone by,
And that spirit is broken which never would bend:
O'er the ruin her children in secret must sigh,
For it's treason to love her, it's death to defend."
Um íntimo amigo e associado político de Antonio Carlos é o senhor Alvares Machado, um outro ancião
paulista, também célebre por sua pronta e muitas vezes apaixonada eloquência. Um breve resumo de um de seus discursos na Câmara dos Deputados, muito
bem exprime o orgulho provincial que os paulistas nutrem juntamente com os seus sentimentos de independência. "Como,
diz ele, pode a presente administração esperar intimidar-nos, nós que nunca sucumbimos ao fundador do Império? Nós falamos a língua da liberdade, da
justiça e da verdade, para um rei e os descendentes de reis.
Em certa ocasião foi-nos proposto elaborar a nossa constituição, conforme o modelo monárquico, e para tal fim intrigas foram tomando pé em todas as
províncias. Qual foi então a nossa linguagem? "Senhor", dissemos para o monarca, "o despotismo pode ser plantado na província de São Paulo, mas será
sobre os ossos do último de seus habitantes".
Um outro proeminente membro da legislatura provincial de São Paulo, foi Vergueiro, Senador do Império. Este cavalheiro, português de nascimento,
fora há muito famoso no Brasil. Antes da independência da colônia, ele era um dos deputados das cortes de Lisboa, e tinha-se distinguido da maioria
de seus colegas, pela clara e explícita maneira com que defendia os interesses e privilégios da terra de sua preferência. Posteriormente, quando no
Senado Brasileiro, soube manter a sua reputação de hábil argumentador sincero amigo das instituições liberais. Durante as cenas relacionadas com a
abdicação do primeiro Imperador, foi apontado em primeiro lugar para a Regência provisória.
Durante uma de minhas visitas à Assembleia Provincial de São Paulo, este cavalheiro fez um longo e interessante discurso, sobre o levante e as
desordens de Vila Franca.
As sessões deste corpo legislativo são realizadas num salão do antigo Colégio dos Jesuítas, que desde há muito foi apropriado para uso do governo.
Minha assistência a essas deliberações não era muito frequente, se bem que várias de minhas visitas fossem bem interessantes. Provavelmente nenhuma
outra legislatura provincial do Império apresentou maior soma de doutrina, experiência e talento do que esta.
No período a que me refiro, Martim Francisco de Andrada ocupava a cadeira
presidencial, enquanto os senhores Antonio, Carlos, Vergueiro, Alvares Machado, Raphael Tobias, os bispos de São Paulo, de Cuiabá, e Moura
[T71],
o bispo eleito do Rio de Janeiro, com vários outros cavalheiros de distinção, tomavam parte nos debates."
No fim de uma das sessões, tive o prazer de encontrar vários desses cavalheiros em um salão junto à
sala de debates, e de ouvir deles as mais ardentes expressões de sentimento americano e de um generoso interesse pelos Estados Unidos.
Antonio Maria de Moura foi considerado o representante especial dos interesses eclesiásticos nessa legislatura. Conquistara grande notoriedade
alguns anos antes. Foi nomeado pelo Governo Imperial para preencher o bispado vago do Rio de Janeiro. O Papa de Roma ficou, por alguma razão
descontente com a nomeação, e consequentemente recusou-se a consagrá-lo. Esta circunstância deu ocasião a longas negociações diplomáticas, e por
algum tempo ameaçou de interromper as relações amigáveis entre o Brasil e a Santa Sé. Por vários anos, as questões relativas a este assunto foram
frequente e livremente discutidas perante a Assembleia Nacional.
Durante estes debates, foram muitas vezes usadas expressões, não muito elogiosas
para com Sua Santidade, e fatos de escandaloso caráter foram trazidos à baila. Por exemplo, um padre reverendo, falando sobre o assunto, aludiu à
objeção canônica à referida candidatura a qual, disse ele, era de todos conhecida — isto é: ilegitimidade de seu nascimento: o que, entretanto, era
um assunto ridículo, tendo sido dispensado no caso de dois atuais bispos do Império. Mas o candidato havia assinado uma nota declarando-se contra o
celibato forçado do clero, quando interrogado por Sua Santidade sobre o assunto, recusou-se a dar explicações
[A47].
Quanto mais esse assunto era discutido, maior era a separação entre as partes. O Papa não se mostrava desejoso de voltar atrás e os brasileiros
resolveram não aceitar imposições do Papa.
A proposta, para tornar a igreja brasileira independente de Sua Santidade, foi mais de uma vez proposta, e estava encontrando crescente favor entre
o povo. Mas a questão foi considerada somente em sua significação política. Consequentemente, tornou-se um cuidado para o governo colocá-lo no
caminho mais facilmente praticável.
Com a execução de um novo ministério, foram adotadas medidas para satisfazer Moura e induzi-lo
deixar livre o caminho. Assim foi ele por fim persuadido a abandonar sua pretensão, e a resignar a um cargo que não lhe era permitido exercer
pacificamente. A questão foi assim facilmente arranjada. O governo fez uma outra nomeação, que o Papa aprovou — ao mesmo tempo agraciando o
candidato rejeitado com o título e dignidades de bispo in partibus infidelium.
Quando o encontrei, o padre Moura não parecia ter mais de trinta e cinco anos de idade. Suas
maneiras eram afáveis e sua conversa interessante. Era conhecido como sendo o conselheiro confidencial e assistente do velho bispo de São Paulo.
Estivera durante vários anos na vida política, e provavelmente continuará nela desde que não haja incompatibilidade da mesma com as obrigações de
seu cargo como bispo in partibus.
Tive a honra de ter mais uma entrevista com o ex-regente Feijó. A primeira foi em companhia de um seu amigo íntimo, na sala debaixo de uma grande
casa, aonde ele ia como convidado, na cidade de São Paulo. Não havia cerimônias. Sua reverência parecia ter sido deixada numa alcova adjacente. Seus
trajes não eram os de padre. Com efeito, sua vestimenta era feita de algodão riscado claro, e não parecia ser nova; e a sua barba era por demais
comprida para aquele clima quente.
Era baixo e corpulento, de cerca de sessenta anos de idade, mas de uma aparência robusta e
saudável. Seu semblante e sua cabeça guardavam um cunho intelectual de expressão benevolente embora houvesse algo de peculiar no seu modo de olhar,
que justificava a observação que me fora feita, antes de vê-lo, que ele tinha "uma fisionomia de gato". Sua conversa era fluente e muito
interessante.
Meu amigo referiu-lhe que eu fizera várias perguntas a respeito dos costumes do clero e do estado
da educação e da religião no país. Passou então a comentar esses vários temas, e expressou não pequeno descontentamento para com o atual estado de
coisas, particularmente no seio do clero. Afirmou que "raros eram os sacerdotes em toda a
província que cumprissem o seu dever como a Igreja o prescrevia, especialmente no que respeitava à catequese de crianças no domingo".
Ele estava na véspera de seguir viagem para Itu e Campinas e, sendo interrogado quando iria, replicou, "dizem que é no Domingo"; mostrando assim que
ele próprio não tinha muito respeito à instituição do descanso semanal.
Em outra ocasião, visitei-o em sua própria casa no Rio de Janeiro, quando tomava parte no Senado,
de que foi por muito tempo presidente. Foi pela manhã, e encontrei-o só em sua sala, ocupado com seu breviário, enquanto que, sobre a mesa, perto da
qual estava sentado, via-se uma faca de ponta, da espécie já descrita, metida numa bainha de prata. Presenteei-lhe com exemplares de algumas
publicações que eu mandava fazer em língua portuguesa, para circulação no país. Recebeu-os cortesmente, e entrou novamente em conversa a respeito de
vários planos para os professos religiosos no Brasil.
Todavia, parecia ter pouca fé, e menos ainda ânimo, para fazer mais esforços, tendo sido
repetidamente iludido em seus ardorosos projetos para tais progressos. Tão pouco estímulo, na verdade, ele encontrara entre seus irmãos do clero,
que estava inclinado a comparar alguns deles a um cão na manjedoura, desde que eles nem faziam bem a si próprios, nem permitiam que outros o
fizessem.
Feijó é um homem notável. Como muitos outros membros do clero brasileiro, entrou na carreira
política muito cedo, e deixou de lado os deveres da prática do sacerdócio. Seu abandono das Cortes de Portugal, para a qual fora eleito no reinado
de d. João VI, já foi mencionado.
Depois do estabelecimento do governo independente do Brasil, tornou-se um membro proeminente da Câmara dos Deputados. Durante um debate nessa Casa,
ouviu o que à primeira vista o teria surpreendido como uma estranha proposição — isto é: "que o
clero do Brasil não estava preso pela lei de celibato".
Sendo isso, todavia, afirmado por um cavalheiro de grande erudição e probidade, atraiu a sua
cândida atenção. Posteriores reflexões, quando meditava sobre os meios de reformar o clero, e examinava os anais do Cristianismo, convenceram-no de
que não só a proposta era aceitável, como também que a mais abundante fonte de todos os males que afetavam aquela importante classe, era o celibato
forçado. Por conseguinte, quando membro da Comissão dos Negócios Eclesiásticos, ele apresentou à Câmara uma proposta sobre o assunto sob a forma de
um relatório da minoria.
Neste relatório ele propôs que, "desde que o celibato não era nem imposto ao clero pela lei
divina nem pelas instituições apostólicas, mas, pelo contrário, era fonte de imoralidade no seu seio; achava, portanto, que a Assembleia devia
revogar as leis que o obrigavam, e notificaria o Papa de Roma da necessidade de revogar as penas eclesiásticas contra o matrimônio clerical; e, no
caso de não serem estas revogadas dentro de um certo prazo, que elas ficariam anuladas".
Como era de esperar, semelhante relatório, provindo de um eclesiástico de alta consideração, excitou grande atenção. Com surpresa de muitos, foi
recebido com grande benevolência pelos sacerdotes e pelo povo. Essa circunstância, tomadas às suas próprias convicções, levaram o autor a
desenvolver longamente suas opiniões em um tratado sistemático. Daí se originou o seu célebre trabalho sobre o celibato do clero.
Das observações de um competente crítico sobre tal trabalho, escolhemos o seguinte trecho: "É
realmente uma novidade no mundo literário. Podemos, na verdade, dizer nada menos do que isto: — que o livro encerra inquestionavelmente o melhor
argumento proposto, em qualquer país papalino ou protestante, contra o celibato forçado de sacerdotes e freiras. Contém tudo o que um protestante
poderia dizer, e que um sacerdote católico romano, a despeito de todos os velhos preconceitos, é forçado a dizer, contra a cruel e artificiosa lei,
ordenada contra a imutável lei do onipotente Criador".
O autor é mestre tanto na antiga como na moderna doutrina católica — no direito canônico, nos dizeres dos padres; e ficaríamos mais surpreendidos do
que instruídos se víssemos qualquer de seus irmãos prelados da América ou da Europa saírem a público para dar uma resposta racional à
Demonstração da Necessidade de Abolir o Celibato do Clero, de Feijó.
Não obstante os violentos ataques feitos a ele por essa ousada tentativa de inovação, ainda assim ele foi subsequentemente elevado aos mais altos
cargos públicos concedidos pela nação. Foi sucessivamente, ministro de Estado, regente do Império e senador vitalício.
Foi, além disso, eleito pelo Governo Imperial bispo de Mariana, diocese que abrangia a rica e importante província de Minas Gerais. Não se achou,
entretanto, capaz de aceitar essa dignidade e, resignando à Regência, voltou para as suas plantações, a algumas milhas da cidade de São Paulo, onde
residia por ocasião da minha visita a essa parte do Brasil.
Depois dessa época, sua saúde declinou, e uma pensão de quatro contos de reis por ano foi-lhe concedida, em consideração aos seus distinguidos
serviços no passado. Em 1843, morreu".
Depois que as linhas acima foram escritas por meu colaborador neste trabalho, muitos dos principais homens que ele encontrou em São Paulo já
descansam. Antonio Carlos, Martim Francisco de Andrada e Alvares Machado estão mortos. O império constitucional que, com sacrifício próprio, eles
ajudaram a instituir, e pelo qual sofreram tantas perseguições políticas, está firmemente consolidado e seus esforços não serão esquecidos, embora
até agora nenhum sublime monumento tenha surgido para dizer do verdadeiro patriotismo de tais homens.
Antonio Carlos de Andrada expirou no dia 5 de dezembro de 1845, e, da Necrologia do Anuário do Brasil de 1846, extraí o seguinte
testemunho de seu talento, valor e qualidades. Seja dito de passagem que se o estrangeiro, que investiga o caráter dos falecidos, encontra tantos
motivos para a sua admiração, devemos perdoar a alta expressão de elogio pronunciada por seus compatriotas sobre aquele que, por tantos anos, ocupou
nobremente os primeiros lugares nas graças do monarca e do povo.
"Dissolvida a Assembleia Geral de 1844, Antonio Carlos de Andrada foi, em 1845, novamente
eleito deputado por sua província natal. Mas apenas informado de sua eleição pelos paulistas, soube de sua escolha para senador por Pernambuco,
depois de ter também recebido os votos populares da província de Pará, Minas, Ceará e Rio de Janeiro. Tomou assento, portanto, tarde, na Câmara do
Senado — uma tardia recompensa para os seus grandes méritos.
Na literatura, no Parlamento, e em todo o Império, sua morte deixou um grande vazio que será por muito tempo sentido por todos os seus compatriotas.
Sem outra ambição, que não fosse a de servir seu país, — a única glória desejada por seu generoso coração — nem desejou nem procurou obter honras.
O Conselheiro Carlos Antonio de Andrada era de estatura média e de constituição robusta: todas as suas feições expressavam engenho, sentimento e
energia de espírito. De simples e graciosas maneiras, dócil e jovial na conversação familiar, tornava-se agradável a qualquer um que dele se
aproximasse. Severo para consigo, era indulgente para os outros, e pronto a perdoar uma ofensa ou uma injustiça que lhe fosse feita. Foi um amigo
devotado, e um adversário generoso para seus competidores na vida pública: nunca empregou seu poder para prejudicar os outros, e sempre protegeu o
fraco. Um excelente pai, um marido amado, o melhor dos irmãos — não havia uma simples virtude doméstica que não fosse encontrada em Antonio Carlos!
Que importa para tal homem, que nenhuma pedra monumental seja erigida?
"The
fame is lost which it imparts:
Who for his dust a tear would claim
Must write his name on living hearts".
As últimas palavras de elogio do falecido estadista são o mais alto louvor que podia ser
pronunciado sobre um homem público, num país em que, muitas vezes, os que estão no poder não têm escrúpulos em se enriquecerem às espessas do
Estado.
Há o mais nobre e eloquente dos louvores no simples fato e na afirmação seguinte: "Tal era o
Conselheiro Antonio Carlos de Andrada: viveu e morreu pobre!"
Esforços missionários
As seguintes particularidades dos esforços missionários de meus colegas e meus predecessores, acredito que sejam julgadas interessantes: "Embora
já se tenham passado duzentos anos depois da descoberta e da primeira colonização da província de São Paulo, não se sabe de um ministro protestante
do evangelho, que a tenha visitado até agora. Embora colonizado com o ostensivo propósito de converter o gentio, e posteriormente habitado por
dezenas de monges e sacerdotes, não há nenhuma probabilidade que uma pessoa tenha antes entrado nos seus domínios, carregando exemplares da palavra
da vida em língua vernácula, com a intenção expressa de colocá-los nas mãos do povo.
É necessário lembrar ao leitor que, em todo o continente a que aqui nos referimos, são totalmente desconhecidas as assembleias públicas para
comunicações e ensino. O povo muitas vezes se reúne nas missas e nas festas religiosas, e quase tão frequentemente nos teatros; mas em lugar algum
ouviam discutir princípios ou revelar a verdade. Os sermões ouvidos nas igrejas raramente são mais alguma coisa do que elogios às virtudes de um
santo, com exortações para seguir o exemplo do mesmo. Na verdade, todo o conjunto de recursos pelos quais, nos países protestantes, se alcança a
mentalidade do público aqui não se conhece.
Não obstante isso, o estrangeiro, e especialmente os pseudo-heréticos, que trabalham para o
adiantamento da verdadeira religião, devem aproveitar as oportunidades providenciais, em vez de confiar em planos previamente determinados.
O missionário, em tais circunstâncias, aprende uma lição de grande importância prática para si
próprio — saber que lhe é grato aproveitar qualquer ocasião, por menor que seja, para tentar fazer o bem em nome de seu Senhor. As noções românticas
que alguns sustentam sobre os campos de ação missionária podem ser moderadas e positivadas ao contato da fria realidade dos fatos; mas o coração
cristão não se tornará mais duro, nem a fé genuína menos suscetível de uma inteira confiança em Deus.
"A inesperada amizade e ajuda do meu velho hospedeiro em São Bernardo, a que já me referi, não foi uma circunstância para ser subestimada. Um tanto
menos esperada foi a provisão feita em meu favor, na cidade de São Paulo, de cartas de apresentação para pessoas da mais alta consideração nos
vários lugares do interior que eu desejava visitar. Em um desses lugares, a pessoa a quem uma dela era dirigida, e por quem fui hospedado, era um
sacerdote católico romano; e isso dá-me sincera satisfação em poder dizer que a hospitalidade, que recebi sob seu teto, foi tudo o que um
estrangeiro em uma terra estranha pode desejar.
"Quando, ao chegar à sua cidade visitei pela primeira vez a sua casa, o padre estivera ausente havia duas semanas, mas a sua volta era esperada a
qualquer hora. Seu sobrinho, um jovem que tomava conta de seus bens, insistiu na minha permanência, e indicou ao meu guia um pasto para as suas
mulas. Num país em que, viajar a cavalo é quase o único meio de transporte, constitui um ato de polidez convidar o viajante, logo de chegada, para
descansar em uma cama ou um sofá. Aceita a gentileza, seguiu-se-lhe um banho quente, e depois um excelente jantar, é verdade que a sós.
Antes que minha refeição terminasse, um grupo de pessoas a cavalo passou pela janela, entre os
quais o padre que eu esperava. Depois de ler a carta que eu trouxera, entrou na sala e deu-me um cordial "seja bem-vindo". Chegara em companhia do
ex-regente Feijó, de cuja agradável palestra já compartilhara na cidade de São Paulo, e de quem recebera notícias da minha pessoa como tendo-o
interrogado sobre a situação religiosa do país.
Tornou-se-me pois fácil comunicar-lhe o assunto especial da minha missão. Ao mostrar-me sua
biblioteca — uma coleção de livros bastante respeitável, destacou como sua obra favorita, a Bíblia de Calmet, em francês, em vinte e seis volumes.
Não possuía uma Bíblia ou Testamento em português. Disse-me que ouvira dizer que uma edição estava para ser publicada no Rio, anotada e comentada,
sob o patrocínio e sanção do Arcebispado. Esse projeto de publicação fora anunciado para frustrar a circulação das edições das sociedades bíblicas,
mas nunca foi levado a efeito.
Nada sabia a respeito. Ouvira dizer, todavia, que as bíblias, em língua vulgar, haviam sido
remetidas para o Rio de Janeiro, assim como para outras partes do mundo, e que podiam ser procuradas grátis, ou por uma insignificante quantia.
Julgue-se da feliz surpresa com que ouvi de seus lábios que algumas dessas bíblias já haviam aparecido por ali, trezentas milhas distante do nosso
depositário no Rio. Sua primeira observação foi que não sabia quanto bem poderia vir de sua leitura, tendo conta o mau exemplo de seus bispos e
sacerdotes. Informei-o francamente que eu era uma das pessoas empenhadas em distribuir essas bíblias, e esforcei-me por explicar os motivos de nossa
empresa, que ele pareceu apreciar.
"Declarou que o Catolicismo estava quase abandonado aqui e em todo o mundo. Assegurei-o que vi abundantes provas de sua existência e influência; mas
ele pareceu considerar estas provas como "a forma sem a função". Nossa conversa foi aqui interrompida; mas surgindo uma oportunidade para renová-la
à tarde, observei que, vendo que eu era um ministro da religião, razoavelmente compreendeu que eu teria mais prazer em conversar sobre esse assunto
do que sobre qualquer outro.
"Disse-lhe então que não compreendera o que ele quisera dizer com a expressão: o Catolicismo estava quase abandonado. Passou então a explicar que
raramente reconhecia o verdadeiro espírito da religião entre os sacerdotes ou o povo. Sendo ele apenas um diácono, tinha o privilégio de poder
criticar os outros.
Estava convencido de que as leis que se referem ao celibato do clero seriam abolidas, pois o clero
era de fato, todo ele, pior do que casado, com infinito escândalo da religião; tal era a sua ignorância que muitos deviam sentar-se aos pés de seu
próprio público para serem instruídos nas doutrinas comuns da Cristandade; que o espírito de infidelidade ultimamente estava rapidamente grassando e
infeccionando a juventude, para a destruição deste respeito exterior pela religião e o temor de Deus que costumava ser hereditário.
Livros infiéis eram comuns, especialmente as Ruinas de Volney. Perguntei-lhe se as coisas
estavam melhor ou pior. "Pior", replicou
ele; "continuamente pior!" "Que meios
foram tomados para torná-las melhor?" "Nenhum! Estamos esperando a interferência da Providência".
Disse-lhe que havia muitas pessoas devotas, que viriam alegremente em seu auxílio, se estivessem certos que lhes seria permitido trabalhar para
Deus. Ele pensava que seriam bem recebidos se trouxessem a verdade; querendo provavelmente dizer, se fossem católicos romanos.
"Perguntei-lhe que notícia daria para o mundo religioso, a respeito do Brasil". "Diga que nós
estamos na escuridão, atrasados em relação ao século e quase abandonados". "Mas que deseja como
luz?" Nada desejamos. Nós confiamos em Deus, o Pai das luzes".
"Continuei a perguntar-lhe o que melhor haveria para impedir a influência dos infiéis e desmoralizantes trabalhos, a que se referira, que a palavra
de Deus. "Nada", foi a resposta. "Quantos
benefícios, então, ainda podem os srs. fazer, para este país e para as almas imortais, devotando-se ao verdadeiro trabalho de um evangelista?" Ele
concordou comigo, esperando ainda algum dia estar empenhado nessa tarefa.
"Pusera eu antes em suas mãos dois ou três exemplares do Novo Testamento, para serem dados a pessoas que pudessem tirar proveito deles, e que
o padre recebera com a maior satisfação. Disse-lhe então que sempre que estivesse disposto a tomar parte no trabalho de distribuir as Escrituras,
poderíamos mandar-lhas, tantas quanto necessitasse. Ele assegurou-me que se sentiria satisfeito de tomar a si tal encargo; que, quando os livros
fossem recebidos, fá-los-ia circular por toda a sua paróquia, enviando-me uma relação da forma por que foram distribuídos. Consequentemente
concluímos um ajuste, cuja eficácia ficou depois demonstrada.
Quando lhe mostrei algumas publicações em português, pediu-me que as enviasse em quantidade,
acompanhando a remessa das Bíblias. À minha pergunta de como o ex-regente, e outros como ele, julgariam a circulação das Escrituras entre o povo,
disse-lhe que eles se alegrariam bastante com isso e que as vantagens da tentativa não admitiam discussão. "Então", disse-lhe, eu "nós que estamos
empenhados neste mister, podemos ter a satisfação de saber que estamos fazendo aquilo que a melhor parte do seu clero aprova?" "Certamente",
replicou: "os srs. estão fazendo aquilo que nós próprios devíamos estar fazendo".
"Raramente tenho passado uma noite mais feliz do que a que se seguiu a essa entrevista, embora o sono quisesse fugir de minhas pálpebras. Estava
dominado pela compreensão da bondade e providência de Deus, dirigindo assim meu caminho para a verdadeira pessoa que, entre as cem melhor
qualificadas, estavam em condições ótimas para ajudar-nos a levar avante o nosso grande intento. Este fato foi esclarecido mais tarde pela
circunstância de que, embora tivesse uma carta de apresentação muito cordial para o vigário da mesma vila, que deixei em sua casa, não o conseguira
avistar, acontecendo estar fora quando o visitei.
Para usar a expressão de um cavalheiro ao par das circunstâncias, "ele se escondera", temendo as
consequências de uma entrevista e, sem prestar pelo menos, as gentilezas devidas a um estrangeiro, ofendeu grandemente o senhor que me dera a carta.
O padre, cuja bondade experimentei, havia interrompido a sua carreira clerical alguns anos antes, e estava se ocupando em questões jurídicas, embora
conservasse seu título e o caráter de sacerdote. Diga-se de passagem, raro é o departamento da vida política ou civil, em que não se encontram
frequentemente sacerdotes. Após a segunda noite, tive que me despedir do padre e prosseguir na minha viagem.
"Em outra vila, um jovem que fora educado na Alemanha, procurava-me frequentemente no quarto, e muito me agradava por sua franca e inteligente
conversa. Falou-me de sua vila como sendo um dos lugares mais religiosos no país, contando um grande número de igrejas e sacerdotes relativamente à
população.
A uma das igrejas, sobretudo, os padres costumavam-se ser muito rigorosos e, na opinião do meu
informante, fanáticos mesmo. Usavam sempre os seus hábitos sacerdotais, eram corretos em seu comportamento moral, exigindo que pessoas pertencentes
à melhor sociedade comungassem repetidas vezes e, além disso, desaconselhavam teatros. Este último fato era uma singularidade pois, além dos padres
estarem muitas vezes presentes a tais divertimentos, havia mesmo nessa localidade um teatro em ligação com uma igreja.
"Expus a este jovem a questão da circulação da Bíblia. Reconheceu logo a importância da empresa, e expressou grandes desejos que isto continuasse;
dizendo que os brasileiros, uma vez compreendendo os propósitos dos amigos da Bíblia, não deixariam de louvá-los. Ele se propôs a conversar com seus
amigos, para ver o que poderiam fazer nesse particular. Entreguei-lhe dois Testamentos em suas mãos, como amostras.
Na manhã seguinte, disse-me que, tendo mostrado, na tarde anterior, a um grupo de rapazes, foi
geral a vontade de possuí-los, tendo alguns deles se apressado para não serem preteridos na distribuição. Por conseguinte, repetiu que tinha certeza
de que os livros sagrados seriam recebidos com prazer, pedindo um bom número de exemplares a serem enviados para o seu endereço.
Informaram-me que, aqui, na geração que está surgindo, notava-se muito pouco respeito para com a
religião, por causa da influência de obras infiéis e outros motivos. A desculpa de quase todas as licenciosidades era essa: "Sou um mau católico". O
povo geralmente aprovava os dogmas da Igreja, mas raramente conformava-se com as suas exigências, salvo quando obrigados a assim proceder por seus
pais ou impelidos pelo pavor da morte.
O preceito que exigia ausência de carnes nas quartas e sextas-feiras, bem como durante a Quaresma,
fora abolido por uma dispensa do bispo diocesano, nos últimos seis anos, e a Assembleia Provincial pedira justamente uma renovação do mesmo favor. A
decisão do bispo ainda não transpirara, mas muitas pessoas expressavam a disposição de viver como bem entendem.
"Pouco antes de minha visita a esta localidade, um rapaz de respeitável família, tendo enterrado sua fortuna numa especulação ligada a uma recente
chegada de escravos africanos, suicidou-se. Diziam ser o primeiro caso desse crime, jamais conhecido nas redondezas e, por isso, teve extraordinária
repercussão em todas as classes.
Faço observar aqui que o suicídio é extremamente raro em todo o Brasil; e haverá poucas questões
como essa em que os preceitos da Igreja, privando suas vítimas do enterro cristão, hajam exercido uma boa influência, envolvendo o suicídio numa
justa atmosfera de horror e abominação. Praza aos Céus que influência semelhante fosse exercida contra outros pecados igualmente condenáveis senão
mais insidiosos! A mesma abominação moral devia cair sobre outros atos duma comunidade tão pouco fiscalizada.
"Em uma terceira vila foi hospedado por um negociante de ideias verdadeiramente liberais e de hospitalidade ilimitada. Ele também se ofereceu para
cooperar comigo na distribuição dos volumes sagrados, não apenas em sua própria vila, mas também em outras.
"Tendo efetuado uma viagem de cerca de duzentas milhas em circunstâncias verdadeiramente favoráveis, voltei mais uma vez à cidade de São Paulo. Não
me demorei em vários lugares o tempo que convinha e que me seria agradável demorar, em vista de urgentes convites. Tinha, todavia, importantes
razões para não ceder ao meu prazer nesse particular.
Meu espírito meditara intensamente sobre a situação do país, baseado em fatos que eu colhera em
fontes variadas e seguras. Informara-me cuidadosamente como se poderia tentar alguma coisa em seu benefício; se qualquer possibilidade de ir além
dos lentos e circunscritos limites da simples comunicação pessoal da verdade. Em conclusão, a esperança começara a crescer em meu espírito e
começava a alimentar-se da mais ardente expectativa.
"Da ideia de distribuir umas dúzias de Testamentos em várias escolas da cidade, fui levado a pensar na praticabilidade de introduzir os
mesmos como livros de leitura nas escolas de toda a província. Esse alvitre parecia ainda mais aceitável pelo fato, universalmente declarado, de que
nesta província há uma falta quase geral, nas escolas, de livros para esse fim. O Catecismo de Montpellier é mais usado como livro de
leitura, do que qualquer outro; mas era pouco eficaz para afirmar os princípios religiosos sobre uma base apropriada de modo a oferecer resistência
contra os processos solapadores dos infiéis.
"Encorajado pela gratidão geral daqueles a quem oferecera exemplares, e também pelo julgamento de todos a quem comuniquei a ideia, resolvi
finalmente oferecer ao governo, pela forma que aprovasse, uma doação de Testamentos, na quantidade exigida pelas necessidades da província.
Felizmente contava, no secretário e professor decano da Academia de Direito, um amigo inteiramente
competente para me aconselhar e ajudar na consecução desse empreendimento. Expus-lhe toda a questão. Informou-me que o meio mais adequado de
assegurar o assunto seria por uma ordem da Assembleia Provincial (no caso de aprovar a medida), mandando os professores das escolas adotarem aqueles
livros.
No dia seguinte, pela manhã, visitou comigo vários membros proeminentes da Assembleia Legislativa, para propor o assunto. Visitamos cavalheiros que
pertenciam aos dois partidos políticos: dois sacerdotes, um doutor em Medicina e o outro, um professor na Academia de Direito; o bispo eleito do Rio
de Janeiro, que era conselheiro confidencial do antigo bispo de São Paulo — este também pertencendo à Assembleia; e, por fim, os Andradas.
Cada qual desses cavalheiros considerou atenciosamente a minha proposta exprimindo a opinião de que
não podia deixar de ser bem recebida pela Assembleia. O bispo, que era o presidente de uma das comissões, a qual seria a proposta naturalmente
sujeitada, disse que não pouparia esforços de sua parte para levar a efeito tão louvável projeto. Ele, juntamente com outro padre a que se referiu
haviam adquirido exemplares da Bíblia, no depositário do Rio, para seu próprio uso, tendo aprovado altamente a edição que divulgávamos.
"Nossa visita aos Andradas foi particularmente interessante. Esses venerandos cidadãos, ambos cobertos de cabelos brancos, tendo dado toda a sua
vida a serviço de seu país, receberam-me com agradáveis expressões de respeito para com os Estados Unidos, e seguranças de inteira reciprocidade de
sentimentos cristãos que não pertencessem à Igreja Romana.
Dei-lhes a conhecer e eles os apreciaram, os esforços das Sociedades de Bíblia: além disso,
aprovaram altamente o uso generalizado das Escrituras, especialmente do Novo Testamento. Qualificaram o oferecimento que eu estava fazendo, como não
apenas irrepreensível, mas verdadeiramente generoso, disseram que nada a seu alcance deixariam de fazer para levá-lo a efeito.
Com efeito, Martim Francisco, presidente da Assembleia, na despedida, disse que, diante dessa
oportunidade, era com satisfação que via a sua província ser a primeira a dar o exemplo da introdução da palavra de Deus em suas escolas públicas. O
senhor Antonio Carlos, ao mesmo tempo, recebeu alguns exemplares do Testamento, para poder julgar da tradução que, acompanhados do seguinte
documento, apresentou como presidente da Comissão da Instrução Pública, na sessão daquele mesmo dia.
"PROPOSTA À ILUSTRE LEGISLATURA DA ASSEMBLEIA
PROVINCIAL DA PROVÍNCIA IMPERIAL DE SÃO PAULO.
"Visto que, tendo visitado esta província como um estrangeiro, e tendo ficado altamente satisfeito, não só com a observação das vantagens naturais
do clima, solo e produções, com que a Providência a tem tão eminentemente distinguido, mas também com a generosa hospitalidade que tem recebido de
vários cidadãos com quem tem tido relações; e
"Visto que, fazendo alguns inquéritos sobre o assunto de educação, foi repetidamente informado da grande falta de livros de leitura, nas escolas
primárias, especialmente no interior; e,
"Visto que, tendo relações com a sociedade Americana da Bíblia, estabelecida em Nova York, cujo objetivo essencial é distribuir a Palavra de Deus,
sem anotações ou explicações, nas diferentes partes do mundo; e, visto que o Novo Testamento do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é uma
excelente demonstração de estilo, tanto sobre assuntos históricos, como morais e religiosos, além de conter as puras e sagradas verdades da nossa
santa Cristandade, cujo conhecimento é de tão alta importância para o indivíduo, quer na qualidade de ser humano quer na de membro da sociedade; e,
"Visto que, tendo a mais ilimitada confiança na filantrópica benevolência da supradita sociedade, e em sua boa vontade para
cooperar no bem deste país, juntamente com todos os outros, e especialmente em vista das felizes relações existentes entre as duas proeminentes
nações do Novo Mundo: — proponho, portanto, em nome da dita Sociedade Americana da Bíblia, a livre doação de exemplares do Novo Testamento,
traduzidos para o português pelo Padre Antonio Pereira de Figueiredo [T71-bis],
em número suficiente para suprir cada escola primária da província com uma dúzia, dos mesmos, — sob a simples condição que os ditos exemplares sejam
recebidos despachados na Alfândega do Rio de Janeiro, e se destinem a ser distribuídos, conservados e usados, nas ditas escolas, como livros de
leitura e instrução geral para os alunos das mesmas.
"Com os mais sinceros desejos para a prosperidade moral e cívica da província Imperial de São Paulo, a proposta acima é humilde e respeitosamente
submetida.
D. P. Kidder.
"Cidade de São Paulo, 15 de fevereiro de 1839."
No mesmo dia recebi uma mensagem verbal, dizendo que a Assembleia recebera a proposta com especial satisfação, ouvindo-a às Comissões de Negócios
Eclesiásticos e Instrução Pública. A seguinte comunicação foi posteriormente recebida:
"Ao sr. Kidder: Informo-lhe que Assembleia Legislativa recebeu com especial satisfação vossa
oferta de exemplares do Novo Testamento, traduzido pelo Padre Antonio Pereira de Figueiredo, e que a mesma Assembleia tomará uma deliberação sobre o
assunto, cujo resultado lhe será comunicado.
"Deus o conserve!
Miguel Eufrazio de Azevedo Marquez, Sec. "Palácio da Assembleia Provincial, São Paulo, 20 de Fev. de 1839".
"Entre as relações que fiz em São Paulo figurava um sacerdote, também professor na Academia de Direito. Sua conversa era franca e interessante, e
suas vistas geralmente liberais. Fez-me um relato elegante sobre o infeliz abandono em que se encontravam a obras pias e sobre o desmerecimento de
muitos representantes do clero. Aprovou a obra empreendida pelas Sociedades da Bíblia, e concordou prazenteiramente em promovê-la dentro do círculo
de suas influências, distribuindo bíblias e publicações, exaltando a sua utilidade.
Trocando cartas de agradecimento com este cavalheiro, deixei-o, mantendo alta estima pelas suas
boas intenções, e com ardentes desejos que ele possa ainda ser grandemente útil na regeneração de sua Igreja e na salvação de seus compatriotas.
"Foram assim felizmente completados ajustes com pessoas de primeira respeitabilidade e influência, e em cada cidade importante do interior que eu
visitara, fiquei certo de que seria divulgada a palavra de Deus entre os seus cidadãos. Todos os exemplares que trouxe já foram vendidos, e havia
esperanças de que não estava longe o dia, em que se poderia dizer que uma Assembleia Legislativa Católica Romana sancionara inteiramente o uso de
Escrituras Sagradas nas escolas públicas de toda uma província.
Disseram-me, autorizadamente, que as comissões da Assembleia estavam elaborando um parecer
recomendando que, juntamente com a aceitação da oferta fosse uma ordem ao tesouro para os fundos necessários ao pagamento dos direitos e gastos de
distribuição.
"Tais circunstâncias resultante duma curta estada, foram muito além da mais ardente expectativa, tanto assim que, ao partir, não pude reprimir meus
sentimentos de gratidão e satisfação pelo que meus olhos viram e meus ouvidos escutaram.
"Finalmente, devo acrescentar que, devido à agitação e intrigas comuns nas assembleias políticas, o processo relativo à minha proposta demorou-se
mais do que esperavam os meus amigos. A última informação direta que tive do assunto, foi recebida em conversa com o presidente da Assembleia.
Encontrei este senhor quando foi ao Rio de Janeiro cumprir os seus deveres de membro da Câmara dos Deputados. Informou-me que tais eram as
animosidades políticas existentes entre os dois partidos em que a Assembleia estava dividida, que muito pouca coisa de interesse foi tratada durante
a sessão legislativa. A minoria como partido, e representantes da maioria, foram a favor do projeto mas, devido àquelas circunstâncias, não
desejavam insistir imediatamente sobre o assunto. Nesse ínterim, algumas falsas acusações espalhadas por um sacerdote católico inglês, residente no
Rio, despertaram as suspeitas do velho bispo de São Paulo, receoso de que a tradução não era realmente fiel, mas sofrera alterações.
"Foi proposto um exame mas, ou por inabilidade ou premeditado descuido, não foi iniciado; e assim o supersticioso capricho do velho diocesano
colocou a minha oferta entre outros assuntos aguardando decisão. O presidente exprimiu-lhe a sua esperança de que na próxima reunião da Assembleia,
a proposta seria inteiramente aceita.
"Mais tarde, vi num jornal que a comissão a quem o assunto fora entregue, ou provavelmente seu presidente, em contradição direta
com a promessa voluntária que me fizera, mas em obediência aos estúpidos temores do velho bispo, enviara à secretaria uma nota desfavorável à
proposta. Provavelmente esta nunca será efetivada. Em bem dos créditos da província, certamente, nunca será formalmente rejeitada"
[T72].
A propagação da verdade, todavia, não depende dos atos legislativos, ou da ajuda de estadistas, embora possamos saudar com prazer todos os
movimentos dos poderes constituídos em favor da instrução e da religião. A circulação das Escrituras não é uma questão de seita; e todos se
alegrariam com a difusão daquilo que (como os chefes bárbaros de Northumberland diziam a seus companheiros quando o primeiro monge visitou a
Bretanha) "ensina a origem e o destino de nossas almas".
Visitei a província de São Paulo mais de dezesseis anos depois dos acontecimentos acima narrados, e encontrei a mesma boa vontade manifestada por
todas as camadas sociais na recepção da palavra que meu companheiro experimentara entre os paulistas, e estava assim habilitado a difundir muitos
exemplares da Escritura Sagrada.
De tempos em tempos, nessa encantadora porção do Brasil, encontrei muito que pudesse encorajar os
meus trabalhos entre os humildes e ignorantes, assim como entre os mais abastados e inteligentes. Não foi menos agradável poder acompanhar os
resultados das sementes da verdade, semeadas tantos anos antes pelo dr. Kidder.
Encontrei um eminente brasileiro que fora levado, pela leitura da A Santa Bíblia, para "os
caminhos do saber", e tornou-se o mais ardente advogado de sua divulgação. Bem no interior desta província, encontrei dois cavalheiros que não se
confessavam claramente ser cristãos, mas que, como filantropos, tomaram um profundo interesse pela causa da Bíblia. Um deles disse-me que um
brasileiro veio a ele alguns dias antes com uma Bíblia portuguesa, dizendo que estava muito alegre por ter a Bíblia em sua própria língua.
Meu informante pensa que esta Bíblia deve ter vindo ou do meu predecessor ou das bíblias
deixadas na casa de um negociante americano no Rio de Janeiro. Fui também informado por um relojoeiro inglês, em Campinas, que ele encontrara com um
brasileiro que tinha em seu poder uma Bíblia portuguesa, e que tinha grande prazer em levá-la consigo todos os domingos para a igreja
católica romana.
Na parte mais fértil e mais densamente populosa da província, fiz conhecimento com um médico que residira no Brasil onze anos — viajara, para fins
científicos, grande parte do Império — ganhara o respeito e a estima dos brasileiros por sua afabilidade, bem como pela sua habilidade profissional.
Desfrutava, assim, de grande influência.
É sua opinião que o Brasil, num certo sentido, está pronto para uma reforma; mas que os seus
habitantes tiveram sacerdotes tão corruptores e são, por si, tão descuidados no ponto de vista moral, que não se poderia desde logo romper as peias
do Romanismo. Todavia, não são fanáticos e aceitam ler a Bíblia.
Foi esse médico estrangeiro que me citou o exemplo de um padre que, tendo
lido alguns dos trabalhos de Luthero desviados da Alemanha para o Brasil, pregava sermões tão protestantes que foi atacado pelo bispo, e finalmente
expulso de sua paróquia, mas não de seus sentimentos. Parecia-me, ouvindo contar esse incidente, que o velho Reformador Alemão estava ainda
arremessando o seu tinteiro...
Notas do Autor
[A47]
Veja Jornal do Comércio, 30 de junho de 1839.
Notas do tradutor:
[T68]
O autor se refere à confissão apologética do jesuíta Rui Pereira, escrita em 1560. Em alguns trechos da citação, transcreveu-se a parte citada em
Populações Meridionais do Brasil de Oliveira Viana, pp. 162-163.
[T69]
José Maria de Avelar Brotero, professor de Direito Natural e Público e diretor da Faculdade de Direito
de São Paulo de 1854 a 1858.
[T70]
Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que chefiou o movimento republicano de Sorocaba, em 1841.
[T71]
D. Antonio Maria de Moura.
[T71-bis]
Padre Antonio Pereira de Figueiredo (1725-1797), o primeiro tradutor da Bíblia, segundo a "Vulgata Latina" para a língua portuguesa, cuja
publicação foi iniciada em 1778, tendo sido a tradução do pastor evangélico português em Batavia, João Ferreira de Almeida, feita em 1691 do
original grego, do Novo Testamento.
O padre Pereira de Figueiredo, considerado um dos maiores latinistas do seu tempo, foi grande
apologista da divulgação da Bíblia; por esse fato e pela sua tradução, teve, em seus últimos momentos, de sofrer forte coação da parte do
Nuncio Apostólico em Lisboa, mons. d. Bartolomeu Pacca, para que se "retratasse", coação essa a que resistiu com exemplar vigor de convicção e
consciência de sua missão cristã.
[T72]
Refletindo o ambiente da época, aqui damos a relação das publicações de um dos principais defensores da Igreja oficial: Desagravo do Clero e do
Povo Católico Fluminense ou Refutação das Mentiras e Calúnias do Impostor que se intitula Missionário, 1837; Antídoto Católico contra o
veneno metodista ou Refutação do Relatório de P. G. Tilbury, 1838; O Católico e o Metodista ou Refutação das Doutrinas Heréticas e Falsas,
1839, ed. I. P. da Costa, Rio. |