Cubatão e Santos em 1863
No livro A Vida de Paulo Eiró, Afonso Schmidt
conta a vida e os costumes em Santo Amaro no século XIX, para servir de fundo à biografia do poeta Paulo Eiró aí nascido em 1836. Além de versos,
escreveu Eiró o drama Sangue Limpo, representado em 1861 por Eugênia Câmara, a atriz amada por Castro Alves.
Paulo, que morreu alienado aos 35 anos, veio para Santos em 1863 e essa viagem é
descrita por seu biógrafo, que nos dá informações sobre Cubatão da barreira e Santos dos
trapiches, antes da construção do cais do porto pela Companhia Docas.
SCHMIDT, Afonso. A Vida de Paulo Eiró. Editora Brasiliense Ltda., s/d., p.
302/303
Obras da S. Paulo Railway, em
foto de 1868, na Serra do Mar
"Desceu a serra por atalhos que pareciam comprazer-se num eqüilíbrio impossível, entre
as encostas a prumo e os abismos. Passava esgueirando-se entre o morro liso, escorregadio, e o desfiladeiro que, lá em baixo, toldado de neblina, se
perdia entre pedras negras empoadas de verde pela folhagem crespa das samambaias, como um ronco surdo de cachoeira. Assim chegou ao Cubatão.
Dormiu no primeiro rancho de tropeiros que encontrou entre uma casa grande
e um engenho (1). No dia seguinte, transpôs a ponte coberta de telhas, onde
funcionava a barreira e era preciso pagar um vintém. O escrivão, um caiçara de grande barba loura que mais parecia alemão, vendo o estado em que o
moço estava, deixou-o passar livremente. Mais adiante, alcançou a estrada de ferro, que estava sendo construída, e, margeando-a, chegou à ponte do
Casqueiro e depois às primeiras casas do Saboó.
Mais adiante, viu homens que aterravam o lodaçal
compreendido entre o Mosteiro de Santo Antonio e o estuário; disseram-lhe que ali ia ser construída a
estação inicial da via férrea. Mais para a esquerda, apareceu-lhe um trecho de paisagem escura, onde as águas
negras refletiam o verde-claro do mangue. Embarcações encalhadas no tijuco empenavam ao sol. Um cheiro forte de alcatrão e maresia rondava nas
aragens. A cidade cozinhava em forno lento.
Tomou a rua de Santo Antonio (2)
depois a Rua Direita (3) e lá para cima, descortinou novamente a paisagem
triste do estuário.
Estuário de Santos, em
foto de 1868
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"Fez um esforço para lembrar aquela poesia - Barra de Santos...
Praia que o mar brandamente
Repele ou acaricia,
Em que as auras vem carpir-se
À volta do meio-dia,
E a tarde espalhar frescura,
Sombras e melancolia;
Linda praia debruada
De alvejante, fina areia,
Por que só tua lembrança
O espírito me encadeia?
Quem te deu tamanho encanto?
Onde está a tua sereia?
Lembrou-se também e com saudade, do dia em que embarcara no Juparanã com
destino ao Rio de Janeiro. Reconheceu as edificações achatadas da praia. Eram armazéns construídos de tábuas, com letreiros apagados, um pouco para
cima da única e larga porta. O sol faiscava nas telhas de zinco. Homens quase nús, em carreiros, como formigas, iam e vinham esmagados por grandes
fardos. Aquelas construções chamavam-se trapiches.
As pontes de pranchões alcatroados alongavam-se pela lama do estuário e alcançavam o
canal. Eram construídas sobre mourões quadrados. A maré, que subia naquele momento, abraçava os madeiros e os envolvia em placas irisadas de óleo.
Apareciam raízes, ouviam-se estalidos, caranguejos fugiam pelos buracos instantaneamente secos. Na extremidade das pontes dos trapiches, havia
embarcações atracadas nos serviços de carga e descarga. Eram navios de vela e vapores de roda".
Notas explicativas:
(1) - Ver a localização do
rancho de tropeiros, da casa-grande da Fazenda dos Jesuítas, do engenho de Geraldo Henrique Brunckenn (avô de Afonso Schmidt), bem como a ponte na
ilustração "Cubatão em 1852", de Costa e Silva Sobrinho à fl. 137 do livro Romagem pela Terra dos Andradas.
(2)
Rua de Santo Antonio, depois S. Francisco, é hoje a Rua do Comércio.
(3)
Rua Direita, hoje XV de Novembro. |